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4 EU TÔ AQUI PRA QUÊ?

4.1 O que dizem os educadores?

Os educadores são peça fundamental desta pesquisa, pois são eles que se utilizam (ou não) do currículo formal no planejamento de suas aulas. A ideia é buscar entender como estes compreendem o currículo, sua importância e como esta ferramenta é utilizada na prática.

A análise buscará um elo entre a fala dos educadores e dos adolescentes. Também farei reflexões com base na minha experiência docente.

Ao relatarem sobre o início de seus trabalhos em unidades de internação (U.I), os professores apontam como dificuldades a não formação específica para a atuação e a pouca informação sobre o trabalho nestes espaços, o que tornou o processo de adaptação mais complexo. No entanto, alguns afirmaram ter tido apoio da equipe e, com o passar do tempo, a adaptação foi acontecendo. De fato, quando fui selecionada para trabalhar em U.I não passei por nenhum processo de formação, nem de apresentação do trabalho desenvolvido, nada que pudesse aproximar-me da realidade escolar nestes espaços. Assim como não foi exposto o currículo que deveria ser adotado para o planejamento de minhas aulas.

Como resultado, percebo que o trabalho pedagógico acaba sendo afetado no modo como é pensado e desenvolvido em sala de aula. Já não é tarefa fácil motivar os adolescentes a participarem das aulas, tendo em vista que os mesmos não veem significado na escola, ainda mais quando não se conhece bem em que território se está atuando.

Partindo destas dificuldades iniciais, propus que os educadores refletissem sobre sua prática e sobre a importância de seu trabalho para a ressocialização dos adolescentes. Todos avaliaram positivamente o trabalho que desenvolvem com os alunos: “é o melhor possível”; “aqui eles tem o melhor para o seu dia a dia”; “aqui eles são alfabetizados ao mesmo tempo em que procuro trazer para eles uma nova visão do mundo”.

É nítida a crença que os professores têm sobre a intervenção da educação no processo de ressocialização dos jovens. Na autoavaliação, os professores classificam seu trabalho como: “muito bom”; “é um norte para os socioeducandos”; “tem o objetivo de elevar a autoestima dos adolescentes e colocar o desejo de uma nova perspectiva de vida”. Contudo, os adolescentes não percebem da mesma forma. Parece que o diálogo em sala de aula não está acontecendo de modo apropriado, tendo em vista que o “receptor” não entende claramente a mensagem do “emissor”.

Portanto, do ponto de vista dos professores, o trabalho que desenvolvem alcança os objetivos determinados. Mas quais objetivos são esses? Se referir-se ao ensino de conteúdo, em partes pode ser considerado eficiente, mas se foi direcionado ao processo de ressocialização, de reconstrução de valores, de reflexões da realidade, talvez não esteja sendo

tão eficiente quanto eles analisaram. Fica a dúvida sobre quais perspectivas os professores utilizaram para aferir o trabalho que desenvolvem.

Sobre questões próprias do currículo (O que é currículo?), dos cinco professores que colaboraram, três não souberam responder. Os outros dois disseram ser “o registro da vida escolar dos alunos”; “é tudo que precisa ser trabalhado em sala (organização do conteúdo que deve ser visto por eles durante o período)”.

Ao responderem sobre como selecionam os conteúdos que serão trabalhados, parte deles afirmou ser em parceria com os professores que lecionam as mesmas disciplinas em outras unidades de internação, no dia do planejamento. Houve também quem dissesse que era a partir do livro didático e das vivências dos alunos. Apenas um professor afirmou utilizar a matriz curricular.

Sobre a avaliação que fazem em relação à EJA nos centros educacionais, os educadores disseram: “é bem intencionada, mas precisava melhorar em vários aspectos”; “uma porta de engajamento para o futuro dos adolescentes”; “é diferenciada, pois os educandos, na maioria não tem nenhum interesse” e “é preciso algo inovador”.

Para relacionar a prática educativa destes professores com o que é proposto pela Educação Popular para EJA, solicitei que falassem sobre suas metodologias de ensino e se adotavam nestas os princípios defendidos por Paulo Freire. Todos afirmaram positivamente e informaram o modo como aplicam: “ensinando-aprendendo-ensinando”; “quando dou abertura para o adolescente se expressar” e “a partir da leitura de mundo dos alunos”.

Por fim, pedi que relacionassem aspectos indispensáveis de serem desenvolvidos em sala de aula. Eles expuseram: autoestima, conteúdos, valores, temas por semana, letramento, temas transversais, aprendizagem, respeito, cordialidade, comprometimento, amizade, educação e valorização.

Para refletir sobre os dados expostos, utilizo um conceito de docente-educador de Arroyo (2011, p.51): “não é ser fiel a rituais preestabelecidos, mas se guiar pela sensibilidade para o real, a vida real, sua e dos educandos e criar, inventar, transgredir em função de opções políticas, éticas”. Este recorte representa bem quem e como deve ser o educador de jovens.

Vejo que algumas mudanças ainda são necessárias para que os educadores dos centros socioeducativos possam realizar um trabalho mais comprometido com a

transformação social. Focando a reflexão apenas no educador, percebo que há falhas quanto à formação profissional, expostas em momentos como os de não saberem definir currículo, ou de contradizer a teoria que adotam com a prática que aplicam. Os professores parecem ainda perdidos quanto suas funções sociais com o grupo com que trabalham.

Ainda percebo presente na prática destes, resquícios de experiências vividas e reproduzidas em salas de aula. Práticas como a reflexão sobre sua ação pedagógica não parecem habituais entre os docentes. O desestímulo, fruto das dificuldades em desenvolver o trabalho, da desvalorização profissional e da falta de boas condições parecem também influenciar no modo como pensam e agem no cotidiano escolar. Por traz disso, pode haver a descrença oculta na ressocialização dos adolescentes, já que acreditam que a falta de interesse dos alunos é o maior responsável pelos fracassos escolares.

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