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A primeira parte do livro mostra a sequência da história, a ruptura que acontece após a estadia em Nsukka e a liberdade que começa a germinar. A “quebra dos deuses” pode ser interpretada como a quebra de paradigmas familiares e religiosos. Jaja é o primeiro a se rebelar, recusando-se a participar da comunhão na igreja, criticando os elementos sagrados e o ritual perante o seu pai e mostrando a ele que não vai mais se submeter à sua autoridade(Tabela 29).

Tabela 29: Verbo do campo lexical do olhar como atitude assertiva

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“Jaja, you did not go to communion,” Papa said quietly, almost a question.

Jaja stared at the missal on the table as though he were addressing it. “The wafer gives me bad breath.” (p. 7)

– Jaja, você não recebeu a comunhão – disse Papa baixinho, num tom quase interrogativo. Jaja olhou para o missal sobre a mesa, como se estivesse falando com ele.

– Aquele biscoito me dá mau hálito. (p. 6)

No campo lexical do olhar, o verbo mais frequente nessa parte do livro é stare, definido no dicionário de Cambridge como “olhar por um longo tempo com olhos bem abertos, especialmente quando surpreso, assustado ou pensando”,39

ou seja, um olhar fixo, demorado, de olhos bem abertos. Em Hibisco roxo, é traduzido por “olhar” e por “encarar”. Traduzir somente como “olhar”, como no exemplo acima, atenua o significado do verbo. É necessário um complemento para que a ideia original desse olhar se mantenha. No caso a seguir, Tabela 30, a tradutora optou por usar o adjetivo “atônita” para transmitir essa ideia, que foi uma boa escolha.

Tabela 30: Linguagem do olhar entre Jaja e Kambili

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I stared at Jaja. Had something come loose in his head? (p. 7)

– Eu olhei atônita para Jaja. Será que ele tinha ficado maluco? (p. 6)

Jaja, pela primeira vez, desafia a autoridade do pai. O adolescente não age como esperado, não fala nem se cala quando deveria. Torna-se defiant – “rebelde” – como o personagem histórico Jaja of Oprobo que Ifeoma lhe apresentou. Kambili também tenta algumas vezes falar com ele pela linguagem do olhar, mas o retorno é sempre negativo:

He did not look at me (p. 7). Na Tabela 31, a seguir, apresento um exemplo desse olhar enfrentador de Jaja para o pai.

Tabela 31: Verbo do campo lexical do olhar como atitude assertiva

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Papa was staring pointedly at Jaja. “Jaja, have you not shared a drink with us, gbo? Have you no words in your mouth?” (p. 10) “Mba, there are no words in my mouth,” Jaja replied. “Have you nothing to say, gbo, Jaja?” Papa asked again.

“Mba, there are no words in my mouth,” Jaja replied.

“What?” There was a shadow clouding Papa‟s eyes, a shadow that had been in Jaja‟s eyes. Fear. It had left Jaja‟s eyes and entered Papa‟s. “I have nothing to say,” Jaja said. (p. 10)

Papa olhava fixamente para Jaja.

– Jaja, você não bebeu conosco, gbo? Não há palavras em sua boca? (p. 9)

– Você não tem nada a dizer, gbo, Jaja? – perguntou Papa novamente.

– Mba, não há palavras em minha boca – respondeu Jaja.

– O quê?

Havia uma sombra enegrecendo os olhos de Papa, a mesma sombra que estivera nos olhos de Jaja. Medo. O medo deixara os olhos de Jaja e entrara nos de Papa. (p. 10)

O modo como Eugene olha para o filho, a expressão staring pointedly (p. 10), traduzida como “olhar fixamente”, demonstra mais que um olhar fixo: um olhar crítico, de cobrança, que quer enfatizar e chamar a atenção, expressa pelo advérbio pointely (na definição do dicionário de Cambridge: “de uma forma óbvia, geralmente para expressar crítica ou reprovação”40

). Para transmitir essa mesma interpretação em português, a frase poderia ser traduzida como “Papa encarou Jaja firmemente, com um olhar reprovador”.

No campo lexical do falar, aparece o verbo reply – “responder” –, do qual Jaja é o sujeito. Contudo, Kambili ainda mantém-se insegura para verbalizar seu pensamento. Aparecem, por diversas vezes, as expressões I wanted to say e I meant to say(Tabela 32).

Tabela 32: Kambili expressa seu desejo de falar

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I meant to say I am sorry Papa broke your figurines, but the words that came out were, “I‟m sorry your figurines broke, Mama.” She nodded quickly, then shook her head to show that the figurines did not matter. (p. 9)

Eu quis dizer que sentia muito por Papa ter quebrado as estatuetas dela, mas as palavras que saíram foram:

– Sinto muito que suas estatuetas tenham quebrado, Mama.

Ela assentiu rapidamente, e depois balançou a cabeça para indicar que as estatuetas não eram importantes. (p. 8)

Kambili fica impressionada e assiste, chocada e “atônita” – como bem descreve a tradutora –, às atitudes do irmão. A mãe também já dá sinais de que não é a mesma. Duas semanas antes, ela “rearrumara as estatuetas” (p. 8), já tinha trocado a posição das bailarinas: um pequeno sinal de que a mudança havia começado. Depois, com um gesto, sinaliza à filha que as bailarinas, símbolo da violência que sofria, já não eram importantes. Assim como Kambili, Beatrice não verbaliza pensamentos e sentimentos.

O fato de Jaja, o personagem masculino, ser o primeiro a enfrentar o pai pode ser interpretado como um indício de que a submissão está cultural e socialmente mais arraigada às mulheres, e que, para elas, escapar da subjugação seria mais difícil. A voz de Jaja, sua liberdade, começa a brotar, timidamente, enquanto Kambili e Beatrice ainda internalizam seu desejo de viverem de outra forma.

PARTE 3 – THE PIECES OF GOD (AFTER PALM SUNDAY)