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A questão da culpa A questão da culpa A questão da culpa A questão da culpa

1. O Holocausto e a questão da O Holocausto e a questão da O Holocausto e a questão da O Holocausto e a questão da Vergangenheitsbewältigung Vergangenheitsbewältigung Vergangenheitsbewältigung Vergangenheitsbewältigung

2.3. A questão da culpa A questão da culpa A questão da culpa A questão da culpa

2.3. 2.3.

2.3. A questão da culpa A questão da culpa A questão da culpa A questão da culpa

O trauma provocado pela experiência dos campos de concentração pode ter origens diversas – a convivência com condições de vida situadas no limiar do suportável, a morte de entes queridos ou o observar a violência infligida a companheiros – porém, subjacente a todas estas situações parece estar um sentimento específico: o sentimento de culpa. Culpa por não terem morrido, culpa por terem deixado os outros morrer ou culpa pela atitude passiva adoptada. Consequência da transgeracionalidade do trauma, que descrevemos no subcapítulo anterior, é a transmissão deste sentimento de culpa que acompanha os filhos dos sobreviventes desde o início da formação da sua identidade. A memória do Holocausto, mesmo se envolta em silêncio ou mediada de forma fragmentada, parece manter-se viva entre os indivíduos que não viveram o extermínio pessoalmente ou passaram por ele numa fase muito precoce da vida, tornando-se o sentimento de culpa parte de uma herança transmitida a esta geração. Os conceitos de trauma, memória e culpa são, assim, factores importantes que contribuem em larga escala para a formação e para a consolidação da identidade, aspecto responsável pelo tipo de relações – conflituosas ou equilibradas – que cada indivíduo estabelece com o mundo.

A psicoterapeuta Maria Bergmann, no artigo “Überlegungen zur Über-ich- Pathologie Überlebender und ihre Kinder”, considera que o sentimento de culpa pela sobrevivência se assume, sobretudo, como base da dinâmica central da auto-imagem da vítima: “Die Zähigkeit der Überlebensschuld scheint zu besagen: Eines kann mir niemand nehmen – meine Schuldgefühle gegenüber jenen, die

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vernichtet wurden” (Bergmann, 1995: 352). Este sentimento particular de culpa não se cinge, contudo, apenas aos indivíduos efectivamente vítimas do regime nazi; este sentimento é transferido para a geração que lhe sucedeu que, depois da experiência violenta a que os pais estiveram sujeitos, também sofre de complexos de culpa:

Die ungeheure Last der Überlebensschuld konstituierte das wichtigste Thema der gemeinsamen Phantasie von Überlebenden und ihren Kindern. Die Kinder blieben fortwährend in der Position dessen, dem ‘etwas verziehen werden muβ’. Indem sie ein totes Kind in die Selbstrepräsentanz aufgenommen hatten, versuchten sie, die Schuld im Namen der Eltern sowie im Dienst einer narziβtischen Wiederherstellung des Selbst zu büβen. (Bergmann, 1995: 352)

A transferência de sentimentos de culpa estará relacionada com o facto de a criança ser utilizada na satisfação das necessidades narcisistas, no preenchimento da ferida narcisista dos progenitores (Hirsch, 2000: 146). Parece também ser consensual a teoria de que, por empatia com a dor e com o sofrimento dos seus identificadores primários, as criança procura compreender e trocar posições com os pais. Adoptando os sentimentos de culpa dos progenitores, a criança assume-se como a ponte para a vida (para uma vida psíquica) depois de anos de confronto directo com a morte; a criança crê que, sentindo ela própria a culpa, substitui os objectos amados perdidos, eliminando a responsabilidade da morte de pais, irmãos, filhos, familiares e amigos que tantos sentimentos negativos provocam na mãe ou no pai (ibidem).

Ilany Kogan15 defende uma posição idêntica, afirmando que as crianças são

a projecção da tristeza e da agressão dos pais e que, devido à preocupação que têm com os progenitores, estas se fundem simbioticamente com eles. Esta segunda geração vive, assim, na sua fantasia, o trauma dos pais com o objectivo de o compreender e de o minorar (apud Hirsch, 2000: 146). Com o intuito de restabelecer o equilíbrio emocional dos pais e de os salvar, a criança procede a

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uma “inversão de papéis”, isto é, assume a culpa pela sobrevivência como sendo um sentimento seu (Hirsch, 2000: 147). Todavia, esta inversão conduz a uma nova culpa: como a criança não consegue eliminar nem o passado dos pais nem a sua dor, sente-se de novo culpada porque o seu objectivo não foi concretizado.

Para além destes dois tipos de culpa – a culpa “por ter sobrevivido” e a culpa por ter falhado na supressão do trauma dos pais –, Maria Bergmann aponta ainda para a existência de outros sentimentos de culpa, essencialmente relacionados com o desejo de autonomização dos filhos. Quando um filho pretende defender opiniões diferentes ou definir e conduzir a sua própria vida, tais atitudes são, frequentemente, percepcionadas pelos pais sobreviventes como um abandono ou como uma ofensa a alguém que já sofreu bastante no passado, o que leva esta segunda geração a desenvolver novas formas de culpa (Bergmann, 1995: 355).

Tendencialmente, julga-se que os conceitos de trauma e de culpa fazem exclusivamente parte do universo dos sobreviventes e que a herança do passado somente pesa sobre os filhos e netos das vítimas do Holocausto. Contudo, na realidade o sentimento de culpa e o peso da responsabilidade de um passado traumático não recai apenas sobre os judeus. Tal como referem Martin Bergmann e Milton Jukovy no prefácio de Kinder der Opfer, Kinder der Täter, nenhuma outra experiência social conhecida é comparável ao sofrimento resultante da sobrevivência a um campo de concentração, ainda assim, o efeito destrutivo da ideologia nazi sobre as crianças alemãs é também bastante profundo – cabendo- lhe, por conseguinte, também o papel de vítimas (Bergmann/Jukovy, 1995: 22). Ira Brenner partilha desta mesma opinião, afirmando que “ambos – os filhos dos perseguidos e os filhos dos perseguidores – vivem numa realidade dupla” (Brenner, 2000: 133), isto é, a realidade do presente e a realidade do passado dos progenitores. A este respeito, M. Donald Coleman, no capítulo introdutório do artigo “Kind von Verfolgern”, afirma ainda o seguinte:

Die Kinder der Menschen, die den Holocaust als Verfolger mitverantwortet haben, tragen eine Erbe, das ihr Leben und ihre Entwicklung in vielerlei Hinsicht beeinfluβt haben muβ. (Coleman, 1995: 215)

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A herança enunciada por Donald Coleman parece revelar algumas “simetrias psicológicas” entre os filhos das vítimas e os filhos dos criminosos nazis. Apesar da “assimetria moral” que subjaz a esta questão, ambos os grupos carregam o peso da era nazi, podendo o fenómeno da “parede dupla” e a conspiração do silêncio, que mencionámos no início deste capítulo, ser aplicados aos dois grupos de descendentes (Bar-On, 1994:7).

Não obstante, Dan Bar-On considera que, quando a questão do silêncio é trabalhada em terapia, é evidenciada uma diferença fundamental entre os dois grupos: os filhos dos sobreviventes, ao ouvirem as histórias do passado dos progenitores, abrem novas possibilidades de se identificarem com eles, de compreenderem a sua dor, o seu sofrimento e o seu silêncio. Esta diferença estende-se ainda à geração dos netos, que conseguem, ainda melhor dos que os próprios filhos, estabelecer uma comunicação aberta com os avós sobreviventes. Ao invés, os netos dos criminosos nazis continuam a debater-se com a mesma parede de silêncio que os filhos haviam encontrado ao longo da sua juventude (ibidem). Bar-On considera também que este silêncio dos criminosos nazis estará relacionado com uma questão de moralidade paradoxal usada com o intuito de normalizar as atrocidades cometidas no passado. Quer isto dizer que, depois da guerra, o dilema destes indivíduos terá sido, por um lado, esquecer os actos criminosos, por outro, recordar algumas das actividades que conduziram enquanto soldados. Conseguir esquecer tudo, poderia ser interpretado como o sinal de que ficaram indiferentes à barbárie praticada; pelo contrário, se expusessem tudo o que fizeram, poderiam ser excluídos da sociedade. Assim, estes indivíduos optaram por recordar apenas um pequeno trecho dos variados crimes que cometeram e por assumir alguns sentimentos de remorso e de culpa. Esta actividade mental assegurava, por um lado, o carácter humano destes indivíduos – devido ao sentimento de culpa – e, por outro, permitia “esquecer” (reprimir) grande parte dos gestos bárbaros cometidos no passado (Bar-On, 2001: 128s.).

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No artigo “Die Schatten der Vergangenheit”, Gertrud Hardtmann parte igualmente do princípio que os filhos dos nazis também viveram sob a sombra do passado dos pais. Esta psicóloga defende que as influências da ideologia nacional-socialista se infiltraram de tal forma na psique da segunda geração – tratada pelos progenitores como um objecto, como o prolongamento do seu Eu grandioso – que o direito dos filhos à própria identidade acabou por lhes ser negado (Hardtmann, 1995: 241). Estas crianças ou estes jovens foram, assim, reduzidos à importância de um objecto, uma vez que, como seres individuais, poderiam questionar os actos e as ilusões dos pais (idem: 260).

Verificou-se que esta influência do passado na segunda geração alemã [não-judaica] surgia, frequentemente, através de sonhos povoados de imagens de uniformes e emblemas nazis e provocava sentimentos de angústia nestes indivíduos, que se sentiam os “judeus” (vítimas) dos próprios pais, isto é, perseguidos e caçados.

Hardtmann observou ainda o seguinte padrão comportamental entre os filhos de oficiais e de soldados nazis: a partir da mesma etapa da vida – a puberdade – estes indivíduos começaram a demonstrar interesse pelo tema do “nacional-socialismo”. A busca de respostas junto dos pais, porém, revelou-se infrutífera uma vez que a tendência generalizada seria depararem-se com um muro de silêncio. Este silêncio pôde ser observado de duas formas distintas: por um lado, havia pais que se recusavam determinantemente falar sobre o acontecimento em si, por outro lado, havia pais que narravam o ocorrido de forma fria e distanciada, tal como numa aula de história, nunca fazendo menção à sua própria intervenção. Esta recusa em confrontar-se com o passado não se restringia à palavra, isto é à assunção da participação activa no processo destrutivo nazi; muitos tentaram também camuflar por completo esse passado, mudando o nome, a morada e a profissão. Todavia, e apesar destas mudanças, permaneceram os vestígios físicos – as botas, o distintivo, as fotografias – e os vestígios comportamentais – a arrogância, o racismo, as atitudes de desconfiança relativamente a todos os estrangeiros ou as anedotas anti-semitas.

Gertrud Hardtmann constatou também que, quando esta geração de indivíduos falava da relação que manteve com os pais, as descrições obtidas

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relatavam situações de violência psicológica, de desmoralização e de tentativas para anular a sua personalidade (Hardtmann, 1995: 243). Assim, e embora esta seja uma ideia controversa por encontrar forte resistência por parte de alguns indivíduos de origem judaica (cf. infra, parte III, p. 332), alguns autores consideram que, ao nível da psicopatologia, o trauma dos filhos dos nazis é tão violento e impetuoso como o trauma dos filhos das vítimas do extermínio. Hardtmann sustenta esta teoria, apresentando um conjunto de sintomas que observou em contexto clínico:

Sie [die Kinder der Täter] litten unter psychomatischen Beschwerden, Schlafstörungen, Alpträumen, Konzentrationsunfähigkeit und andere Störungen von Ichfunktionen, waren reizbar, depressiv und unruhig. Es mangelte ihnen an Initiative, und sie lebten in ständiger Angst weil sie unfähig waren, sich selbst und andere einzuschätzen. Sie fühlten sich wie “Fremde im eigenen Haus”, fremd in ihrer Seele und ihrem Körper […]. (Hardtmann, 1995: 243)

M. Donald Coleman, no artigo “Kind von Verfolgern”, faz uma apresentação exaustiva da situação clínica e acompanhamento prestado à paciente Frieda T. que, como veremos, devido a um passado familiar marcado pela guerra foi vítima de algumas das perturbações enunciadas na citação anterior (Coleman, 1995: 217-238):

Sintomas de medo e depressão, incapacidade para manter um relacionamento (ela própria criava motivos para ser abandonada), desinteresse sexual e dificuldades no relacionamento com a mãe, levaram Frieda, aos vinte e seis anos, a procurar aconselhamento psicológico. Frieda nasceu pouco antes de a guerra irromper. O pai acabaria por morrer sem conhecer a filha e a mãe casaria novamente quando a paciente tinha três anos de idade. O padrasto, com quem Frieda tinha uma relação de grande afecto, era oficial SS e morreu em combate, contava ela então cinco anos de idade. No início do tratamento psicanalítico Frieda tomou consciência de que o padrasto tinha desempenhado um papel importante na destruição dos judeus (em criança, Frieda idealizava o

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padrasto como sendo o mais bravo dos soldados). Com a aproximação das tropas russas, Frieda, a mãe e o irmão, que entretanto nascera, tiveram que abandonar a casa e viver clandestinamente em condições pouco dignas. Esta mudança despertou em Frieda o sentimento de que ela e a família teriam cometido algum crime.

Após o final da guerra a família mudou-se para um campo de refugiados, onde a mãe começou a trabalhar como professora. Sem tempo para a filha, negligenciou o apoio afectivo de que Frieda necessitava e deixou-a crescer (com o sentimento de estar) entregue a si própria. Frieda começou a roubar objectos no campo e a cleptomania, que a jovem descreveu como tendo sido uma forma excitante de passar o tempo, parece só ter terminado com o início da psicanálise. A mãe não voltou a casar e a figura central da família foi sempre o padrasto: a fotografia de um oficial fardado, assim como a comemoração do seu aniversário, mantiveram o passado sempre presente. Com dez anos de idade, Frieda emigrou para os Estados Unidos. Aqui relacionou-se, pela primeira vez, com indivíduos de origem judaica, tendo mesmo pensado em converter-se ao Judaísmo durante a adolescência.

Durante as consultas Frieda demonstrou sempre um comportamento provocador. Revelou-se incapaz de lidar com pequenos desvios à sua rotina sem ter crises de raiva (por exemplo, se o médico se atrasava um minuto ou se uma das sessões era cancelada Frieda ficava furiosa). Às sextas-feiras estava sempre particularmente irritada, porque o médico a abandonaria durante o fim-de- semana; às segundas-feiras, em vez de ficar tranquila, estava irritada porque se sentira abandonada durante o fim-de-semana – uma tortura infligida por vontade do médico. Tornou-se evidente que Frieda vivia com o receio constante de ser abandonada por um homem, figura que a paciente descrevia como “alguém que parte”. Durante o processo de análise Frieda revelou que começara a ter sonhos, nos quais desejava morrer e reencontrar-se com o pai biológico. Referia também que, desde a adolescência, sempre se sentira emocionava quando rezava o “Pai- nosso” por sentir uma forte identificação com o primeiro verso da oração: “Pai- nosso que estais no céu”. Nas suas fantasias de criança, identificava-se ainda

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com Jesus Cristo, na medida que em desejava a morte para se unir ao pai [no céu].

Frieda T. revelou ainda que fantasiava matar o terapeuta. Esta parecia ser uma velha fantasia, a de ser uma assassina, matar alguém e não ser descoberta. Porém, esta fantasia não lhe trazia prazer, ao invés, despertava na paciente sentimentos de culpa. Numa das sessões, o terapeuta falou da participação do padrasto nas SS e concluiu que a paciente suportava a culpa que deveria recair sobre a figura paterna, penalizando-se como se tivesse sido ela própria a causadora das mortes provocadas pelos nazis. Este sentimento de culpa acentuou-se quando Frieda descobriu que o pai biológico, antes da chegada dos nazis ao poder, fora também membro de uma organização de extrema-direita, responsável por espalhar o terror junto dos judeus.

Após estas revelações, a paciente recordou a infância e pensou na normalidade da associação entre os termos “judeu” e “ódio”: a perseguição aos judeus, no universo conceptual infantil de Frieda, parecia tão normal como cães perseguirem gatos, tão normal como o jogo dos Índios e Cowboys. Frieda reconheceu ainda que, durante anos a fio, ignorou as atitudes anti-semitas da mãe e a frase, repetidamente proferida pela progenitora “Nós não sabíamos de nada!”, sempre foi aceite em silêncio como uma ordem.

O desajustamento, o isolamento e a recusa de qualquer contacto interpessoal mais íntimo manifestados por esta paciente são, em suma, a consequência de uma infância marcada por “ligações ansiosas” (cf. supra, p. 86). Independentemente de quaisquer juízos morais, a guerra foi responsável, por um lado, pelo desaparecimento da sua figura paterna (fonte de identificação primária, de protecção e de afectos) e, por outro lado, trouxe um quotidiano marcado pela ausência da mãe e por sentimentos de abandono e insegurança – circunstâncias que terão conduzido à formação de um profundo e incapacitante trauma.

A politóloga Claudia Brunner e o jornalista e escritor Uwe von Seltmann, autores do livro Schweigen die Täter, reden die Enkel, são familiares de antigos oficiais nazis e dão voz, neste texto de cariz autobiográfico, aos sentimentos comuns a esta geração de filhos e netos do nazismo, sentimentos que, volvidos

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sessenta anos, continuam a ser dominados pelo passado. Num discurso que se distancia das análises psicológicas que observámos anteriormente, os autores descrevem abertamente a sua busca por um passado desconhecido, mas ainda muito próximo. Brunner crê que o “ponto final”, reclamado há muito pelos historiadores, estará ainda longe de ser traçado, pois mesmo que as feridas do passado estejam já curadas, as cicatrizes são ainda visíveis e continuam a agitar o espírito de quem as sente na pele (Brunner / Seltmann, 2004: 8). Estas cicatrizes provocam uma espécie de “dores fantasma”, uma dor que se sente, mas cujas causas são aparentemente desconhecidas. Este desconhecimento das causas terá a ver com o silêncio imposto pelos progenitores que deixaram os filhos, e estes os netos, a fantasiar sobre os fantasmas da família. A autora fala do tio-avô Alois Brunner, antigo oficial nazi, “mão direita de Eichmann” e figura que descreve no seu livro como o “ausente presente”, aquele que parece não existir ou nunca ter existido, mas que assombra o quotidiano de todos os elementos da família (idem: 10).

Seltmann é neto do oficial Lothar von Seltmann e, à semelhança de Brunner, assume-se como o primeiro elemento da família a quebrar o tabu do passado familiar. Sente-se culpado e responsável por esse passado e acredita que tem uma missão: pôr a descoberto o passado de um avô assassino.

A busca de dados para a redacção do livro conduziu os autores à constatação de um facto inexorável – o passado nacional-socialista continua presente e a vergonha e o sentimento de culpa continuam a manifestar-se junto de filhos e netos de oficiais nazis:

Wenn wir reden, beginnen plötzlich auch andere zu reden – Enkel, die wissen wollen, was ihre Groβmütter und Groβväter getan haben, Söhne und Töchter, die sich für die Taten ihrer Mütter und Väter schämen und mit ihren Schuldgefühlen nicht fertig werden. Eines ist für uns klar: Moralische Schuld vererbt sich nicht, aber die psychischen moralischen und sozialen Folgen ihres Beschweigens beschädigen noch die folgenden Generationen. Die Vergangenheit reicht in die Gegenwart hinhein, wirkt in uns weiter, ob es uns passt oder nicht. (Brunner / Seltmann, 2004:12s.)

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Retomemos a citação que colocámos em epígrafe. Esse breve trecho, revelador da percepção que Uwe von Seltmann tem relativamente ao passado nacional-socialista, será a manifestação inequívoca dos sentimentos que atravessam uma geração de filhos e de netos tanto das vítimas, como dos criminosos nazis. Como pudemos constatar ao longo deste capítulo, ambos os grupos vêem o seu quotidiano ensombrado por um passado pautado pela violência e pelo horror. Se os herdeiros das vítimas se admiram com a escala de violência perpetrada contra a própria família, os herdeiros dos criminosos sentem- se indignados com os actos hediondos que os seus familiares cometeram. Ambos carregam o peso de serem herdeiros dos que sofreram a dor e dos que infligiram a dor; ambos, mesmo os que nasceram muito depois do conflito, continuam a viver sob a sombra do passado, um passado que continua a afectá-los, e com mais força ainda, quando tentam reprimi-lo ou calá-lo.

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3333. A questão da identidade judaica depois de Auschwitz. A questão da identidade judaica depois de Auschwitz. A questão da identidade judaica depois de Auschwitz . A questão da identidade judaica depois de Auschwitz

‘Das Geheimnis der Erlösung heiβt Erinnerung’. Wir sind den Opfern der Shoah schuldig, sie und ihre Leiden niemals zu vergessen! Wer diese Opfer vergisst, tötet sie noch einmal!

Paul Spiegel

3333.1. O sentido original do “ser judeu”.1. O sentido original do “ser judeu”.1. O sentido original do “ser judeu” .1. O sentido original do “ser judeu”

Antes de traçarmos o perfil do judeu actual e da importância que o Holocausto representa na identidade deste povo, julgamos importante recuar às suas origens e, sucintamente1, narrar a história da fundação da Israel Antiga e do

afastamento dos judeus daquela que, até aos dias de hoje, continua a ser a sua pátria, milénios depois das primeiras evidências de existência dos patriarcas

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