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CAPÍTULO II O CORPO FALA SEM PALAVRAS: A REPRESENTAÇÃO DA

2.3 Que bella creança: o corpo com a Emulsão de Scott

O Brasil agigantado, A caminho da bonança, Implora, ordena cuidado. Pela vida da creança108. A estrofe da poesia do Dr. Américo Falcão – 1927, que abre este item, se aplica aos ideais propagados pelos discursos construídos com os princípios eugênicos e higienistas como possibilidade de melhoria da sociedade brasileira. Em sintonia com os ideais do seu tempo, em que os discursos políticos pregavam que o Brasil „caminhava para o progresso‟ e para a

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formação da sua identidade nacional que poderia se iniciar por uma reforma racial, este doutor acenava, através da sua poesia, que um dos caminhos seria cuidar das crianças. Sob os efeitos dos discursos do saber médico em sintonia com o „modelo‟ idealizado para as crianças, a Emulsão de Scott também revelou sua aliança com a política brasileira em torno da construção de uma nação moderna e higienizada, cuja representação estava no título: Que bella creança!

Imagem 29 - Que bella creança!109

Fonte: A União, 27 jan. de 1929, p. 3.

O termo criança se fez presente em todos os anúncios analisados, através dos quais podemos perceber que se tratava de um „ser‟ de pouca idade que precisava ser adestrado nos comportamentos e nas práticas culturais de se alimentar. Desse modo, sendo envolvida pelas transformações sociais, econômicas e culturais da sociedade na qual estava inserida. No entanto, em nenhuma das fases em que as crianças foram representadas nas imagens, foi possível diagnosticar o gênero. Porém, a sensibilidade do nosso olhar nos fez enxergar a

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“Que bella creança! Não há nada que dê maior prazer aos Paes do que a admiração que os seus filhos despertam. Crear „uma formosa creança‟, já não é tanto uma questão do acaso, como é o resultado natural da previsão e do cuidado intelligente e constante para salvaguardar a saúde dos nossos filhos. Uma creança bella é sempre forte e saudável. Quatro gerações de creanças com a Emulsão de Scott, que é do que ha de mais precioso para robustecer e assegurar um bom desenvolvimento. Foi isso que tornou indispensável a Emulsão de Scott” (A União, 27 de Janeiro, de 1929, p. 3).

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representação dominante do gênero masculino, mas este da Emulsão de Scott especificou o gênero feminino.

Este anúncio deixava transparecer que houve, por parte deste produto, um acompanhamento na trajetória do crescimento biológico da criança, construindo a cultura da beleza de que, „uma creança bela é sempre forte e saudável‟. E que o consumo do alimento tônico Emulsão de Scott estaria ao alcance de todas. Com uma conotação de independência, foi a criança que buscou alcançar o produto. Esta também era uma prática comportamental em favor da saúde a partir do exercício corporal, para o fortalecimento dos ossos e para disciplinar o corpo, como „esperança da Pátria‟. E este não era um discurso voltado só para os filhos das classes menos favorecidas financeiramente, os filhos da elite também eram apresentados à sociedade através dos periódicos por este mesmo discurso.

Imagem 30 - A Esperança da Pátria...

Fonte: Era Nova, anno V, nº 83, 15 de julho de 1925, p. 20.

A criança sentada na primeira imagem chamava-se Joãosinho, filho de Dr. João Fernandes, delegado auxiliar. A criança do meio chamava-se Luiz, filho do Dr. João Damascena de Lima, doutor do Estado do Rio Grande do Norte. Na terceira foto são os irmãos Ivan e Yêdda, filhos do Dr. José Maria Neves, clínico em Borborema. Estas representações das crianças nos fizeram ver o que disse Stepan (2005, p. 46), que “[...] o

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Brasil entrou no século XX como uma sociedade altamente estratificada tanto social quanto racialmente”.

Nesta imagem 31 percebemos pelas legendas que se tratavam de crianças da elite paraibana e sobre elas também existiam as expectativas de serem o „futuro da Pátria‟. O que certamente fez da família um objeto de saúde pública, tendo como alvos as mulheres e as crianças, vistas como „corpos doentes e frágeis‟ que precisavam ser higienizados, moralizados e disciplinados. Para o fortalecimento do corpo da criança, além da alimentação, eram estimulados os exercícios físicos, por meio das brincadeiras, tidas também como um aspecto do vigor e saúde da criança.

Imagem 31 - Para as creanças brincar é viver...110

Fonte: A União, 1 fev. de 1929, p. 3.

Segundo Stepan (2005, p. 86), “[...] as crianças, especialmente, eram vistas como recursos biológicos-políticos da nação, e considerava-se que o Estado tinha a obrigação de

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“Para as creanças brincar é viver... Para um desenvolvimento são e normal da creança, é preciso deixal-a brincar, exercitando-se ao ar livre, e quanto mais, melhor. Nada no mundo pode comparar-se com este excellente systema para a saúde e robustez da infância. Há uma outra ajuda para as creanças, que a recebem com avidez, - a Emulsão de Scott. Convem dal-a ás creanças sadias, afim de mantel-as robustas; mas para os pequenos rachiticos a doentios, ou de crescimento retardado, Ella é indispensável. Cuidado, não a deixe faltar aos seus filhos! Emulsão de Scott” (A União, 1º de fevereiro de 1929, p. 3).

134 regular a saúde delas”. Com a circulação destas informações, floresceu nas propagandas um sentimento em prol da vida das crianças, delegando um sentimento de bem estar através do consumo dos produtos que prometiam a transformação do corpo e a conquista da saúde.

No aspecto cultural, o consumo de alimentos com nutrientes e vitaminas era estimulado como sinônimo de saúde. No contexto histórico deste estudo, o saber científico contribuiu com estas escolhas a partir da divulgação de informações sobre os alimentos nos periódicos da época. Assim como com os leites, as massas e a Emulsão de Scott, alimentos que agiriam no biológico desde a infância, proporcionando saúde e robustez, características muito exploradas nos anúncios em sintonia com os discursos da ciência médica.

O título: „Para as creanças brincar é viver...‟, ilustrado pela criança que pulava de corda, associou as práticas de exercitar o corpo com um requisito para se obter „saúde e robustez na infância‟. Estes fundamentos do cuidado com o corpo pelos exercícios físicos também estavam prescritos desde a primeira infância. Sobre isto, encontramos o artigo intitulado: „Cuidados a ter com as creanças - passeios e andar‟.

A partir dos sete ou oito mezes, a creança necessita fazer algum exercício. Para esse fim, o melhor é colocal-a no chão, sobre um tapete ou manta, onde brinca e termina por andar de gatas, e ao fim de um anno, ou mais começará a andar só. (Era Nova, anno I, nº 6, 15 de junho de 1921, p. 12).

Esta preocupação em fortalecer o corpo da criança refletia a marca da identidade de uma nação obediente. Havia nos discursos dos periódicos, dos médicos e por parte dos governos, a concepção de que as doenças nas crianças representavam um atraso para o progresso econômico e social do país e comprometia a construção de uma nacionalidade moderna. Então, era necessário construir um ideal de corpo como marca identitária de uma nação „forte e higienizada‟. Para transformar este corpo, foram incentivadas ações pelo trato com as „novas‟ práticas de cuidados envolvendo a higiene e a alimentação, preparando as crianças para serem adultos disciplinados e higienizados, pelos princípios dos higienistas e da eugenia que despertavam um „novo olhar‟ para o corpo da criança, esta que deveria ser sadia e robusta e, por extensão, da futura sociedade, conforme veremos no próximo capítulo.

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