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A QUESTÃO DA AUTONOMIA ANIMAL

3.4 ELIMINANDO AS PRÁTICAS ATUAIS, INCLUINDO O CONSUMO DE

3.1.5 A QUESTÃO DA AUTONOMIA ANIMAL

Claro que algumas pessoas vão mais longe. Elas se concentram não apenas no alívio do sofrimento animal, mas desse ponto de vista, os animais têm direitos no sentido de que não devem estar sujeitos ao uso e controle humano, observando que este não é um ponto inspirado por Bentham sobre a prevenção e o alívio do sofrimento, segundo Lima (2018). Em vez disso, sugere-se que os animais merecem ter um tipo de autonomia.

E a sugestão dada por Lima (2018) pode ir além da visão por muitos tida como correta, de que os animais devem ser vistos como fins e não apenas como meios para a realização humana. Muitas pessoas que usam chimpanzés em entretenimento ou em zoológicos, ou que usam cavalos para corridas, não estão considerando os interesses dos animais relevantes como meros meios para fins humanos.

Concorda-se unilateralmente que os animais têm valor intrínseco e instrumental, embora aqueles que pensam que os animais não devam estar sujeitos ao controle humano

tendem a se opor a todos esses usos e querer que todos, ou a maioria dos animais, “(...) possa fazer suas próprias escolhas, livres do controle humano, o que levanta muitas outras questões para Nicanor (2014, p. 75).

Esta colocação tem adeptos porque parte do princípio de que há uma negligência ou uma ignorância sobre a possibilidade de que os animais tenham vidas ruins em condições naturais e “vidas muito melhores sob um grau de controle humano”. (NICANOR, 2014, p. 79). Lembrando que Bentham e Mill pensavam que havia uma analogia entre a escravidão humana e os maus-tratos a animais.

Segundo Oliveira (2013), Bentham e Mill eram utilitaristas e, por isso, seu foco estava no sofrimento, não em violações da autonomia. Mas pode-se objetar, às práticas atuais, que os animais são sim, privados da capacidade de escolher e que esse é um dano distinto e inaceitável, independentemente de causar ou não sofrimento.

Mas afinal, existe mesmo uma analogia entre a escravidão e o tratamento atual dos animais? Os animais devem ter o direito de escolher como desejam, ou pelo menos mais o direito à livre escolha? Pode-se começar com o caso de animais de companhia como os guias de deficientes visuais, por exemplo.

Cães e gatos, entre outros, foram criados especificamente para companhia humana, e muitos deles não se sairiam bem sozinhos e talvez aqueles que acreditam na “(...) autonomia animal aceitem a ideia de que as pessoas podem controlar substancialmente os animais criados para viver com eles, humanizando-os”. (BELÉM, 2013, p. 58).

Nesta visão, os animais domesticados não podem ser tratados como escravos, na medida em que não são apenas meios para os fins humanos, mas eles devem ser controlados, e suas escolhas devem ser limitadas, na quantidade necessária para seu próprio bem-estar, bem como para a proteção de outras pessoas contra ferimentos e danos. Mas mesmo que isso seja aceito, a ideia de autonomia animal não é tão peculiar, afinal.

Proprietários de cães e gatos se preocupam com os desejos dos animais que vivem com eles e permitem que façam inúmeras escolhas voluntárias todos os dias. Nessa visão, Costa (2015) propõe o argumento de que a autonomia se aplica de forma restrita aos animais domesticados, permitindo muito na livre escolha, mas também impondo limites para proteger os próprios animais de si próprios e de terceiros.

Nessa perspectiva, a autonomia dos animais domesticados é limitada, mas realmente existe, na mesma proporção da autonomia das crianças pequenas. Neste caso, o

argumento da autonomia, então, se aplica em sua forma completa apenas aos animais selvagens, proibindo os seres humanos de caçá-los, aprisioná-los e confiná-los ou mesmo destruir seu habitat.

Os animais selvagens devem então, estar livres de restrições humanas, sem dúvida, mas é verdade que muitas formas de captura e confinamento são impossíveis de justificar legalmente e, portanto, devem ser interrompidas. Mas e se certas práticas, como confinamento em zoológicos, laboratórios de ciências e outras instalações, puderem ser adotadas de maneira a garantir boas vidas a algumas espécies relevantes?

E se alguns animais, incluindo golfinhos e elefantes, se saírem muito bem sob controle humano? A natureza pode ser muito cruel afinal, e muitos animais viverão vidas mais longas com os seres humanos do que na natureza selvagem. “Não se deve dizer que o que é natural para os animais é necessariamente o que é bom”. (CHUAHY, 2009, p. 219).

É claro que vidas mais longas não são necessariamente melhores, mas bons zoológicos e instituições similares têm programas de criação que protegem espécies ameaçadas, dão bons cuidados aos animais e cumprem uma função importante (tanto para animais não-humanos quanto para seres humanos) na educação das pessoas sobre a natureza e o valor dos animais.

Para Chuahy (2009), de fato se pode imaginar que muitos leões, elefantes, girafas e golfinhos terão sob cuidados humanos, uma vida melhor, mesmo que confinada, do que em seus próprios habitats. Eles não são escravos, mas são de certa forma, presos e, se a vida deles ainda é boa, é difícil ver que tipo de resposta pode ser dada por aqueles que acreditam na autonomia animal.

Confrontando fatos reais com a questão teórica, Champagne (2014) afirma que os defensores da autonomia discordam dos fatos reais, mas não da questão teórica, e acham altamente improvável, na maioria dos casos, que os animais selvagens possam ter uma vida decente sob controle humano e não se sabe se eles estejam corretos nessa colocação.

De qualquer forma, a reivindicação de autonomia animal deve, no final, depender de uma avaliação do que dará aos animais uma vida melhor, com mais qualidade. Esta é uma pergunta complexa que foge dos objetivos do presente trabalho, mas certamente os animais, domesticados e selvagens, devem poder fazer muitas escolhas por conta própria e é legítimo interferir na autonomia dos animais se a interferência puder ser justificada no interesse dos

próprios animais ou de terceiros vulneráveis. Manter a perpetuação da espécie, por exemplo, com a reprodução em cativeiro.

Pode-se dizer, por fim, que para os seres humanos a escravidão é inaceitável em parte porque os seres humanos não podem ter vidas genuinamente decentes se estiverem permanentemente sujeitos à vontade dos outros, e isso é devido ao tipo de criatura que um ser humano é.

Nesse sentido, muitos animais não-humanos são diferentes: eles podem ter vidas decentes ou muito boas, mesmo que estejam sujeitos ao controle externo (desde que o controle seja realizado com seus interesses em mente e pro pessoas especializadas). Essas são apenas observações sobre um assunto ainda difícil, que fica além dos limites do trabalho.

4 A CONSIDERAÇÃO DE ANIMAIS COMO PROPRIEDADE

Neste trabalho ainda não se explorou o debate em andamento sobre o status dos animais como propriedade. Essa é uma das disputas mais vigorosas de todas entre defensores dos direitos dos animais e proprietários, especialmente no Brasil, segundo De Almeida (2010). Mas o que está por trás desse debate?

Pode-se dizer que não existe uma resposta única. Aqueles que insistem que os animais não devem ser vistos como propriedade podem estar fazendo uma afirmação simples e inocente, pois os seres humanos não devem ser capazes de tratar os animais da maneira que desejarem ou acharem melhor. O ponto de partida destes defensores é de que,

[...] se você é propriedade, é de direito e de fato, um escravo, totalmente sujeito à vontade de seu dono. A mera propriedade não pode ter direitos de nenhum tipo. Uma mesa, uma cadeira ou um aparelho de som pode ser tratado como o proprietário gosta, podendo ser quebrado, vendido ou substituído por capricho do proprietário. (DE ALMEIDA, 2010, p. 33).

Para os animais, pode-se pensar que o status da propriedade é devastador para a proteção real contra crueldade e abuso. Nesta visão, um objetivo central do movimento moderno dos direitos dos animais – “eliminar a ideia de que os animais são propriedade - pode ser tomado de uma maneira modesta, como um esforço para remover um status legal que inevitavelmente promove o sofrimento”. (FERES, 2015, p. 19).

Feres (2015) lembra ainda que nos últimos 100 anos, observou-se mudanças surpreendentes nas leis que antes pareciam revolucionárias, provando a necessária adaptabilidade de nosso sistema jurídico às mudanças de necessidades e informações. Por exemplo, à medida que aprendemos sobre as ameaças impostas a toda a vida por produtos químicos e esgotos despejados em nossas vias aéreas e hidrovias, um novo campo de direito, o direito ambiental, foi criado para regular a ameaça e proteger vidas.

Mas a meta pode ser tomada de maneira muito mais ambiciosa, como um esforço para dizer que os animais devem ter direitos de autodeterminação ou um específico tipo de autonomia. “Por isso, algumas pessoas insistem que certos animais, pelo menos, são como "pessoas", não são propriedades, e que deveriam ter muitos dos direitos legais, da mesma forma que os seres humanos possuem”. (DE ALMEIDA, 2010, p. 43).

É claro que isso não significa que esses animais possam votar ou concorrer a cargos públicos, mas seu status seria semelhante ao das crianças - um status proporcional às suas capacidades, o que implica proteção contra tortura, abandono e até confinamento,

excetuando-se a autodefesa humana. Existe, no entanto, muitas dúvidas para se pensar: O que significa dizer que os animais são propriedade e podem ser "possuídos"?

Como se viu, os animais, mesmo que possuídos por alguém, não podem ser tratados da maneira que o proprietário desejar. Neste sentido, a lei já proíbe crueldade e negligência e a propriedade é apenas um rótulo, conotando um conjunto de direitos e também deveres, embora ainda não estejam claros os modos de se aprofundar na identificação desses direitos e deveres.

O estado poderia aumentar drasticamente a aplicação das proibições existentes por crueldade e negligência, sem transformar animais em pessoas ou “transformá-los em algo que não seja propriedade”. (GRIMALDI, 2010, p. 66). O estado poderia fazer muito para impedir o sofrimento dos animais sem proibir a propriedade dos animais.

Pode-se até conceder aos animais o direito de entrar com uma ação sem insistir que os animais sejam, em algum sentido geral, "pessoas" ou que não sejam propriedade como propõe Grimaldi (2010). O estado certamente poderia conferir direitos a uma área intocada, ou a uma pintura, e permitir que as pessoas ajuizassem ações em seu nome, sem, portanto, dizer que essa área e essa pintura não podem ser de propriedade de alguém.

No contexto dos direitos da criança, a afirmação de que filhos não são propriedade é universalmente aceita, mas parece não ter acrescentado nada aos debates sobre como os pais podem tratar os filhos. Por isso, Grimaldi (2010, p. 178) se pergunta: “Quais são as apostas reais no debate sobre se os animais são propriedade"?

Para este autor, talvez seja necessário destruir a ideia de propriedade para fazer, de maneira simples e ao mesmo tempo rápida, uma afirmação de que os interesses dos animais contam e têm peso independente dos interesses dos seres humanos. Sem o rótulo legal de propriedade, os animais estariam sob a tutela do bom senso dos defensores (Seja o estado ou a pessoa física).

Assim, a retórica pode ter importância e a ideia de propriedade se encaixa muito mal na maneira como as pessoas devem pensar, refletindo, sobre outras criaturas vivas. Nesta visão, o debate sobre se os animais são propriedade é realmente um debate sobre as questões mais específicas antes discutidas neste estudo.

Caso a sociedade se livre da ideia de que os animais são propriedade poderia se ver a redução do sofrimento, uma vez que é importante ser retórico para o profissional do

direito, ou seja ter a argumentação para dar suporte ao Direito ao apresentar uma petição para sanar defeitos ou irregularidades e reivindicar uma não-propriedade como linguagem corrente.

5 OS DIREITOS RELATIVOS AOS ANIMAIS

Há uma grande questão em segundo plano, onde as pessoas não veem todos os animais da mesma maneira. Elas podem concordar que os seres humanos devem proteger os interesses de cães, gatos, cavalos e golfinhos, mas é improvável que pensem o mesmo sobre formigas, mosquitos e baratas; ratos e camundongos e esquilos que parecem ser casos intermediários.

Uma objeção frequentemente levantada contra aqueles que acreditam nos direitos dos animais é que sua posição levaria a conclusões realmente ridículas - à (aparentemente ridícula) sugestão de que as pessoas não podem matar formigas ou mosquitos, ou livrar suas casas de ratos e baratas. Existem duas maneiras de responder a essa objeção. (TAVARES, 2016; KNOPLOCH, 2016; OLIVEIRA, 2013; WAP, 2019).

Uma maneira, de apelo especial àqueles que enfatizam a autonomia, seria investigar as capacidades cognitivas dos animais específicos envolvidos. “Iríamos traçar a linha vendo quão bem os animais em questão pensam”. (KNOPLOCH, 2016, p. 51). Mas isso parece não estar na direção correta, uma vez que Bentham estava certo ao enfatizar se e em que medida o animal em questão é capaz de sofrer.

“Se os ratos são capazes de sofrer, coisa da qual ninguém realmente dúvida, então seus interesses são relevantes para a questão de como podem ser expulsos das casas”. (WAP, 2019, p. 12). No mínimo, as pessoas devem matar ratos de uma maneira que minimize o sofrimento e, se possível, as pessoas devem tentar expulsar ratos de uma maneira que não os prejudique.

Essas alegações não precisam ser consideradas radicais ou extremas demais, uma vez que muitas pessoas já tomam medidas exatamente nessa direção. Se alguém está se livrando de ratos, faze isso de uma maneira que reduz, em vez de maximizar, sua angústia. “Sob esse ponto de vista, se formigas e mosquitos não reivindicariam preocupação humana, uma vez que se podem ser mortos por nosso capricho, é porque sofrem pouco ou nada”. (KNOPLOCH, 2016, p. 68).

Aqui pode-se fazer algumas perguntas empíricas sobre as capacidades de criaturas de vários tipos e certamente se deve estar dispostos a participar de um certo equilíbrio ou ponderação: Se os seres humanos correm o risco de adoecer por mosquitos e ratos, eles têm uma forte justificativa, talvez até de autodefesa, para eliminá-los ou realocá-los.

Neste caso, a proteção legal a ser concedida aos animais depende, é claro, da tipo de criaturas que são. Cães e cavalos não devem ter direito de voto, mas eles deveriam ter direito a levar boas vidas. Animais com capacidades cognitivas menos desenvolvidas merecem direitos de um tipo diferente e não existe um plano específico que se possa seguir. Tavares (2016) sugere que a questão é apenas entender que os direitos que os animais merecem estejam relacionados às suas capacidades.

Assim, na origem do surgimento dessas teorias de responsabilidade de proteção contra ato criminoso contra animais, desde a antiguidade até os dias atuais, se teve a concepção de que animais devam ser tratados como terra ou objetos inanimados. Ainda assim, afirmação neste sentido tem adquirido corpo e muitas vezes avançado sobre o conceito generalizado no senso comum (“Redes sociais e mesmo profissionais de imprensa”) (WAP, 2019, p. 13).

Da mesma forma que Steven Wise citado por Knoploch, (2016) propõe a discussão: “Por causa da cegueira causada pelo antropocentrismo teleológico, ainda se diferenciam os sofrimentos dos seres vivos, mas os gregos como pioneiros da nossa cultura não viam assim . Eles vivenciavam a realidade de que os animais não-humanos (e escravos) não poderiam ser ferramentas sem vida, mas tinham os mesmos atributos animais dos humanos nos corpos. Isso implica o reconhecimento de que os animais tinham sentidos e percepção.

Ao usar a terminologia animais não-humanos abre-se mão de uma cilada retórica para contrapor-se às concepções que visam comparar os seres humanos e animais não humanos. Mesmo que essa ideia fosse colocada de lado, trata-se de um posicionamento exagerado, pois certamente os primeiros sistemas legais não propagam esse equívoco, visto o valor que deram para as capacidades mentais dos animais e das pessoas.

Dando uma revisada rápida na História dos Animais, percebe-se um cuidado sutil na exposição sobre esta questão: é correto afirmar que os animais, domésticos, silvestres e selvagens, devem, pela compreensão de sua natureza, mostrar aos homens para onde dirigem suas capacidades de fazer escolhas por conta própria. Da mesma forma, reconhecer a legitimidade da ação de intervir na autonomia dos animais, se essa intervenção for perfeitamente justificada quanto ao interesse dos próprios animais ou de terceiros em estado de vulnerabilidade.

“A inaceitabilidade da escravidão por parte do Homo sapiens é parcialmente causada pelo fato de que os homens não conseguem levar uma vida minimamente decente se estiver continuamente debaixo da vontade alheia” (MILL, 1987, p. 211), e isso é inerente à espécie humana desde a origem das linguagens que permitem explicar o mundo. Tendo isto em mente, pode-se dizer que a maioria dos animais não-humanos diferem são diferentes, na medida em que eles são capazes de se adaptar e levar uma vida decente, ou muito dignas, ainda que estejam sob cuidados externos e controle externo destinado aos seus benefício e interesses.

Assim, que tipo de proteção cada animal precisa? Isto vai depender do tipo de criatura a que se refere: “Gatos, Cães e vacas não precisam ter o direito de voto, mas merecem e precisam ter direito a uma vida digna para gatos, cães e vacas. Já os animais com aspectos cognitivos menos evidentes precisam de direitos de categorias diferentes”. (SPAREMBERGER, 2015, p. 19). Por não existir modelos, sugere-se simplesmente que a defesa dos direitos que os animais merecem devem sempre estar relacionadas às suas capacidades distintas.

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