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2. CAPÍTULO

3.1 Quem são os Janary Nunes

Tomando genericamente, o sobrenome Gentil Nunes confere uma dupla identidade a seus portadores: a de ser paraenses com ascendência em Gênova47; e a de pertencer a uma família de tradição desde os primórdios da configuração colonial do Brasil. Esse grupo político de ancestral comum permaneceu no poder até 1970, administrando o território e sua capital, a cidade de Macapá, por meio das diversas instâncias políticas. Quando não estava na gestão do poder local, estava no âmbito federal e até mesmo internacional, e, em alguns momentos, tal controle era paralelo; um membro da família assumia posição local, enquanto o outro estava como deputado federal. A nomenclatura Gentil Nunes perdurou no Território por 26 anos, com participação de pessoas que não eram da família; porém eram consideradas aliadas fiéis ao grupo no poder.

A trajetória dessa família tem origem em uma cidade do interior do Pará. Era comum nas cidadezinhas da Amazônia bem como do Brasil, até a primeira metade do século XX, os sobrenomes revelarem a linhagem social a partir do chefe fundador, à semelhança dos seguimentos genealógicos estudados no clã Nuer por Ervans Prichard48. Porém, seguindo as proposições de Antônio Cândido (2003) o nome, muito mais do que a filiação, tem o papel de assegurar a participação em um vasto sistema de parentesco, pois sobrenomes famosos tornam-se o símbolo de amplas parentelas. Desse ponto de vista as parentelas se circunscrevem às camadas superiores da sociedade, sendo assim fica evidente que estão relacionadas com a estrutura de poder brasileira, pois as oligarquias eram grupos corporativos de parentesco, compostas por uma ou duas parentelas.

Em uma pequena cidade do interior do estado do Pará, conhecida como Alenquer, com características semelhantes a todos os outros municípios da região Norte, nasceu uma criança que seria, posteriormente, o governador do TFA – o Coronel Janary Gentil Nunes. Do enlace matrimonial entre as famílias Monteiro Nunes e Viana Gentil, fortaleceu-se uma genealogia social marcada pelo capital econômico e cultural que ambas possuíam. União que assegurou e

47 O sobrenome Gentil é de descendência italiana, especificamente da república de Génova, onde residia a família

Gentile. Um dos membros se deslocou para Portugal a serviço das guerras desse país. Esta família de militar se vinculou aos Nunes por aliança matrimonial. Residentes em Lisboa vieram posteriormente para o Brasil e assumiram o governo do Grão-Pará. http://www.heraldrysinstitute.com/cognomi/Gentil/Portugal/pt/. Visitado em visitado em 16 de setembro de 2015.

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Evans Pritchad foi um estudioso da Inglaterra que pesquisou sobre as estruturas de parentelas e os segmentos genealógicos de clãs africanas, especificamente os Nuer, compreendendo a linhagem como um grupo de ágnatos vivos que descendem do fundador. Ver em PRITCHARD, E. E. Os Nuer. São Paulo, Perspectiva, 1978.

perpetuou a honraria da alcunha Gentil Nunes que herdaram, distinguindo-se socialmente pelas propriedades que possuíam e pelo sobrenome que carregavam. Em Alenquer, essa família morava em terra firme, pois era o lugar dos mais abastecidos economicamente, enquanto os rios, os igarapés e as terras alagadas, acolhiam os que nada possuíam para viver em terra firme.

Seu Joaquim Ascendino Monteiro Nunes e dona Laurieta Gentil Nunes eram filhos de famílias que vieram se destacando socialmente pelos bens em terra que possuíam e pela condição de chefatura municipal exercido desde a vida política colonial. Propriedades e gestão municipal constituíram o binômio que evoca o pensamento de Raymundo Faoro ao configurar que os donos do poder como forças que impuseram ao País o patrimoniato e o estamento burocrático, caracterizado pelo centralismo e pelo poder pessoal. Na compreensão do autor, o Estado no Brasil se caracterizou a partir de duas chaves mestras,

O patrimonialismo – com a sua criatura, o estamento burocrático – continha, no próprio seio, o germe do suicídio econômico. Desenvolvera uma concepção de vida avessa ao trabalho produtivo e à rotina, comprazendo, exclusivamente, no amor aos postos e empregos públicos (FAORO, 1958, p.41)

A escolha dos governantes e funcionários não atendia ao critério das capacidades, mas à afeição dos dirigentes, era a forma de captar partidários ou recompensar dedicações com emprego público. A família Gentil Nunes foi parte dessa cultura de postos e empregos públicos. Condição que a levou a ser celebrada ainda nos dias atuais, como “vultos notáveis” de Alenquer. Os pais do moço alenquerense e de seus seis irmãos (Coaracy, Pauxy, Ubiracy, Amaury e duas mulheres: Yacy e Miracy) pertenciam à elite agrária e administrativa do referido município. Seu pai, Joaquim Ascendino Monteiro Nunes, foi da Guarda Nacional e intendente daquela cidade (1918-1921), enquanto que sua mãe era filha do coronel Joaquim Caetano Viana Gentil e irmã de Alcides, lembrado por ter sido membro da Academia de Letras do Pará, e de Favilla – poeta e compositor, inclusive, de um dos hinos da cidade de Alenquer.

Tal capital econômico e, cultural, permitiu o encaminhamento dos filhos de seu Ascendino para as academias das maiores capitais do país, em Rio de Janeiro, Recife, em segundo plano eram enviados para Belém do Pará. Mais uma vez lembrando aqui de Raymundo Faoro (1958, p. 85), com o nascimento da burocracia tem uma importância fundamental para o sistema de educação, pois será função da escola, de agora em diante, produzir os funcionários, letrados, militares, navegadores e outras formações. Nesta circunstância, as principais capitais brasileiras da primeira metade do século XX eram os caminhos de possibilidade social para todos os jovens de família abastada do interior do estado do Pará, dada a estrutura urbana e os serviços sociais prestados à sociedade, apesar desse atrativo não ser favorável a todos.

Benedicto Monteiro, paraeaense autor da tetralogia amazônica com as obras Verde vago mundo (1972), O minossauro (1975), A terceira margem (1983) e Aquele um (1985), deixa evidente em suas obras o contraste da sua condição social em relação à dos demais amigos de infância: enquanto ele era enviado pela família para as melhores escolas de Belém, capital do estado do Pará, ou para o Rio de Janeiro, capital federal, os colegas, desprovidos de alternativas melhores, sequer concluíam o ensino primário, em função da necessidade de terem que vender sua força de trabalho para complementar a renda familiar. Posteriormente, suas narrativas literárias reconhecidas no âmbito nacional e internacional deixam entrever essa contradição da vida social em Alenquer e em todas as cidades do interior do Pará. As diferenças sociais descritas pelo autor podem ser vistas no romance Verde Vagomundo (MONTEIRO, 1972).

Dessa memória das possibilidades desiguais da sociedade alenquerense, retratada por Benedicto Monteiro, no fluxo social possível apenas para os que eram dotados de riquezas, encontram-se as condições de como se deu a formação do primeiro governador do Território Federal do Amapá. O moço alenquerense, Janary Gentil Nunes, como descreve Luiz Imaelino Valente49 foi enviado para o Rio de Janeiro e encaminhado a realizar seus estudos na Escola Militar de Realengo – EMR, da qual saiu Tenente Coronel. A educação militar e universitária foi o investimento que Ascendino Monteiro Nunes garantiu para seus filhos, o que era impossível para outros segmentos sociais, subentendendo-se que as escolas militares eram de caráter “racista e antissemita”, com vistas à construção de uma elite na instituição. A escola militar como espaço de formação socialmente classificatória fazia a escolha de seus alunos em decorrência de interesses burgueses. A universidade, nesse contexto, também pouco mudava em relação à acessibilidade, selecionando minuciosamente o seu público (RODRIGUES, 2008, p. 76).

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