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Quem Necessita de Educação Especial?

3 SOBRE OS DIREITOS DOS DEFICIENTES

3.1 Quem Necessita de Educação Especial?

A Resolução XXX / 3.447, consistente da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, passou a admitir uma conceituação de pessoa deficiente bastante abrangente: “refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais”.

Sendo tão vasto o campo que abarca as deficiências humanas, ecoou na proteção legal mecanismos jurídicos para agir na defesa dos interesses dos deficientes. As leis lhes dão respaldo, possibilitando retirá-los da situação de marginalizados e excluídos, elevando-os a condição de cidadãos com dignidade e respeito (FERREIRA, 2002). Para o professor Vicente Martins (2002), no Brasil, a legislação evolui mais do que as leis especialmente em se tratando de educação escolar.

A atual Constituição Brasileira de 1.988, de cunho liberal, prescreve, no seu artigo 208, inciso III, que uma das atribuições do Poder Público é prestar atendimento especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente, em escolas do ensino regular (BRASIL, 2002). A garantia constitucional resultante do compromisso liberal do Estado brasileiro de educar a todos, sem qualquer discriminação ou exclusão social e pelo acesso ao ensino fundamental, para os educandos, em idade escolar, sejam normais ou especiais, passou a ser, a partir de 88, um direito público subjetivo, inalienável, sem que as famílias possam abrir mão de sua exigência perante o Poder Público (MARTINS, 2002).

Ao conferir à Educação “status” de direito público subjetivo e a consequente responsabilização da autoridade competente, pelo direito não cumprido do cidadão (art. 208, §§ 1º e 2º), o Estado dá ao cidadão a possibilidade de exigir o cumprimento de seu direito – o “facultas agendi” (MEIRA, 2.001).

Conforme observamos no dispositivo constitucional, há um avanço jurídico no que diz respeito às pessoas com deficiência quando assegura atendimento especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. Em se tratando de nomenclatura, ressalvamos as expressões jurídicas da Carta Magna de 88, por estarmos num período cujo conceito de deficiência resultava do enfoque clínico herdado de séculos anteriores e, como se sabe, essa terminologia nos remete a um Brasil excludente que tratava seus doentes, deficientes ou não, como „portadores de moléstia infecciosa‟ embora as PPDs sejam pessoas com direitos e deveres, características próprias, limitações parciais que não as incapacitam totalmente (ROSENFELD, 2003).

Já a LDBEN nº 9.394/96, exemplo de Lei Ordinária, abaixo na hierarquia jurídica, derivada da Constituição Cidadã, apresenta uma melhor redação fazendo a correção social e a sintonia com a terminologia internacional de „portadores de deficiência‟ para „educandos com necessidades educacionais especiais‟ (NEE), no artigo 4º, inciso III, onde reitera o dever do Estado, com a educação escolar pública, ao garantir “atendimento educacional especializado gratuito a esses educandos, preferencialmente na rede regular de ensino”.

De imediato, notamos os avanços no dispositivo da Lei 9.394/96: (a) a gratuidade no atendimento educacional, na rede oficial de ensino; (b) o enfoque psicopedagógico do atendimento educacional - „educandos com necessidades especiais‟ - já que o ser humano é sempre mais importante do que o „rótulo‟. No entanto, o artigo 58 da LDB mistura os enfoques clínico e pedagógico ao conceituar a educação especial “como modalidade de educação escolar, oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino, para educandos com necessidades especiais” (MARTINS, 2002).

O § 1º deste artigo revela a faceta neoliberal e médica do atendimento especial ao dizer que “haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial” e ao tratar tais educandos como uma clientela, termo referente ao paciente em relação ao médico habitual (idem).

Mais recentemente, o Conselho Nacional de Educação, no esforço de propor as diretrizes nacionais para a educação especial, assinala no Parecer CNE/CEB n.º l7/01, e na Resolução CNE/CEB n.º 02/01, homologados pelo Ministério da Educação, que os sistemas de ensino devem matricular todos os educandos com NEE. Diante disso, há uma pergunta- desafio: quem, no processo escolar, pode ser considerado um „educando com NEE‟?

Infelizmente, a legislação educacional (CF, LDB, resoluções etc.) não trata as diversas necessidades especiais dos educandos de forma clara, objetiva, pragmática e programática. De certa forma, sua omissão tem dificultado ações governamentais por parte

dos gestores, do professor ao secretário de educação. Atualmente a política de Educação Especial, com a adoção do conceito de „necessidades educacionais especiais‟, reafirma o compromisso com uma nova abordagem cujo horizonte é a inclusão.

Embora essas necessidades sejam amplas e diversificadas no contexto escolar, a atual Política Nacional, para efeito de prioridade no atendimento educacional especializado na rede regular de ensino considera o aluno com NEE, respeitando: (a) os ditames do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil de Crianças com Necessidades Educacionais Especiais, (b) os padrões homologados pela Resolução CNE/CEB nº 02/01, das Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica e (c) a proposta de uniformização terminológica e conceitual, da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação (BRASIL, 2002).

Neste sentido, amplia-se a visão de Educação Especial que passa a abranger, além dos educandos com dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento – não vinculadas a causa orgânica específica ou relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências; também aqueles com dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas – o que demandaria a utilização de linguagens e códigos; e os que possuem altas habilidades/superdotação ou facilidades de aprendizagem; agrupadas em Deficiências, Condutas típicas e Superdotação/altas habilidades (MARTINS, 2002).

Afinal, que critério utilizar para identificar esses grupos? Não podemos demarcar as necessidades educacionais por dedução ou exegese jurídica. Miklebust (1971) propõe que tal classificação se realize com base na manifestação mais evidente e que produz o maior impacto sobre a criança (MELLO, 2002). Se por um lado, a inserção de educandos com NEE, no meio escolar, torna a sociedade mais democrática, por outro, a transformação das instituições de ensino em espaço de inclusão social se converte em tarefa de todos que operam com a alma e o corpo dessas crianças especiais.