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4 DO PENSAR AO AGIR: UMA INTERVENÇÃO PEDAGOGICA

4.2 QUESTÕES METODOLÓGICAS

É bastante conhecida no mundo acadêmico a disputa entre o conhecimento objetivo, pautado pelas ciências positivas e o conhecimento subjetivo, que estaria mais próximo da prática e do método das ciências humanas. Sobre este tema o filósofo alemão Wilhelm Dilthey (2010) nos remete à classificação entre as ciências da natureza e ciências do espírito.

As primeiras estão ancoradas na noção de causalidade natural e as segundas mais próximas da capacidade interpretativa e compreensiva do pesquisador, característica que marca a produção do conhecimento nas ciências humanas. Wilhelm Dilthey (2010) se opõe a Descartes e supõe que as ciências do espírito é que detêm a prerrogativa de oferecer a base de sustentação do conhecimento científico.

Na verdade, o referido pensador buscava dirimir, de uma vez por todas, as controvérsias científicas e metodológicas acerca da causalidade que desde Descartes, para falarmos em termos modernos, detinha a atenção dos estudiosos do conhecimento. O resumo deste debate pode ser descrito nestes termos: de um lado se propõe a noção de causalidade, donde a função da ciência é desvelar as causas dos fenômenos físicos e, no caso das ciências humanas, sob a influência do positivismo as causas dos fenômenos sociais.

De outro, uma postura mais cética, em que a compreensão do mundo está eminentemente marcada por nossas crenças, hábitos, intuições. No primeiro grupo podemos destacar filósofos como Immanuel Kant, o qual propôs a distinção entre fenômeno e coisa-em-si, afirmando que a razão pura só pode conhecer as realidade que podem ser captadas pelos sentidos, tudo aquilo que está no tempo e no espaço, enquanto que as realidades metafísicas (Deus, alma, liberdade) escapam à sua capacidade cognitiva (cf. KANT, 2001).

Contrário à isso temos que Hume (1992), se afasta da perspectiva kantiana na medida em que, assumindo uma postura cética, questiona a possibilidade de fundamentarmos o conhecimento. Entretanto, em todos estes trabalhos se apresenta uma característica básica da epistemologia moderna, a saber, a definição do conhecimento a partir da relação sujeito-objeto.

Nesta perspectiva, existe um sujeito que conhece, que é dotado de capacidade cognitiva, e um mundo que se abre a sua compreensão. A verdade seria desvelada a

partir de um amplo esforço cognitivo em busca dos nexos causais que estão por trás dos fenômenos, quer naturais, quer sociais.

A metodologia aqui utilizada segue o padrão qualitativo, pois se pretende aplicar o conceito a determinada realidade, no caso em questão, as turmas de primeiro ano do ensino médio da Escola Desembargador José Neves Filho, fazendo correlações teóricas entre os autores aqui escolhidos e a realidade cotidiana da sala de aula.

É sempre bom recordar que a análise da realidade a partir de determinada perspectiva teórica é sempre uma aproximação. A teoria explica a realidade, mas não pode substituí-la.

Neste sentido vale à pena recordar o conceito de tipo ideal recurso metodológico criado pelo sociólogo alemão Max Weber. No que diz respeito à investigação, afirma Max Weber (2001, p. 137), “o conceito de tipo ideal propõe-se a formar o juízo de atribuição”. O tipo ideal “não é uma ‘hipótese’, mas pretende apontar o caminho para a formação de hipóteses. Embora não constitua uma exposição da realidade, pretende conferir a ela meios expressivos unívocos” (WEBER, 2001, p. 137).

Por ser um “juízo de atribuição”, o tipo ideal não constitui uma exposição objetiva da realidade, como se fosse possível retratá-la na sua inteireza através de conceitos.

Na verdade, atribuir um caráter ontológico4à realidade, como se ela fosse algo

concreto, objetivo, constituída por uma essência que pode ser expressa pelo pensamento, constitui hoje um empreendimento destinado a recair nos velhos preconceitos morais, sem dar conta da complexidade da sociedade.

O pensamento filosófico contemporâneo é quase unânime em reconhecer que não existe “a realidade”, mas construções teóricas que ajudam e interpretar o mundo, levando em consideração as múltiplas possibilidades compreensivas. Daí a importância da metodologia weberiana que, em certos aspectos, continua válida para o trabalho científico.

4 Esta palavra deriva do grego e pode ser traduzida como o estudo do ser. Ao se referir ao caráter

ontológico da realidade, parte-se do pressuposto de que há uma essência, algo que está por trás das coisas. Seria a realidade última das coisas. Em seu tratado de Metafísica, Aristóteles se referia ao estudo do ser enquanto ser, ao estudo e investigação das causas primeiras (cf. ARISTÓTELES, 2002).

O conceito do tipo ideal, que foi explicitado anteriormente, se mostra bastante atual, pois possibilita ao pesquisador aproxima-se da realidade e, através de determinadas técnicas (questionário, entrevista) colher alguns dados relevantes para, a partir deste ponto, confrontar os dados da realidade com a teoria que embasa a investigação.

Este foi exatamente o caminho proposto neste relatório de intervenção: a questão do ensino da filosofia e da discussão dos valores ético-morais, se deu a partir do recolhimento da opinião dos alunos para, no confronto com as teses de Adela Cortina, se proceder a um diagnóstico de determinada realidade. No caso específico desta dissertação, os alunos do primeiro ano do EREM – Escola de referência no Ensino Médio Desembargador José Neves Filho.

É por isto que se optou pelo método weberiano, pois ele se adequa bem ao objeto deste estudo e à forma como foi realizada a intervenção com os alunos, baseada em um conceito previamente estudado (ética mínima) e na aplicação desta teoria por meio de determinado instrumento de coleta de dados, o questionário.

Ao comentar a relação conceito/realidade, Max Weber (2001, p. 139) faz as seguintes considerações:

Obtém-se um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de um ou de vários pontos de vista e mediante o encadeamento de grande quantidade de fenômenos isoladamente dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor número ou mesmo faltar por completo, e que se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentuados, a fim de formar um quadro homogêneo de pensamento. É impossível encontrar empiricamente na realidade este quadro, na sua pureza conceitual, pois trata-se de uma utopia (destaque nosso).

Fizemos questão de destacar as palavras finais de Max Weber para mostrar o quanto seu método sociológico se aproxima das correntes contemporâneas do pensamento filosófico, as quais propõem uma crítica contundente à “opinião de que o conhecimento da realidade histórica deveria, ou poderia ser uma cópia ‘sem pressuposições’ de fatos ‘objetivos’” (WEBER, 2001, p. 139)

Logo, as respostas elaboradas pelos alunos expressam de forma objetiva a realidade da ética na convivência escolar, porém não abarcam toda a complexidade da realidade escolar, tampouco as consequências do ensino da filosofia na escola.

Para realizar a pesquisa foi concretizada uma proposta de intervenção, em forma de seminários, onde os alunos entraram em contato com o conceito de ética

mínima e se propuseram a apresentar os resultados. Eles também responderam um questionário que os interpelava acerca da importância da ética e do ensino da filosofia em sala de aula.

Esta metodologia aqui adotada se refere mais à intervenção. Ela foi utilizada com mais ênfase na elaboração do relatório de investigação, embora ela esteja presente de forma implícita em toda a dissertação, uma vez que o conceito de ética mínima exposto no primeiro capítulo é confrontado com a realidade no processo de intervenção pedagógica com os alunos do primeiro ano do Ensino Médio.

A intervenção não foi feita de uma vez, mas através de cinco encontros. A culminância do projeto com sua apresentação, bem como o preenchimento do questionário e o sarau filosófico compuseram a fase final da intervenção, a qual descreveremos agora.

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