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QUE SERÁ NECESSÁRIO PARA AÇÕES FUTURAS? 279 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

10. APÊNDICES ... 309

Apêndice II - Termo de consentimento (anuência prévia) ... 310 Apêndice III – Ficha de avaliação da planta ... 311 Apêndice IV – Ficha de avaliação de frutos ... 312

1. INTRODUÇÃO

A riqueza de culturas humanas e de diversidade biológica no planeta é indiscutível e foram construídas num processo de co-evolução milenar (NORGAARD, 1989). A carga cognitiva ou de informações desta riqueza, mesmo que tão pouco conhecidas em sua essência e funcionalidade, está sendo erodida por um modelo de civilização que utiliza metodologias de intervenção especialmente simplificadoras e descontextualizadas. A ciência, em grande medida orientada por uma visão cartesiana, se distanciou do entendimento dessa realidade complexa e apenas recentemente está ampliando as possibilidades de análises.

Muito se tem discutido recentemente da necessidade de se conhecer, compreender e conservar o que resta desta base de recursos que pode-se chamar de culturais e biológicos (BALÉE, 1992; CDB,1994; DIEGUES, 2000; e tantos outros). Isso decorre dos riscos de sua perda e especialmente às potencialidades de sua conservação, pois pode ser o alicerce para mudanças de um futuro, especialmente no que tange aos recursos de sobrevivência básica como a alimentação (COOPERATIVE PROJECT “DEVELOPING AGROBIODIVERSITY”, 2004). A se seguir no mesmo rumo, a humanidade terá problemas graves, já anunciados, a enfrentar (WWF, 2012; MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT, 2005).

Nesse contexto inserem-se os trabalhos desenvolvidos nesta tese. De um lado o fator humano, cultural, social, de levar em consideração os agricultores também como verdadeiros protagonistas de um processo de resistência e construção de conhecimentos, tão válidos quanto os da ciência formal, mediado por metodologias participativas e de educação libertadora sensu Freire (1983). Do outro, a imensa riqueza da (agro)biodiversidade1, ainda por ser melhor conhecida e

1 Agrobiodiversidade ou diversidade agrícola é um termo amplo que

inclui todos os componentes da biodiversidade que têm relevância para a agricultura e alimentação, bem como todos os componentes da biodiversidade que constituem os agroecossistemas: as variedades e a

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entendida, com sua funcionalidade e potencialidade de apoiar as estratégias de sustentabilidade para o presente e futuro, tão (re) comentadas e (re) discutidas pelas diversas conferências globais, a exemplo da Rio 92 e Rio +20.

Assim, o elo para tratar destes temas de forma associada foi traçado pelo estudo da domesticação e da discussão da conservação pelo uso de recursos genéticos vegetais (RGV). A domesticação de espécies vegetais é um processo complexo em que o fator humano é indissociável dos fatores biológicos e ecológicos. Necessariamente nessa análise, deve-se fazer uso de abordagem interdisciplinar, envolvendo mais do que uma disciplina científica, notadamente da biologia e da agricultura, contudo as etnociências, mais voltadas à interlocução da biologia e agronomia com a antropologia, como a etnobotânica (ALVES; ALBUQUERQUE, 2005; ALCORN, 1995; MINNIS, 2000), são indispensáveis. Por outro lado, de forma mais geral, a premissa é que isso tudo faça parte da Agroecologia2.

Para entender o processo de domesticação de uma planta e promover a sua conservação pelo uso, além de se conhecer a dinâmica dos humanos com sua utilização e manejo, é necessário compreender a biologia dessa planta. Assim, conhecer as possibilidades genéticas e fazer um inventário da variabilidade de árvores frutíferas na natureza, como já afirmava Vavilov (1951), é um dos pontos de partida para avançar neste aspecto, ou seja, conhecer e compreender para usar e conservar.

variabilidade de animais, plantas e de microrganismos, nos níveis genético, de espécies e de ecossistemas – os quais são necessários para sustentar as funções chaves dos agroecossistemas, suas estruturas e

processos (www.cbd.int/decisions/cop/?m=cop-05)

2 Wezel et al. (2009) afirmam que atualmente o termo “agroecologia” é

usado com três concepções principais: como uma disciplina científica, como um movimento social e como uma prática de agricultura. Para esse trabalho o termo será empregado com a concepção de uma ciência, embora a contribuição das outras concepções seja levada em consideração.

Dentre tantas possibilidades, a espécie “modelo” deste estudo foi a feijoa3 (Acca sellowiana (Berg.) Burret), também conhecida regionalmente por goiabeira-serrana. Mas o foi com o firme propósito de que os preceitos utilizados nesse estudo possam ser aproveitados nas demais espécies de interesse, igualmente importantes, e pelo histórico de seu uso e manejo praticados pelos agricultores na região de estudo, em grande medida fomentado e assessorado pelo Centro Ecológico (CE)4, parceiro desse trabalho.

Nessa estratégia de usar para conservar, o melhoramento genético participativo (MGP) se constitui em importante ferramenta para a construção de uma nova realidade. Muitas são as vantagens do MGP (ALMEKINDERS; ELINGS, 2001; CECCARELLI; GUIMARÃES, WELTZIEN, 2009), mas o fato de buscar genótipos adaptados às condições locais, valorizar o germoplasma local e tornar os agricultores soberanos sobre sua ação é o que deve ser destacado. Além disso, há que se operar nova visão no campo do manejo (melhoramento) de recursos genéticos, onde muito além da clássica relação entre genótipo X ambiente, é preciso incorporar, como indicaram Leclerc e d’Eeckenbrugge (2012), os fatores de diferenciação social, rumando para um modelo de análise através da interação genótipo X ambiente X social.

Disso trata esta tese, de uma estratégia para promover o maior uso (sustentável, em suas várias dimensões) e conservação deste recurso genético, por meio de enfoques participativos da geração de conhecimento, práticas e produtos, compreendendo assim o processo de domesticação. O intuito, neste sentido, é galgar um caminho visando construir um “modelo biológico” utilizando uma espécie nativa brasileira, dentro de uma visão sistêmica e holística, que crie condições de se avançar para um número maior de espécies e que seja também opção para os

3 Optou-se por utilizar neste trabalho o termo “feijoa” já que é o mais

usual no exterior e também é utilizado no Brasil e especificamente na região de estudo.

4 Uma organização não governamental que atua na região da Serra

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agricultores familiares no sentido de gerar trabalho e renda, não solapando sua base de recursos.

1.1. ANTECEDENTES

Este projeto de doutorado iniciou sua estruturação a partir de visitas preliminares planejadas como parte da estratégia inicial de fazer a primeira aproximação às entidades que conhecidamente tinham ações em sistemas agroflorestais (SAF) utilizando espécies nativas, quando além de uma conversa/entrevista com os técnicos, um roteiro de visitas em campo, conversando com muitos agricultores era realizado. Trata-se da visita ao Centro Ecológico (CE) em Ipê - RS, ocorrida em meados de 2008.

Em entrevista realizada, o Geógrafo e Técnico em Agropecuária do CE, Cesar Augusto Volpato, relatou as ações da instituição referentes aos temas SAF e uso de espécies nativas. Desde os anos 1990 o CE, por seu foco de trabalho, vem priorizando e fomentando a incorporação de espécies nativas na dinâmica da produção ecológica dos agricultores assessorados. Com isso, o CE esperava conseguir aproveitar o potencial das frutas e outras espécies nativas para incorporar ao sistema de produção dos agricultores. Algumas espécies nativas na região têm sido manejadas incipientemente e comercializadas a partir de coleta das plantas de ocorrência espontânea que são muito demandadas in natura nas feiras de comercialização direta e também na forma processada. Há histórico para várias mirtáceas, anonáceas e rosáceas, entre outras. Dentre as mirtáceas, a Acca sellowiana têm se destacado pois suporta bem o manuseio e transporte.

Para tanto, projetos junto ao Fundo Nacional do Meio Ambiente -FNMA e Projetos Demonstrativos –PDA foram aprovados, que tinham o objetivo de usar os SAF como forma de proteção ambiental, constituição dos pomares domésticos, uso ornamental, geração de renda e outros serviços ecossistêmicos. Assim, entre 1998 e 2009 esses projetos financiaram a aquisição e distribuição de milhares de mudas de espécies exóticas e nativas

para formação dos SAF. Das espécies nativas o esforço maior foi para a feijoa, da qual aproximadamente 1300 mudas foram distribuídas. O interesse se deveu à existência de um viveirista e importador/exportador de frutas de Farroupilha-RS, que no início a década de 1990, importava frutas de feijoa do Chile (há dúvidas se eram produzidos no Chile ou apenas comercializados neste país) e iniciou cultivos experimentais naquele município, inclusive em uma propriedade de um agricultor assessorado pelo CE, já que se tratava da mesma espécie nativa da região. Assim que essas primeiras plantas começaram a produzir, o viveirista multiplicou (em princípio por enxertia) essas plantas e as comercializava considerando-as variedades melhoradas com procedência do Chile (denominadas nesta tese de “Chilenas”).

Paralelamente à aquisição de mudas, o próprio CE decidiu investir na feijoa e mapeou plantas matrizes nativas na região, das quais foram coletadas sementes e produzidas mudas para distribuição aos agricultores. Na escolha destas plantas, buscava- se aquelas que apresentassem frutos grandes, de casca mais fina, saborosas e com distintas épocas de maturação. Esse procedimento se repetiu durante dois ou três anos entre 2004- 2006. Com essa procedência, aproximadamente 2000 mudas foram distribuídas aos agricultores, não havendo registro de quem e quantas mudas receberam. Esse processo, porém, apresentou várias dificuldades especialmente no controle de doenças em viveiro, que segundo o relato, mais de 80% das mudas se perderam. Além disso, foi realizado de modo que não foi possível identificar nas progênies, as plantas matrizes, já que as sementes foram misturadas por ocasião da semeadura.

O desafio do trabalho do CE era obter frutos com boa qualidade (tamanho, espessura casca e sabor) a partir dessas plantas nativas consideradas adaptadas ao ambiente local e identificar práticas de manejo adequadas para poda, fertilidade, entre outras, e desenvolver a cadeia de produção buscando um mercado para a fruta, tanto in natura como para seu processamento.

Um dos principais problemas que foi relatado, dificultando o sucesso do trabalho, foi a baixa qualidade dos frutos oriundo das plantas distribuídas, o que desestimulou, em parte, os

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agricultores. As mudas oriundas de matrizes locais produziram frutos não homogêneos, o que se explica por terem sido produzidas por sementes. Já as mudas “chilenas”, apresentavam problemas de adaptação e também muita variabilidade de frutos, que mesmo sendo de casca fina, em sua maioria eram pequenos, pouco atrativos aos consumidores. Esse fato leva a crer que essas mudas também eram de sementes e não enxertadas, como afirmava o viveirista. Esse panorama, de certo modo, causou um revés no trabalho, já que houve agricultores que investiram consideravelmente no cultivo e implantaram mais de 200 plantas, das quais poucas foram consideradas boas. Alguns agricultores eliminaram essas plantas embora outros mantiveram esse material sendo pouco manejado.

Outra dificuldade relatada pelo CE foi o manejo dos SAF onde as mudas de feijoa foram implantadas. Por ser um sistema relativamente novo e pouco conhecido pelos agricultores, e até pela assessoria, não havia clareza de como proceder a implantação do sistema (cronologia e ordem das espécies) e, principalmente, o nível de sombreamento adequado para a espécie. Para aqueles agricultores que não fizeram manejo de podas/roçadas e que a regeneração natural ou outras espécies plantadas cresceram mais rapidamente e fecharam o dossel, a feijoa não se desenvolveu bem, estacionando o crescimento e em alguns casos sequer entrou em fase reprodutiva.

Apesar das dificuldades, o CE ainda mantinha muito interesse em seguir na linha das plantas nativas e tinha como trabalho mais robusto as ações com a feijoa. Contudo, para avançar de forma mais consistente, precisaria de apoio para analisar e replanejar as ações no sentido de corrigir ou evitar os eventuais erros do passado e tacitamente sondou a possibilidade da UFSC se envolver no processo, já que o Programa de Pós- Graduação em Recursos Genéticos Vegetais (PPGRGV) também vinha trabalhando com essa espécie. Além disso, na rodada de visitas e conversas com vários agricultores, apontavam à necessidade de se ter “variedades” ou plantas que atendessem o seu interesse pois havia uma forte demanda dos consumidores por frutos de qualidade e que não conseguiam atendê-la com os

genótipos manejados, se constituindo no maior empecilho para que investissem na espécie.

Assim, de uma realidade objetiva nasce efetivamente a proposta deste doutoramento, conciliando as necessidades de agricultores e de sua assessoria aos interesses e projetos da UFSC, que orientaram hipóteses, objetivos e os demais passos desta tese.

1.2. APRESENTAÇÃO

Face à interdependência das etapas desenvolvidas no trabalho, a tese foi redigida em formato de uma monografia, estruturada de tal forma que leve a responder as grandes perguntas do trabalho, testar as hipóteses levantadas e atender os objetivos da pesquisa.

Assim, após a Introdução, que delimita o grande tema da tese, se apresentam as justificativas do trabalho. Nela são detalhadas para alguns quesitos específicos suas razões, mas em seu conjunto, embasam as Hipóteses e Objetivos descritos logo a seguir. Na sequência se apresenta uma Revisão Bibliográfica para alguns dos principais temas abordados, que dão suporte teórico às discussões levantadas.

O Material e Métodos é dividido em três partes, sendo as duas primeiras a caracterização da região de estudo e o enfoque teórico-metodológico adotado. A terceira porção do Material e Métodos detalha sequencialmente como foram coletados os dados em campo, tal qual são apresentados no tópico seguinte, Resultados e Discussões. Cabe destacar que a ordem dos tópicos não é cronológica visto que as várias etapas foram se desenvolvendo ao mesmo tempo e foram assim ordenadas para facilitar a discussão dos resultados.

Desta forma, a coleta dos dados e a discussão dos resultados estão estruturados em três macro-ações:

(i) sistematização do conhecimento local associado ao uso, manejo e conservação da feijoa com o mapeamento de (plantas) matrizes, separado em dois tópicos: agricultores e quintais urbanos;

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(ii) caracterização fenotípica (plantas, frutos e sementes) e genética de plantas organizadas em cinco distintas amostras, considerando aquelas plantas manejadas e selecionadas pelos agricultores, aquelas presentes em quintais urbanos e aquelas de ocorrência espontânea tidas como população natural;

(iii) promoção da conservação pelo uso mediante o estabelecimento de um programa de melhoramento genético participativo (PMGP) com a feijoa e a avaliação de progênies implantadas em SAF no ano de 2008 em cinco propriedades de agricultores.

Ao final da tese se apresentam dois tópicos de fechamento. O primeiro faz uma síntese dos dados levantados no intuito de discutir as vias de domesticação da espécie e a conservação pelo uso. O segundo tópico são as considerações finais que abordam as principais conclusões à luz das hipóteses e objetivos levantados. O fluxograma da tese a partir da diretriz

metodológica pode ser visto na Figura

1. PMGP & PMGP & PMGP & PMGP & Avaliação Avaliação Avaliação Avaliação progênies progênies progênies progênies emememem SAF SAFSAF SAF Diretriz Diretriz Diretriz

Diretriz metodológicametodológicametodológicametodológica dadadada pesquisapesquisapesquisapesquisa

Caracterização CaracterizaçãoCaracterização Caracterização da da da da diversidade diversidade diversidade diversidade Plantas Plantas Plantas Plantas Frutos Frutos Frutos

Frutos SementesSementesSementesSementes Genética Genética Genética Genética Conhecimento Conhecimento Conhecimento Conhecimento local local local

local associadoassociadoassociadoassociado

Agricultores AgricultoresAgricultores Agricultores Quintais QuintaisQuintais Quintais Urbanos UrbanosUrbanos Urbanos Manejo de paisagem e Manejo de paisagem e Manejo de paisagem e Manejo de paisagem e promoção da feijoa promoção da feijoa promoção da feijoa promoção da feijoa Modificações Modificações Modificações Modificações morfológicas e genética morfológicas e genética morfológicas e genética morfológicas e genética