• Nenhum resultado encontrado

4. EVOLUÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA NO PERÍODO PÓS-REAL

4.11. A QUESTÃO DOS JUROS

Durante todo o período em questão, a taxa de juros, notadamente a Selic, manteve-se em alta, afetando tanto as despesas financeiras em termos absolutos como as em proporção do PIB. A taxa de juros Selic afeta diretamente a dívida interna e, por via oblíqua, a dívida externa, tornando nítido seu papel na progressão da dívida pública e na própria manutenção dos juros.

Depois que o país conseguiu vencer a inflação, podemos apontar as altas taxas de juros como sendo uma das causas pelo fracasso na retomada do crescimento econômico. Com efeito, as taxas de juros praticadas no Brasil, entre 1994 e 2005, quando comparadas com as economias internacionais, mostram-se não apenas superiores às dos países emergentes, como também acima das dos países com risco superior ao nosso. Bresser Pereira e Nakano (2002, p. 88) atribuem aos múltiplos objetivos, muitas vezes antagônicos, da política monetária, a razão dos juros altos.

Segundo esses autores, a taxa de juros é alta devido às suas funções múltiplas, tais como reduzir a demanda interna de forma a evitar pressão nos preços, evitar a desvalorização do câmbio e, conseqüentemente, a inflação de custo, atrair capital externo para equilibrar o balanço de pagamentos, induzir os investidores internos a comprarem títulos públicos, visando financiar o déficit público e, através da retração da demanda interna, conter o saldo da balança comercial e reduzir a vulnerabilidade externa.

É importante frisar que a taxa de juros não dá conta de resolver todos esses problemas. Ao elevar a taxa de juros para atrair capital estrangeiro, com o objetivo de financiar o saldo em contas correntes e equilibrar o balanço de pagamentos, o governo valoriza o real, o que implica na redução do superávit comercial ou no surgimento de um déficit comercial prejudicando o objetivo inicial.

Por outro lado, um aumento na taxa de juros real prejudica o resultado operacional do governo, via aumento das despesas financeiras. Ao mesmo tempo esse aumento reprime os gastos com investimento e retrai o crescimento econômico, elevando a relação dívida/PIB, com impacto negativo na percepção do risco país. Em outras palavras, a taxa de juros interna contamina a taxa de juros externa.

A necessidade do país de desvalorizar nominalmente o câmbio a taxa superior à inflação era patente, devido à alta vulnerabilidade externa no período de 1995 a 1999 e às crises que se sucederam. Todavia, como a desvalorização do real afeta de forma negativa a rentabilidade das aplicações em dólar, os investidores estrangeiros exigiam uma taxa de juros mais alta para compensar a perda cambial. Imaginemos que a inflação brasileira seja de 2%, os juros externos da ordem de 3%, o risco país de 5% e a expectativa de desvalorização nominal do cambio de 10%, ou seja, 8% em termos reais. A taxa de aplicação nominal para os residentes é da ordem de 19% (1,02 x 1,03 x 1,05 x 1,08) ou 16,8% em termos reais. Contudo, o retorno para os não residentes é muito inferior, devido à conversão dos reais em dólares. O retorno da aplicação, neste exemplo, é de 10%.

Conforme mencionamos no segundo capítulo (Medidas do déficit), o governo incorre em déficit toda vez que a diferença entre receita e despesas não for suficiente para financiar os investimentos do governo. Neste caso, o governo amplia seu endividamento, avançando sobre a poupança interna e ou externa. Para reduzir o déficit, o governo tem como alternativa, excluindo emissão de moeda, diminuir os

gastos ou aumentar os impostos. O governo brasileiro, no período em foco, optou por aumentar a carga tributária que, com um fraco desempenho do PIB, elevou a relação dívida/PIB. Se a economia estivesse crescendo, a relação dívida/PIB não se deterioraria, e nem o risco país.

Finalmente, cabe mencionar que, contrariamente à nossa economia, em mercados desenvolvidos financeiramente, com um quadro jurídico crível, e longa tradição de estabilidade, os governos conseguem colocar seus papéis com prazo de longa maturação e com taxas de juros pré-fixadas. Isso possibilita aos governos uma tranqüilidade muito mais confortável na rolagem de sua dívida, o que não ocorre com a nossa, em que o governo se vê obrigado a resgatar ou refinanciar parcela significativa de seus títulos a toda hora, desgastando-se com a arquitetura dessas operações. Não obstante, o encurtamento dos prazos de financiamento da dívida acarreta custos muito maiores do que se o prazo médio de vencimento fosse ampliado. Com efeito, considerando uma dívida cujo prazo de vencimento seja de dois anos e outra com vencimento para daqui há dez anos, tendo o governo que elevar os juros em, digamos, 10% por um período de um ano, no primeiro caso a alta dos juros recai sobre metade do estoque da dívida e, no segundo caso, apenas sobre décima parte. Tão importante quanto o tamanho da dívida é saber o seu prazo de vencimento, pois isso implica num peso dos juros no nosso orçamento muito maior do que em países com prazo de maturação da dívida da ordem de 20 ou 30 anos.

4.12. Considerações finais

O capítulo procurou mostrar que a redução da inflação trouxe para o governo um outro problema, ou seja, desde a implementação do Plano Real, as necessidades de financiamento do setor público têm se mantido em níveis altos, seja pela proteção que o poder público outorgou ao setor privado, assumindo risco originalmente do setor financeiro e do setor exportador, seja reconhecendo dívidas passadas, seja pelas altas taxas de juros internas praticadas em todos esses anos, transferindo renda para o setor privado financeiro e grandes empresas.

Conforme bem menciona Carvalho (2007a, p. 77), o aumento da dívida pública interna reside intrinsecamente na política econômica adotada pelo governo e na assunção do governo para abrandar os efeitos dos choques externos e internos sobre o setor privado. Com isso, o efeito-riqueza negativo sobre o setor privado não ocorreu nos anos de crise, pois o custo dessas medidas foi transferido para o governo, que passa a socializar os prejuízos.

Dada a transferência de imposto da União para as entidades da federação, e o grau de vinculação das receitas, as poucas iniciativas de corte nos gastos públicos resultam em diminuição dos investimentos, com reflexos negativos para o crescimento do produto e geração de empregos.

A alta taxa de juros interna, o elevado endividamento do setor público e o curto prazo de maturação da dívida implicam em importante fator de aumento do déficit público, realimentando o processo. Com efeito, o superávit primário não tem sido suficiente para fazer frente ao pagamento dos juros, que passa a incorporar o estoque da dívida, agravando o problema.

5. O déficit financeiro e suas implicações no crescimento

Documentos relacionados