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Quebra do monopólio católico: discurso, discórdia e notícia religiosa

Parte I: Periféricos

Capítulo 1: Quebra do monopólio católico: discurso, discórdia e notícia religiosa

I

Até aqui apresentei o objeto, ao mesmo tempo em que pinçava o conjunto categorial de que me valerei na análise. O esforço foi de se articular a mutação nos padrões de dependência em que implicavam-se os agentes, com a conformação de um direcionamento espiritual cada vez mais dependente de instituições profanas comprometidas com ideais modernos. De forma que o objeto, os processos de legitimação, revelar-se-ia ligado a uma multicausalidade que extrapolaria um tipo de figuração fechada nos agentes e instituições religiosas. Assim, que tais agentes e instituições em processo de transformação, passariam a depender crescentemente, na longa duração, da integração objetiva e subjetiva de equipamentos e valores capazes de reconstituir continuamente os limites entre sagrado e profano, público e privado; enfim, tradicional e moderno enquanto oposição estruturante a qual, idealmente, disporia os seres humanos em localizações inconciliáveis, mas que na prática nem sempre podiam ser facilmente separáveis. E, como indiquei, a solução espiritual coletiva e intergeracionalmente construída, aqui teria recorrido, preferencialmente, aos equipamentos e valores que pudessem ser articulados à hegemonização das formas possessionais. Por isso é que, transversalmente, farei remissões constantes: à mutação dos fundamentos cristão-caritativos que se “profanavam”, agora marcados por um sentido de utilidade pública; às tecnologias e artes da autoapresentação; e às atividades dos escribas e novos taxonomistas em geral.

E, sobretudo quanto aos primeiros dois aspectos, espero ter tornado claro se tratar na tese, de investir numa estratégia capaz de, em um só movimento, enfrentar dois desafios metodológicos: por um lado, o de se integrar em um trabalho sobre práticas religiosas as dimensões econômica e simbólica. Em segundo lugar, se buscará, até onde for possível, desnaturalizar as abordagens denominacionais mais típicas, sem, entretanto, se resgatar a mais antiga noção de sincretismo. Sendo que para tanto, embora a discussão sobre a relação entre religiosidades e secularização, sobretudo mediante versões mais dinâmicas advindas de autores como Hervieu-Leger e Charles Taylor tenham sido decisivas, elas me parecem ainda demasiado dependentes de uma história religiosa europeia, para a qual um sentido de retorno à religião reivindicado pelos seres humanos como experiência não confessional tem sido central. Não é esse o caso aqui. Estivemos durante todo o século XX fumegados de sagrado, ainda que entre determinados segmentos tenha, de fato, havido certo recuo da religião.

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O que tento indicar, é que nossa experiência tem sido marcada por modalidades tipicamente informais, e que, de fato, a integração dos segmentos populares em termos confessionais autonomamente pronunciados, foi um trabalho iniciado durante a transição entre o século XIX e o XX. Ou seja, aquele trabalho em que os próprios agentes despossados foram tomando para si as tarefas de autorrepresentação, validação e imposição de símbolos pública e juridicamente reconhecidos, a partir da hegemonização em seus próprios termos de modelos cultuais-possessionais. Enquanto isso, na Europa, ao menos nas áreas urbanas economicamente mais dinâmicas, as imensas massas humanas se afastavam da religião, enfastiavam-se dela.

A partir daqui, portanto, procuro dar um passo atrás, e me focar mais especificamente nas transformações concorrenciais relacionadas ao campo religioso em formação. Claro, sempre em correlação às modificações jurídicas e políticas que se dariam com o advento da República. Todavia, logo passando ao material histórico que me permitirá, minimamente, indicar para os efeitos concorrenciais em termos de maior sensibilidade à simultaneidade, bem como, ao fenômeno de uma crescente incerteza que passava a requerer recursos materiais, cognitivos e emocionais bastante distintos dos oficiantes. Tanto no sentido de se regular as hostilidades nas relações com o diferente, como também, no sentido de se desenvolver estratégias capazes de legitimar a oferta frente à praticantes que eventualmente poderiam ser tocados por um senso de realidade sujeito a interrogações. Ou seja, neste tópico apresento em linhas bastante gerais, o que teria significado os primórdios de um sentido de jogo concorrencial interreligioso dependente da relação com um Catolicismo então monopolista – ou que assim se via, por não parecer considerar as práticas populares como suas concorrentes. Tal Catolicismo tendo que enfrentar a intromissão de dois adversários bastante inconvenientes: o protestantismo e o Espiritismo. Para tanto, os principais materiais utilizados aqui serão, primeiramente, os trabalhos de outros autores sobre a história dos protestantismos, espiritismos e, principalmente, catolicismos. Mas também o jornal e o periódico, sejam eles religiosos ou não, por favorecerem ao mesmo tempo um quadro relacional, ainda que bastante simplório, das avalições públicas das crenças, como também, por ajudarem a entender um pouco como foram se construindo, dentro do conflito, padrões distintos de hostilidade e autocontenção que tinham como escopo jurídico-normativo a constituição de 1891, e o Código Penal de 1890.

Assim, a despeito da mudança jurídica, até aproximadamente os anos 1940-50 havia em alguns jornais e periódicos leigos o mesmo tópico: “Vida Religiosa”. Do que tratava ele? Basicamente do Catolicismo! Implicitamente dizia-se: as outras expressões não são religião, ou não o são plenamente. Noticiava-se o Catolicismo, o clero e alguns acontecimentos que nos

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dias atuais seriam considerados absolutamente irrelevantes para o leigo. Dentro do esquema monopolístico católico, as questões eram orientadas de maneira autorreferente. É sempre o Catolicismo e seus intelectuais, as virtudes católicas, atos dos apóstolos, sacerdotes, e do papa em sua Igreja. Essa é a tônica – mesmo em se tratando das encíclicas, em que a ação sobre a “sociedade” seria o foco. E, como indicado, não apenas nas publicações católicas, mas também nos jornais leigos do início da primeira metade do século, principalmente até os anos 1930.

Todavia, a própria necessidade de se produzir notícias por parte de iniciativas não religiosas impunha o desenvolvimento de lógicas dissonantes. Começavam a surgir formas de enfrentamento do poder dos clérigos católicos que não poderiam ser compreendidas desligadas do declínio relativo do seu prestígio. Perda esta acompanhada pela correlativa recomposição dos quadros também por pessoas de menor prestígio; cada vez mais advindas dos segmentos intermediários ou decadentes das zonas rurais. Da mesma forma, perda de autoridade que adquire ainda mais sentido diante do arbitrário do poder eclesiástico que se expunha mediante, tanto a proliferação de alternativas simbólicas religiosas quanto leigas. Assim, em junho de 1917 sai no Jornal A Tarde: “Um padre que está com o Diabo no corpo”. Matéria originada de uma missiva em que se acusa o padre Henrique de Freitas de Riachão do Jacuípe de ter mandado incendiar a casa de um “pobre lavrador”. Em outra matéria de 1915, trata-se de uma denúncia no bairro de Pirajá. Segundo a matéria: “O vigário de Pirajá contende com os protestantes – e faz, dos sinos da igreja, uma arma infernal”. Nela se registra que o vigário local, o padre Albino, sem saber mais como impedir a frequência do rebanho à porteira do inferno, teria passado a troar insistentemente os sinos nos horários das reuniões protestantes. Entretanto, em sua maioria os jornais mantinham-se “católicos” na maneira de apresentar as religiões.

Para as outras práticas – excetuando-se as de matriz afro-brasileira e artes divinatórias em geral – havia no jornal baiano A Tarde o “Vários Cultos”, normalmente dedicado a protestantes e espíritas. E, a despeito de toda orientação liberal secularizante a favor da liberdade de culto e credo, continuou o Catolicismo durante a República Velha, a religião oficial dos eventos oficiais. Flertava abertamente com o Estado e as elites, e isso compunha parte do ambiente natural no qual os sacerdotes haviam exercitado suas competências emocionais, relacionais e intelectuais durante séculos de colonização. Mas nesse novo contexto, a participação pública das elites sacerdotais deixava de compor ritual óbvio e obrigatório, para se aproximar de uma concessão secular à maior e mais antiga religião do país. E, muito embora os ressentimentos nos primeiros anos de república não tivessem sido curados, precisariam manter-se latentes. Pois, sem o predomínio e visibilidade em tais ocasiões, por exemplo, corria- se o risco de que o Catolicismo se aproximasse ainda mais de uma posição formalmente idêntica

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às outras expressões nacionais. Inclusive, com algumas de suas características populares processionais e extáticas sendo perigosamente identificadas a um valor cultural do passado.

Teve-se de esperar a quebra do padroado para se assistir à hegemonização da corrente empenhada naquele esforço crítico da reação, o qual, justamente pelo reconhecimento dos novos limites e possibilidades dos tempos, expunha de dentro para fora os sinais contraditórios da condição da Igreja, preocupadíssima com os acontecimentos do mundo, mas ainda demasiadamente autocentrada em práticas convencionais. É nesse clima que uma categoria em especial tomaria forma nos discursos católicos: a de sociedade. Na corrida religiosa pela oferta do universal o mundo católico, aparente paradoxo, vai passando a ser social, e a sacralização da sociedade sua vocação. Como dito anteriormente, não uma cultura, nem uma religião; somente a religião universal e única verdadeira, feita sob medida para uma sociedade necessitada de conforto e direção.

II

A Igreja Católica na virada entre o XIX e o XX tinha de salvaguardar, diante das ameaças que se via sofrendo, seu papel privilegiado na divisão do trabalho de dominação. E, se o apartamento em relação ao Estado não a tornara inimiga deste, a Igreja certamente já não era mais “Estado”. Daí a urgência de se recompor suas bases de sustentação. Assim, quanto mais o projeto de “saneamento” interno via ultramontanismo e romanização foi realizando seu trabalho, ia-se, igualmente, expondo-se os estreitos limites de um modelo demasiado inflexível. De forma que o Catolicismo teve de re-tecer um campo de lealdades que encontraria em uma sociedade civil catolicamente cristianizada, mas ao mesmo tempo sedenta por renovação, uma poderosa aliada. De toda sorte, para que a noção de “sociedade” passasse a ser central na orientação Católica foi preciso que se dessem alguns acontecimentos mais distantes no tempo.

Desde a expulsão dos jesuítas de Portugal e suas colônias em 1759 que a relação entre Igreja e coroa não era a mesma. Da mesma forma, a participação do clero brasileiro, por exemplo, no parlamento da segunda metade do século XIX (ÁVILA, 1980) endossa o conservadorismo católico da época e a quase exclusiva preocupação com temas que pudessem ferir as tradicionais fontes de recursos e prestígio: o casamento com a entrada de imigrantes não católicos; a desvalorização das côngruas; os enterros; a defesa da escravidão ameaçada pelos abolicionistas; a preservação do patrimônio ameaçada pela modernização urbana e pelas demandas do Estado; o ensino, ameaçado pelos lazaristas; as consagrações em geral.

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Com a vinda da corte portuguesa, e com os sucessivos primeiro e segundo reinados, o Estado assumiria funções e ofereceria serviços que até então não estavam, ou não estavam exclusivamente em sua alçada, abrindo-se o campo para uma produção simbólica crescentemente leiga. Aqui o desenvolvimento de uma imprensa leiga, fosse ela atrelada aos interesses do Estado, contrária a esse, ou “independente”, não importa, podia colocar questões para um Catolicismo incapaz de atuar através das mídias modernas: revistas, periódicos e livros para leigos, como sempre o faziam protestantes e espíritas34. De fato, desenvolvera-se durante o XIX um Catolicismo local suficientemente consciente de haver um movimento global irresistível, o qual o punha tensionado entre ele mesmo e diversos agentes, cada vez mais fortes e exteriores – ora adversários, ora aliados. Mas foi preciso que a Igreja perdesse algumas de suas prerrogativas estatais, as funções governamentais administrativas, a influência política e econômica mais direta, para que tal corrente se tornasse um guia inconteste. Ainda assim, somente a partir dos anos 1920 que a Igreja viria assumir um rumo mais nítido diante da nova conjuntura, negociando sua existência e tomando suas decisões dentro desse espectro.

Estava em curso uma redivisão social das atividades de dominação simbólica35 em que a imprensa iria, com os juristas e, posteriormente, com médicos, sanitaristas, engenheiros e educadores, bem como através de todo um campo estético e intelectual leigo voltado para as humanidades, assumir a dianteira na luta pela monopolização dos mecanismos de reprodução das distâncias entre dominados e dominantes (MICELI, 1979). Todavia, cada vez mais cresceria o valor atribuído pelas frações das elites profanamente intelectualizadas, aos títulos oficiais emitidos pelo Estado em contraposição e preferência às oportunidades e prestígio oferecidos

34 O Catolicismo vinha desde os séculos XVI-XVII em uma campanha contra os males do mundo. Inicialmente

contra protestantes e uma pequena elite científica e filosófica, mas, em seguida, contra amplas parcelas da população. Todavia, paradoxalmente, as circunstâncias exigiriam o próprio recurso católico aos meios historicamente condenados e, no caso do Brasil, em que a posição de prestígio do sacerdote diante do leigo dependia muito da sua competência como leitor e escritor frente à massa iletrada. Oficialmente a Igreja passaria a reconhecer a imprensa como meio legítimo, buscando construir seus próprios meios de divulgação desde Leão XIII (1878-1903). Mas, o recurso à imprensa escrita levantava contradições internas ao próprio equilíbrio de poder da Igreja, e à herança do modelo de sociedade escravagista. Assim se define a divisão entre boa e má imprensa, como forma de dar sentido aos influxos tecnológicos. Da mesma forma, um dos postos avançados do Catolicismo brasileiro se tornaria a imprensa, como propagadora de notícias, mas também de ideias e projetos para a sociedade. Cada vez mais afastada do exercício direto do poder político, buscava alternativas à sua ação, encontrando no campo mais exclusivamente simbólico seu papel. Pois, ao tempo em que perdia a proteção econômica do Estado, precisava reaprender a converter seus recursos simbólicos em recurso material. Emblemático desse dilema, por exemplo, foi a iniciativa do Frei alemão Pedro Sizing, o Centro da Boa Imprensa (CBI) no início do século XX, assim como a Liga da Boa Imprensa. Pretendia-se implantar em todas as dioceses o jornalismo impresso.

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Segundo Bourdieu: “Para que os efeitos do capital e da dominação linguística se exerçam, é preciso que o mercado linguístico seja relativamente unificado, isto é, que o conjunto dos locutores seja submetido à mesma lei de formação dos preços das produções linguísticas [...] É isto o que significa unificação do mercado ou relações de dominação linguística: no mercado linguístico se exercem formas de dominação que têm uma lógica especifica e, como em todo mercado de bens simbólicos, há formas de dominação especificas que não são absolutamente redutíveis à dominação estritamente econômica.”( BOURDIEU, 1978, p.7)

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pela carreira clerical. Principalmente aquelas funções tipicamente almejadas pelos economicamente dominados, funções duplas de intervenção e intermediação características das burocracias. Circunstância em que se viram tendo que identificar e decidir pelos critérios do mais promissor e do mais seguro, os jovens aspirantes, fosse à ascensão, fosse à conservação do poder familiar. Tudo isso se dando diante de crescente especialização que, se por um lado implicou, nos primeiros anos da república, na separação entre poder político-econômico e religião, por outro, privando-se com a quebra do padroado36 a Igreja Católica de sua mais importante fonte de recursos, o Estado, gerava-se uma pressão provavelmente nunca antes vivida pela igreja local na busca de meios materiais de existência.

Tal rebaixamento relativo teria, entre seus efeitos, a produção de condições para que o Catolicismo fosse constrangido, numa maior duração, a ter de disputar já não apenas com os novos especialistas leigos a produção simbólica, mas também, com outros agentes religiosamente interessados. Assim, como mostra Sérgio Miceli, uma vez que o interesse pela vida sacerdotal vinha decaindo ano a ano, ao menos entre as elites, isso teria motivado a importação da Europa de especialistas, muitas vezes originários de ordens com orientações distintas do que havia aqui – e de fato houveram conflitos a esse respeito. Seja como for, se em 1870, como aponta Kenneth Serbin (SERBIN, 2008), a relação entre padres e população era de 1/4279 – uma média, aliás, bem inferior ao 1/401 da Espanha, por exemplo, para o mesmo ano –, em 1970, apesar de todos os esforços, seria de 1/7114 no Brasil. Sendo que além da vinda de clérigos estrangeiros, ampliou-se em muito o número de seminários inaugurados. E, se no Brasil entre 1880 e 1890 foram inaugurados apenas cinco seminários, com a reposição e ampliação do clero dependente da vinda de sacerdotes europeus, entre 1921 e 1930, época do início da Restauração Católica, seriam 49, chegando-se aos 221 entre 1951 e 1960.

O Catolicismo era uma força dificílima de se bater, e sempre defendia, mesmo ao custo de sacrificar velhos hábitos, duramente suas trincheiras. Entretanto, a primeira reação à entrada de novas denominações no XIX, desde a abertura dos portos, uma vez que tais denominações se utilizavam fartamente de um proselitismo impresso, restringia-se a um Catolicismo de púlpito, das residências, batismos, funerais casamentos, nas relações interpessoais, enfim, no face à face. Assim, colocados no espaço aberto da glosa, os líderes católicos locais não treinados

36 Como se sabe, o padroado foi aquela instituição religiosa através da qual a Igreja Católica era mantida

materialmente pelo Estado. No caso brasileiro, a contrapartida desse apoio residia no direito do Estado nomear ou vetar indicações para os cargos eclesiásticos. Na prática, esse regime também implicava numa constante troca de intervenções – em ambas as direções – entre o temporal e o espiritual. Ou seja, a religião aqui era vista como religião de Estado. Também, não se pode esquecer que não só o Estado demandava do clero determinadas posições, muitas das quais estavam em contradição com as orientações da Sé romana, como também, os clérigos agiam de dentro do Estado, ocupando cargos administrativos, dirigindo a educação, e ocupando posições políticas.

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na polemização com adversários bem formados, encontravam-se em circunstâncias desfavoráveis. O que fazer? De fato, em termos simbólicos, o início da resposta católica foi um híbrido entre a autoridade de que gozava, as crenças partilhadas e o uso, um tanto mais tardio, dos meios impressos, sendo a fala oficial por vezes marcada pela acusação diabólica:

Na Europa cederão também o passo nessa luta fatal [...] e o Arcanjo S. Miguel vencerá

a Lúcifer. {No Brasil} Personifique-se o mal nos corifeus que nos assaltam constantemente, venham eles das Alagoas, do Maranhão, surjam eles mesmo nesta

corte, falem da representação nacional, ou sustentando a desorganização da família pelo casamento civil, ou sustentando o indiferentismo religioso nessa tão preconizada

liberdade de cultos e na pluralidade de religiões, ou pregue a imprensa protestante, não hão de vingar seus esforços, hão de ser suplantados pelo bem. (Revista O

Apóstolo, 6/10/1867, p. 317, grifos nossos)

Vai-se construindo no interior da disputa a polarização entre bem e mal, colocando-se o mal no lugar da desordem e do conflito. O tom inflexível desse e de muitos outros textos católicos da época deixa entrever que se tratava de pessoas aparentemente crédulas no que afirmavam, ou seja, que os protestantes encarnariam de fato o mal absoluto37. Acima se tratou de um periódico católico em que, aparentemente, o polemista de fato acreditava que o pluralismo religioso era um acontecimento reversível. Isso começaria a mudar após: a chegada em massa de sacerdotes estrangeiros a partir da década de 1870; a proclamação da República com a promulgação de uma nova constituição e com as mudanças no código penal; e por fim, a rotinização dos parâmetros e ideais defendidos pela romanização que, aprofundada entre as décadas de 1840 e 1880, tornava-se irreversível a partir de então, empenhando-se a Igreja em lidar de forma mais atenta e dinâmica com as transformações do século XIX. A Igreja impunha com isso a reforma intelectual e moral do seu clero, ao mesmo tempo em que se aproximava da Santa Sé; o que eventualmente significava combinar uma resistência à ingerência estatal nos seus negócios, com a ampliação quantitativa e qualitativa dos quadros. Problema insolúvel entre fins e meios, se se ficasse nos termos herdados do XIX.

Daí o contraste com o velho padrão de intimidade entre Catolicismo e Estado, o qual

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