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Quarta fase: A educação Falcão e Rebelo da Silva (1845-1926)

1.3. Período Colonial (1575-1974)

1.3.4. Quarta fase: A educação Falcão e Rebelo da Silva (1845-1926)

A partir do século XIX, os interesses políticos e econômicos mais se manifestaram no nível das potências européias. A realização substancial do capital exigia a ocupação efetiva dos territórios, a abolição teórica da escravatura, a “proteção” da mão-de-obra e a organização da máquina administrativa. O “Ato Geral da Conferência Industrial de Bruxelas”, de 2 de julho de 1890, definia os princípio e mecanismos necessários “à produção dos lucros imperialistas no colonialismo da nova fase do capitalismo” (MAZULA, 1995:68).

Somente em finais do século XIX, após a Conferência de Berlim (1884-1885) e a Conferência de Bruxelas (1889), é que o Governo Colonial Português se preocupou mais com

a ocupação efetiva da colônia para realização do capital, e, em muitos casos, por pressão dos interesses econômicos de outras potências colonizadoras, sobretudo da Inglaterra, da Alemanha e de França.

António Enes, Mouzinho de Albuquerque, Oliveira Martins e Azevedo Coutinho aperceberam-se das conseqüências últimas dessas pressões: o perigo da perda das colônias. Em 1845, os portos de Luanda e Benguela foram abertos ao estrangeiro e o comércio transformou- se. A exportação de escravos deu lugar à exportação de outros produtos mais rentáveis que se vendiam na Europa e, assim, a Inglaterra, a França e mesmo Portugal passaram a ser os clientes de Angola, em detrimento do Brasil.

Embora o escravismo possa ter sido praticado por toda sociedade européia, sua legitimação não foi tão unânime e nem dependeu exclusivamente de decisão de política colonial estabelecida pela Coroa. Quer dizer que a abolição real do tráfico de escravos não foi devida à lei que os portugueses fizeram em 1836, porque essa lei não era para ser cumprida. Ela foi devida ao esforço dos povos de Angola, que deixaram pouco a pouco de vender escravos aos armadores, e ao esforço da burguesia angolana colonial que queria que a gente de Angola ficasse em Angola. Para isso, foi necessária uma grande luta contra a influência brasileira e contra a má vontade criminosa dos portugueses nesse período.

Foi a luta da burguesia liberal e do povo angolano contra a burguesia reacionária do Brasil, dos Estados Unidos, etc., que possibilitou a abolição do tráfico de escravos. Na realidade, as pressões derivavam do liberalismo econômico exigido pela política de mercado livre que o capitalismo impunha. Protestos organizados por Sociedades antiescravistas, na maioria inglesas, e precedidos de um protesto oficial do Governo Britânico ao Governo Português, a 13 de Agosto de 1887, todos “contra a expansão da influência portuguesa na África Austral” (MAZULA 1995:68-70), além de inúmeras denúncias de prática de escravatura em toda a colônia, obrigaram o Governo Português, em Angola, a capitular. Em virtude dos protestos, os ingleses estavam reivindicando o enorme espaço reservado à esfera de influência portuguesa no Mapa Cor-de-Rosa ( era a cor da área geográfica pertencente a Portugal, para diferenciar-se das possessões de outras potencias européias na África), onde se confrontavam as potências capitalistas européias.

Aqueles governantes político-militares justificaram sempre a ação colonial como “civilizadora”, tendo em conta o “estado primitivo dos negros”, antropologicamente tratados como inferiores e, não raramente, tidos e havidos como parentes próximos dos primatas ou antropóides, portanto, “bem pouco dignos do nome de homens”. É esclarecedor o texto de um dos teóricos ideólogos da ação colonial portuguesa sobre o homem “negro”, preconceituosamente apontado como “selvagem”, “primitivo”, sendo suas sociedades, tidas e ditas como tradicionais, isto é, atrasadas e que por isto mesmo justificariam o uso pelos imperialistas de estratégias de dominação supostamente modernizadoras, cito:

... a precocidade, a mobilidade, a agudeza própria das crianças não lhes faltam; mas essas qualidades infantis não se transformam em faculdades intelectuais superiores (...). Há decerto, e abundam documentos que nos mostram ser o negro um tipo antropologicamente inferior, não raro do antro- póide, e bem pouco digno do nome de homem. A transição de um para o outro se manifesta, como se sabe, em diversos caracteres; o aumento da capacidade da cavidade cerebral, a diminuição inversamente relativa do crânio e da face, a abertura do ângulo facial que daí deriva e a situação do orifício occipital. Em todos estes sinais os negros se encontram colocados entre o homem e o antropóide. (MARTINS, op. cit.: 284-285)

Ao desumanizar e infantilizar o “negro”, rotulado de “preto”, Martins (1920) procurava justificar todas as estratégias de dominação. Ironicamente, esse autor interrogava-se:

E se não há relações entre a anatomia do crânio e a capacidade intelectual e moral, porque há-de ( sic) parar a filantropia no negro? Por que não há de ensinar-se a bíblia ao gorila ou ao orangotango, que nem por não terem fala, não deixam de ter ouvidos, e hão-de (sic) entender, quase tanto como o preto, a metafísica da encarnação do Verbo e o dogma da Trindade?. (p. 284) O negro, continua ele,

trabalha, sim, mas não por hábito, por instinto e com o fito de uma capitalização ilimitada como o europeu. Trabalha, sim, mas agrilhoado pela necessidade imediata: e as necessidades do negro são curtas, e satisfaz-se com pouco. Não abandona a liberdade e a ociosidade, para ele felizes condições de vida selvagem, pelo trabalho fixo, ordinário, constante, que é dura condição da vida civilizada. (MARTINS, 1920: 290)

Daí a reorientação da escravidão:

A escravidão tinha, pois, um papel positiva e economicamente eficaz, sob o ponto de vista da prosperidade das plantações. Não basta dizer que o trabalho escravo é mais caro, e que o preto livre trabalha – fatos aliás exatos em si – porque é mister acrescentar que o preto livre só trabalha intermitentemente ou excepcionalmente; e que o mais elevado preço do trabalho escravo era compensado pela constância e permanência do funcionar desse instrumento da produção. (MARTINS, 1920: 219-220)

Nesta ordem, Martins concebia “absurda” a educação para os negros. Admitia “o uso da força” como a única forma da sua educação: “só pela força se educam povos bárbaros” (1920: 283).

Não obstante as pressões internacionais e o decreto que pusera fim à escravatura, passaram-se a buscar outros meios de tornar forçado ou obrigatório o trabalho do negro, sem aparentar o velho tipo de escravidão do condenado e dando uma interpretação diferente à liberdade do negro, para melhor “explorar em proveito nosso o trabalho desses milhões de braços, enriquecendo-nos à custa deles, de tal modo se faz no Brasil” (MARTINS,1920:233). A prática dos portugueses refletia-se nos seus documentos como se observa o relatório de 1893, onde o Governo Central justificava a sua atuação na colônia, enquanto ironizava a abolição da escravatura:

Abolidos os crimes e horrores da escravidão, os interesses econômicos recomendaram ao legislador que diligenciasse aproveitar e conservar os hábitos de trabalho que ela impunha aos negros, embora proibisse, para os conservar e aproveitar, o emprego dos meios por que tais hábitos haviam sido impostos. Converter um escravo em homem livre era um benefício para ele e para a sociedade, mas deixar transformar um trabalhador em vadio depreciava esse benefício (sic). (MARTINS, 1920:233)

Para compreender a importância da educação naquele período recorremos à fala de alguns autores e políticos:

Martins (1920) entende que a educação para os negros era (a) “absurda, não só perante a história, como também perante a capacidade mental dessas raças inferiores”; (b) ilusória, especialmente para aqueles que pensavam “civilizar os negros com a Bíblia, educação

e panos de algodão”; ilusória porque a marcha da História provava e demonstrava que só pela força se educam povos bárbaros.

Mouzinho de Albuquerque (1898) partia da concepção de que as escolas são uma ficção: “Quanto a mim, o que nós devemos fazer para educar e civilizar o indígena é desenvolver-lhe de forma prática as habilidades para uma profissão manual e aproveitar o seu trabalho na exploração da província” enquanto que António Enes (1899) partia do pressuposto de que a educação não era prioritária, mas “antes uma exigência formal que necessidade real”.

Essas falas nos remetem historicamente a sentir como era pensada a educação em Angola, embora no ordenamento jurídico existissem normas que definissem a necessidade da educação da população, como o Decreto de 1891 que obrigava as Companhias a criarem escolas em localidades com mais de 500 habitantes. A realidade, porém, se mostrou contrária, pois as Companhias não cumpriam tal obrigação, como se comprova pela crítica da Câmara dos Deputados à Companhia de Angola em 1877.

Este período foi caracterizado pela criação de algumas escolas e por terem sido refeitas algumas orientações fundamentais no que diziam respeito à educação dos nativos de Angola; porém, outros aspectos de maiores detalhes podem ser consultados no trabalho de Silva Neto (2005).