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1. A importância das feiras para as mulheres e para a construção da agroecologia

1.2 Quem vai à feira

Das agricultoras entrevistadas, sete vão à feira sempre, uma se alterna com o marido, uma se alterna com o filho e uma delas desistiu de ir alegando ter muito trabalho e estar sem tempo de ir à feira. Segundo depoimentos dos técnicos que acompanham as feiras na região sudoeste paranaense a comercialização é feita, em sua grande maioria, pelas mulheres.

Segundo eles, as mulheres foram as primeiras a participar, especialmente porque a base dos produtos ou maioria dos produtos comercializados nas feiras - concebidas nas ECAs49 - eram provenientes das “miudezas”.

“Havia a concepção de que as feiras deveriam começar com o que se tinha de produção excedente nas propriedades, ou seja, o que sobrava dos itens para o auto-consumo” (técnico de ONG).

Outro aspecto que contribui para que as mulheres sejam a maioria, é o fato dos homens trabalharem com a lógica de comercialização do que consideram grande e:

“...comercializar miudezas os deixa constrangidos, envergonhados, eles dizem que é coisa de mulher, que preferem lidar com a lavoura”(técnico de ONG).

Ou seja, eles preferem e têm uma aceitação social melhor se trabalham com produtos que têm volume, mesmo esses sendo menos rentáveis por área do que certas “miudezas”. A maioria das mulheres é responsável por todo o trabalho que envolve os produtos das feiras. Segundo elas os homens as “ajudam”, mas elas contam mais com a ajuda das filhas e filhos. Somente um casal aparece como fazendo o trabalho conjunto50.

A queixa bastante comum está refletida nas falas:

“Ele não é de lidar com coisas pequenas como a criação e a horta, ele gosta de roça, roça é com ele. E assim era eu que lidava com horta, sempre tive verdura pra passar o ano, sempre lidei com isso” (agricultora, 50 anos).

49 A valorização dos produtos provenientes das miudezas (policultivos) se deu a partir das Escolas

Comunitárias de Agricultores. No processo inicial ligado ao CAPA, ainda se concebia planejar a produção dentro de uma ótica de oferta constante e padronizada.

50 Essa pode ser considerada uma especificidade de uma região produtora de grãos, diferente por exemplo

de regiões produtoras de hortaliças, onde pelo que se observa os homens incorporam de forma mais sistemática o trabalho com outras culturas.

Segundo Portella et all (2004), o trabalho agrícola das mulheres é ajuda porque está fora de sua atribuição própria, que são as atividades domésticas ou reprodutivas, e por realizar-se com freqüência diária associa-se e quase se confunde com estas. Na direção oposta, as atividades domésticas realizadas pelos homens são igualmente consideradas ajuda por afastarem-se de sua atribuição própria, que são as atividades produtivas. Diferentemente das mulheres, no entanto, os homens só excepcionalmente realizam atividades domésticas, até porque, nas escalas locais de valores o trabalho feminino vale menos. É o trabalho masculino que ocupa o lugar de maior importância, devendo, portanto, ser preservado da possível desvalorização trazida pelo contato com o mundo do trabalho feminino.

Outro ponto realmente decisivo no momento de determinar quem vai fazer comercialização na feira é o fato de ser a mulher quem faz a produção ou grande parte dela e também as atividades ligadas ao beneficiamento de hortaliças e laticínios e a panificação.

“Só quem faz o pão sabe falar sobre o que é o pão” (agricultora, 29 anos).

Essa fala é confirmada pelo técnico:

“Falar de como o pão é feito, são elas que sabem do que estão falando, mas muitas vezes os homens dizem em público que a feira é iniciativa deles, que eles fazem, mas quando tem que explicar o como, não sabem exatamente” (técnico de ONG).

Além disso, as mulheres também são responsáveis pela aparência das bancas e pela apresentação dos produtos:

“São elas que arrumam os produtos e cuidam da aparência das bancas. A arte da panificação também é dominada por elas, isto contribuiu sobremaneira para que elas se afirmassem neste espaço” (técnico de ONG).

Uma das agricultoras diz gostar de fazer de tudo, menos ir à feira comercializar. Por ser analfabeta, acha que não deve ir e pede que o filho vá, mas confessa que gostaria muito de ir sempre, porque vê suas companheiras fazendo comercialização e gostando. Diz também não gostar de sua aparência e por isso ter vergonha de se relacionar com as pessoas. Neste caso, observa-se uma auto-estima baixa, uma auto-desvalorização e a aceitação por muitas mulheres de que elas são inferiores e inadequadas para aparecer no espaço público.

Segundo Arendt (1995), essa auto-desvalorização é resultante da disciplina interiorizante - no espaço privado - a que as mulheres sempre foram submetidas:

“O mundo público é o lugar privilegiado de constituição da realidade. O real é o que aparece no público, e o público encaminha para o privado aquilo que julga como pouco relevante. O mundo, como lugar de vida humana, é público, enquanto bem comum a todos, interpondo e reunindo homens, criando relações entre eles. A vida privada carrega duas acepções: a de privação e de ocultação. Viver uma vida inteiramente privada significa acima de tudo ser destituído de coisas essenciais à vida verdadeiramente humana”.

Mesmo assim as mulheres são a maioria nas feiras. Questionadas sobre as razões, respondem:

“Porque eles têm mais jeito de lidar com as coisas, e se tiverem que ir falar com o Prefeito, ele ouve mais os homens” (agricultora, 47 anos).

Elas afirmam que todos da família gostam da atividade ligada à feira. Apesar de os homens não gostarem de lidar com as coisas pequenas, começaram ajudar porque já perceberam a importância econômica da atividade.

“Se ele ajuda? Ah geralmente contra a vontade, já eu não, quando ele precisa da minha ajuda largo tudo aqui, casa, horta, criação e vou ajudá-lo na lavoura. Ele vem, mas contra a vontade” (agricultora, 37 anos).

Como se percebe nos depoimentos, os homens começam a admitir a possibilidade de trabalhar com as miudezas a partir do momento que se torna significativa a renda provenientes dessas. A partir desse contexto surge uma preocupação, sendo essa uma das questões levantadas pela pesquisa: até que ponto as mulheres mantém controle sobre os recursos financeiros?