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Questões específicas sobre entrevistas com pessoas com deficiência intelectual

3.1 Metodologia

3.1.6 Questões específicas sobre entrevistas com pessoas com deficiência intelectual

Para que as entrevistas com as pessoas com deficiência intelectual forneçam ao pesquisador o maior número de elementos para o cumprimento dos objetivos de pesquisa, e ao mesmo tempo aconteçam em conformidade com elevados princípios técnicos e éticos, alguns aspectos importantes devem ser considerados. Autoras como Hillier, Johnson e Traustadóttir (2007) identificaram, por meio de suas pesquisas relacionadas à sexualidade de pessoas com deficiência, que o principal obstáculo à pesquisa não é a deficiência intelectual propriamente dita, mas as posições negativas em que estas pessoas foram situadas em suas comunidades ao longo da história.

Embora as pesquisas de Hillier, Johnson e Traustadóttir (2007) tenham tratado de um assunto provavelmente mais delicado que a questão do trabalho (a sexualidade), diversas lições podem ser extraídas, tais como a dificuldade de se conversar com estas pessoas com privacidade e sigilo (devido à presença e à intromissão de cuidadores, familiares etc.) e o

medo que as pessoas com deficiência intelectual podem ter de que o pesquisador esteja agindo como um espião de alguma instituição que possa retirar-lhes autonomia. Devido à última dificuldade mencionada, o pesquisador deve cogitar formas alternativas de acesso a estes participantes, de maneira que os mesmos possam confiar no processo de pesquisa, provendo assim informações mais ricas e fidedignas.

Finlay e Lyons (2001), a partir de resultados de diversas pesquisas que envolveram entrevistas e questionários aplicados a pessoas com deficiência intelectual, chegaram a uma lista de recomendações sobre a formulação de questões de entrevistas. Os autores frisam que as dificuldades apontadas não se aplicam a todas as pessoas com deficiência intelectual, já que muitos deles apresentam poucos problemas em relação a questões de entrevistas, ou seja, as sugestões dadas não se aplicarão a todos os respondentes. As sugestões presentes no Quadro 2, portanto, têm como objetivo o fomento de entrevistas e questionários mais inclusivos.

Quadro 2 – Resumo de dificuldades e possíveis ações em entrevistas e questionários com pessoas com deficiência intelectual.

Tipo de problema Problema específico Ações possíveis Conteúdo da

questão

Avaliações quantitativas

Utilizar questões de pré-teste sobre eventos concretos para os quais a freqüência é conhecida. Questões sobre tempo Utilizar eventos significantes como marcos Comparações Perguntar sobre cada elemento separadamente Questões socialmente

reflexivas

Checar o significado da resposta. Conceitos abstratos ou

gerais

Checar significado da resposta.

Utilizar situações concretas ou eventos.

Entender que pessoas podem não ser capazes de realizar julgamentos generalizantes.

Sintomas psiquiátricos Evitar sintomas difíceis de serem entendidos ou descritos.

Conteúdo irrelevante Adequar o conteúdo do questionário ao público, para que não haja desconexão entre as perguntas e a realidade do respondente.

Rótulos Checar o entendimento.

Conteúdo sensível Ter ciência das dificuldades. Focar em questões específicas, e não em generalidades. Ressaltar que informações não serão compartilhadas com os cuidadores.

Formulação da questão

Questões negativas Evitar adicionar a palavra “não” a orações positivas. Preferir a utilização da forma negativa das palavras Modificadores Evitar modificadores, especialmente no fim das

frases. Checar significado. Confusões sujeito-

objeto e frases passivas.

Estar atento a questões quando isso puder ocorrer. Checar significado.

Questões não compreendidas

Manter estrutura da questão simples, evitar vocabulários técnicos. Formular de maneiras alternativas.

Formatos das respostas

Questões de sim ou não

Evitar modificadores e estruturas complexas. Incluir a opção “eu não sei”.

Checar o significado questionando sobre exemplos. Realizar pré-entrevistas para checar como as pessoas exibem incertezas ou respondem a sugestões falsas.

Entendimento e classificação das respostas

Gravar o áudio das entrevistas. Voltar à questão posteriormente. Fonte: adaptado de Finlay, W. M. L., & Lyons, E. (2001, p. 331, tradução nossa).

Foram excluídos do Quadro 2, em relação ao quadro original (FINLAY; LYONS, 2001, p. 331), os itens referentes exclusivamente à elaboração de questionários quantitativos, por não contribuírem para a pesquisa aqui descrita.

Preocupações parecidas com as de Finlay e Lyons (2001) foram externadas por Sigelman et al. (1983), a partir de extenso estudo realizado com o objetivo de aprimorar técnicas de entrevistas com pessoas com deficiência intelectual. Sigelman et al. (1983) argumentam que virtualmente qualquer pessoa consciente e sensível pode se tornar uma entrevistadora efetiva de pessoas com deficiência intelectual. No entanto, segundo os autores, pessoas não habituadas com este público e que eventualmente deixem transparecer reações negativas, podem fracassar. Por outro lado, pessoas que estejam habituadas, mas que assumam uma postura autoritária em relação às pessoas com deficiência intelectual, também tendem a vivenciar problemas na condução das entrevistas.

Dentre as principais recomendações de Sigelman et al. (1983), constam a atenção ao rapport, ou seja, ao provimento de certos feedbacks não específicos aos entrevistados, verbais ou não (posturais, atitudinais etc), para que eles mantenham o desejo de responder às perguntas; e também o conhecimento profundo do conteúdo a ser perguntado, uma vez que pode haver frequentemente a necessidade de se refrasear as questões. Além disso, os autores sugerem que, após o término da entrevista, o entrevistador deixe o entrevistado a vontade para dizer o que quiser. Sigelman et al. (1983) citam exemplos que mostram que a conversa informal após a entrevista pode ser mais rica em informações que a própria entrevista.

Hillier, Johnson e Traustadóttir (2007) perceberam, logo no início de suas pesquisas com pessoas com deficiência intelectual, que o tradicional distanciamento que normalmente se espera entre pesquisador e participante não seria possível, uma vez que as pessoas demonstraram solidão e, embora houvesse o esforço de se conversar dentro dos limites da pesquisa, tanto os pesquisadores como os participantes sentiram as dificuldades de desengajamento. Em alguns casos apontados pelas autoras, os relacionamentos continuaram após o término das pesquisas.

O ponto central, enfim, é o de que boas doses de sensibilidade, educação, humanidade e paciência tendem a trazer bons frutos para ambas as partes, uma vez que conceder uma entrevista, ser ouvido, também pode ser muito gratificante (SIGELMAN et al., 1983).