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Capítulo 2 Arte de Rua x Arte no Museu

2.3 Quem é Banksy?

O grafite chegou às ruas de Barton Hill, distrito de Bristol, Inglaterra, na década de 1980. Na época, essa região era uma área perigosa, formada por grandes conjuntos habitacionais financiados pela prefeitura, os quais se amontoavam desde a década de 1950 e tornaram-se abrigos do tráfico e da criminalidade. Foi nesse bairro que Banksy teve o primeiro contato com o grafite, por meio de John Nation, um ativista cultural que incentivava jovens desocupados a se expressar pela arte do spray. Nation foi o responsável pelo movimento que transformou Barton Hill na “Meca” do grafite e atraiu grafiteiros de toda a Inglaterra. Em suas palavras, o bairro “era um lugar onde as pessoas que ouviam constantemente ‘vocês não são ninguém’ podiam dizer ‘eu sou alguém’” (ELLSWORTH- JONES, 2013, p.27).

Banksy é o codinome do artista que realizou seu debut nas ruas de Barton Hill, cujas obras proliferaram por toda a Inglaterra e alguns outros países, e que ficou mundialmente famoso tanto pelo caráter provocativo e original de seus trabalhos quanto pelo mito criado em torno de sua figura. Apesar de suas obras serem valorizadas em galerias de todo o mundo e seu nome ser admirado – e odiado – entre os integrantes do movimento da arte de rua, sua identidade é uma incógnita; as pessoas que convivem e trabalham com o artista compartilham de um código de conduta para preservar seu anonimato. As técnicas utilizadas por Banksy para promover sua obra se assemelham às estratégias de marketing de guerrilha ou campanhas publicitárias: criar promoções das obras via internet ou pregar ilegalmente uma obra na parede da galeria Tate71, de Londres, por exemplo. Estas são algumas das aparentes contradições de sua personalidade: como alguém tão famoso consegue manter sua imagem desconhecida ou usar artifícios de propaganda para promover uma obra ‘marginal’? Isso demonstra claramente uma das facetas do discurso artístico e das atitudes de Banksy: a subversão da ordem.

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Figura 7. “O programa de TV Crimewatch arruinou o campo para todos nós”, Tate Gallery, 2003

Fonte: BANKSY, Guerra e Spray, 2012, p.169.

As informações sobre sua infância e formação artística são desconexas, principalmente porque Banksy faz questão de contrariar qualquer ‘verdade’ sobre si mesmo. Ellsworth-Jones, em uma biografia não autorizada, tentou trilhar o caminho do artista, entrevistando possíveis amigos de infância, grafiteiros que começaram a pintar na mesma época que ele e membros da sua equipe de trabalho. O ‘biógrafo’ chegou à conclusão de que Banksy cursou uma das escolas mais elitizadas de Bristol, não pertencia à classe trabalhadora e destacava-se nas aulas de arte. Segundo o depoimento de um amigo, “essa imagem dele de malandro adorável é só uma imagem. Ele foi educado nas melhores escolas, e é um homem muito inteligente” (ELLSWORTH-JONES, 2013, 32).

São muitos os mitos e lendas que rondam sua figura. Um dos episódios mais famosos foi a ‘batalha’ travada com ‘King Robbo’, outro famoso grafiteiro inglês: os dois trocaram farpas nas paredes das ruas de Londres, em alguns casos de forma ostensiva, com a utilização de mensagens verbais, outras pelo código do grafite, modificando e alterando a obra original um do outro72. Marc Leverton organizou uma coletânea de ‘histórias’ sobre Banksy, na qual

esse ‘duelo’ com Robbo revela-se como mais um episódio que atesta o fascínio de Banksy por duplos:

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O verdadeiro nome de Banksy é Robin Banks, ou é Robert Banks? Outra teoria maluca é que Banksy e Robbo, uma lenda das pichações, sejam a mesma pessoa. A especulação surgiu quando Banksy pintou sobre um dos trabalhos seminais de Robbo, no Canal Camden. O código de conduta dos grafiteiros determina que os artistas podem pintar apenas sobre o seu próprio trabalho.73 (LEVERTON, 2011,

p.35, tradução nossa).

Figura 8. Council House, Bristol, 2001

Fonte: BANKSY, Guerra e Spray, 2012, p.49.

Para transitar no subúrbio de Barton Hill, diz-se que Banksy teve de assumir a postura de ‘vândalo desligadão’, que passava o tempo grafitando e fumando maconha com o restante dos grafiteiros do bairro. A personalidade de sua obra começa a se cristalizar a partir de um acontecimento importante, que mudará o processo de produção de suas peças: o uso do estêncil (stencil), uma folha de papel que pode servir como matriz para a impressão de imagens à base de pintura serigráfica (vide Figura 9). O próprio Banksy narra o momento dessa ‘epifania’:

Quando eu tinha 18 anos, passei uma noite tentando pintar “LATE AGAIN” em letras grandes e prateadas em forma de bolha na lateral de

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Banksy’s real name is Robin Banks, or is it Robert Banks? Another crazy theory is that Banksy is one and the same as long- time graffiti legend Robbo. Speculation arose when Banksy painted over one of Robbo’seminal work on Camden Canal and the graff code of conduct dictates that artists only ever paint over their own work. (LEVERTON, 2011, p.35).

um trem. A polícia ferroviária apareceu (...); me restou mais de uma hora escondido embaixo de um caminhão com óleo pingando em cima de mim. Enquanto estava ali deitado, ouvindo os policiais andarem junto aos trilhos, percebi que ou reduzia pela metade o tempo para fazer uma pintura ou teria que desistir de vez. Eu fitava diretamente a marca em estêncil no fundo de um tanque de combustível quando me toquei de que podia copiar aquele estilo e fazer cada letra com cerca de um metro de altura. (BANKSY, 2012, p.13).

O uso de estêncil possibilitou ao artista maior controle na produção das peças, desde o aumento no tempo de criação e maturação das ideias até a opção por testar suas matrizes. A partir de então, ele consegue pesquisar os contextos urbanos adequados ao registro e definir as dimensões exatas das obras, além de propiciar a sua reprodução em diferentes locais.

Banksy não foi o primeiro a trabalhar com estêncil e muitos outros artistas de rua aderiram à técnica. O que chama a atenção em sua obra é a representação de motivos figurativos a partir de matrizes: esta será uma das 'características-chave’ para a discussão que será realizada no Capítulo 3, sobre a predominância de aspectos icônicos em suas representações.

Figura 9. Exemplo de stencil

Fonte: BANKSY, Guerra e Spray, 2012, p.236.

O artista inglês passou a se apropriar de textos culturais oriundos de diversos meios: paradigmas da história da arte, personagens do cinema, desenhos animados, fatos históricos, etc. Somados aos estênceis, diversos materiais têm sido utilizados por ele como suporte artístico: balões, carros, bonecos infláveis, mobiliário urbano (vide Figura 10), animais e impressão de papel-moeda falso.

Figura 10. Cabine telefônica vandalizada, praça do Soho, Londres, 2006

CAPÍTULO 3 – TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA: DAS RUAS PARA O

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