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Questões Políticas no Cenário Nacional

CAPÍTULO I CONSONÂNCIAS NACIONAIS DOS CONCURSOS PÚBLICOS

1.3 Questões Políticas no Cenário Nacional

Ano após ano, desde a obrigatoriedade do ensino de arte no Brasil com a LDB 9394/96, podemos detectar a luta por uma valorização do ensino de arte, da formação específica do docente e de melhorias nos procedimentos seletivos para professores que querem ingressar na carreira pública do magistério. No espaço virtual da Federação de Arte Educação do Brasil (FAEB), por exemplo, diversas mensagens eletrônicas podem ser lidas

ainda com inconformismos de professores de arte com carga horária por turma de apenas quarenta e cinco minutos, criticando também municípios que fortalecem a polivalência.

Em debates com o tema Número de Aulas de Arte, circulado pelo espaço virtual da FAEB no dia 29 de abril de 2013 (acesso em 15/05/2013), observamos a resposta de um professor a um comentário de uma docente da Prefeitura de São Paulo, Carol Cortinove, sobre a questão do reduzido número de aulas de arte nas escolas:

Essa realidade é ainda mais desastrosa nos municípios da região Nordeste, além de termos na grade curricular apenas uma (01) aula em todos os níveis do ensino fundamental II e ensino médio, ainda nos deparamos com a falta de profissionais graduados em arte, assumindo as aulas desta disciplina profissionais de outras áreas do conhecimento, que muitas vezes nem são áreas afins. Precisamos pensar políticas públicas que atendam as nossas necessidades e colocá-las em prática neste sistema falido que nos encontramos.

Edival Dias Juazeiro do Norte - CE.

Percebe-se que a discussão vai além da carga horária e estende-se a outros problemas como a quantidade de professores não habilitados que regem a disciplina. À medida que as experiências são trocadas, pontos polêmicos são sempre adicionados à discussão. Em 30 de abril (acesso em 15/05/2013) vemos a resposta de mais uma participante da lista de discussão da FAEB sobre o mesmo tópico criado:

Falta mesmo articulação em SP! Descasos e mais descasos...

Os cadernos de Arte, que precisavam ser revistos COM os professores e que não pretendia a polivalência (como claramente exposto no Caderno do Professor) está sendo retirado, pois querem fortalecer a polivalência. Ainda não descobriram que o aluno realmente tem direito às linguagens artísticas, mas o dever é do Estado, não do professor... [...]

Mirian Celeste

Já no âmbito especificamente da discussão desta pesquisa, também identificamos docentes questionando editais de concursos públicos, que em muitos casos disponibilizam processos seletivos polivalentes ou incluem graduados de outras áreas de conhecimento para disputar uma vaga junto com o licenciado em arte. Em 21 de fevereiro de 2013, no espaço virtual da FAEB, mais um tópico de questões políticas foi aberto para discussão, intitulado Edital Artes e Educação Física:

boa tarde,

estava vendo alguns editais para professores e me deparei com uma edital que pede que o professor trabalhe com artes e educação física para o curso de pedagogia. Alguém consegue me explicar isso. Como pode uma disciplina se chamar "Fundamentos teóricos-metodológicos em Educação Física e Artes e áreas afins.". Por algum acaso Artes e Educação Física não tem fundamentos metodológicos completamente diferentes? Quem seria o professor responsável por ministrar tal disciplina. Juro que não entendi.

Chris Tragante

Há de se considerar, portanto, que a existência de espaços de discussões em busca de melhorias no ensino de arte no país é de grande importância para trocas de experiências e diálogos que possam propiciar discursos e debates rumo a ações efetivas frente às dificuldades colocadas pelos professores. Em 13 de fevereiro de 2013 (acesso em 15/05/2013), por exemplo, foi disponibilizado neste ambiente virtual da federação um documento-modelo elaborado pela Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM), conforme observamos na mensagem extraída:

Prezados,

Na página do Curso de Música da UFMA, disponibilizei os documentos elaborados pela ABEM, sob coordenação do Mário André, para uso em recursos judiciais, caso o concurso impeça os licenciados nas diversas áreas linguagens artísticas de se inscrever, fazer as provas (com "conteúdo polivalente") ou de serem nomeados. Creio ser de interesse a todos os Licenciados nas áreas específicas das linguagens artísticas. Abaixo o link permanente: http://musica.ufma.br/abem_editais.html

Reforço que apenas nós somos os interessados diretos em reivindicar este direito. Boa sorte aos interessados!

Daniel Lemos Cerqueira

Coordenador do Curso de Música Coordenador do PIBID de Artes Membro da Comissão Permanente de Vestibular Universidade Federal do Maranhão.

Esta discussão contou com a participação de vários membros do ambiente virtual, agradecendo a iniciativa desta associação, que além de tratar de questões de pesquisa na área da música também é atuante em aspectos políticos na área do ensino de arte no Brasil. O documento criado pela ABEM é destinado para docentes em arte que procuram lutar para anular concursos públicos que tanto exijam um edital polivalente, quanto os que deem espaços para licenciados de outras graduações ocuparem indevidamente os espaços do ensino artístico. Apesar de se direcionar apenas a educação musical, o documento abrange a sua

utilização para qualquer área artística, conforme observamos na descrição inicial em sua página virtual4:

Devido a questões de desconhecimento geral, tem sido comum haver a publicação de Editais e elaboração de provas de concurso que ainda contemplem o perfil do educador polivalente de Artes, requerendo então a formação de Licenciado em Educação Artística ou Artes. Nas últimas décadas, as Universidades brasileiras tem se dedicado à formação de educadores em áreas específicas da linguagem artística (Artes Cênicas/Teatro, Artes Visuais, Dança e Música), não mais formando educadores polivalentes. Dessa forma, o presente documento tem como objetivo seu usufruto em recursos judiciais que visem à regularização de Editais de concursos públicos nas instâncias Municipal, Estadual e Federal, que podem apresentar, entre outros, os seguintes equívocos:

1) Exigência restrita à titulação de Licenciatura em Educação Artística ou Artes, com suas respectivas habilitações. Isto pode impedir a inscrição de Licenciados nas demais áreas das linguagens artísticas;

2) Reelaboração das provas do concurso que, ao invés de abordar uma determinada linguagem artística, abordam conteúdos de forma polivalente, prejudicando os candidatos;

3) Permitir a nomeação de candidatos que possuam o título de Licenciado em Artes Cênicas/Teatro, Artes Visuais, Dança ou Música, pois pode haver impedimento devido à requisição do título de Licenciado em Educação Artística ou Artes.

O documento de fato conseguiu reunir as principais problemáticas dos concursos públicos. Entretanto, será que os professores de arte, no geral, tem conhecimento da existência desse processo? Aliás, a apresentação desse documento tem efetivamente o poder de suspender ou retificar o edital de um concurso público? De toda forma, a sua existência já é um bom sinal de que a luta por melhorias nos processos seletivos precisam ocorrer urgentemente nos próximos anos.

O material, então, destrincha historicamente o processo de ensino/aprendizagem em arte no Brasil, bem como o processo de formação do professor, pontuando documentos federais (LDB, PCNs, Orientações Curriculares Nacionais, etc.) que são contra a polivalência e que vem cada vez mais contribuindo para esclarecer a formação específica do professor de arte, demonstrando um descompasso entre tais desenvolvimentos com as exigências dos concursos públicos realizados pelo país.

Apesar dessa recente luta, em anos anteriores detectamos uma ação política que interferiu de forma efetiva na elaboração de concursos públicos. Foi o caso do município de

4 Associação Brasileira de Educação Musical. Documento para Concursos Públicos. Disponível em

João Pessoa/PB. Em dezembro de 2006, o Conselho Municipal de Educação aprovou a resolução nº 009/2006 que implantou o ensino de arte em todas as séries e modalidades nos níveis infantil e fundamental no município de João Pessoa. A resolução apresenta um benefício à área de ensino de arte que a LDB de 1996 não descreveu de forma clara, pois esta garante a presença nos diversos níveis da educação básica, porém, não afirma ou obriga a abrangência em todas as séries. O documento esclarece em dois artigos a consideração da área das artes sob o prisma da especificidade dos campos conforme constatamos a seguir:

Art. 3º - As principais linguagens artísticas que caracterizam o ensino de Arte são: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro.

Art. 8º – O alunado tem direito à efetivação da cidadania cultural, ou seja, acessar e usufruir as informações historicamente acumuladas e vivenciar trabalhos de criação nas linguagens integrantes do ensino de Arte, quais sejam: Artes Visuais, Música, Teatro e Dança.

Em seu artigo intitulado Oficialização e Implantação do Ensino de Artes no Município de João Pessoa/PB em Consonância com as Diretrizes Atuais, o professor Erinaldo Alves, do Depto. de Artes Visuais da UFPB, discute a articulação entre gestão pública e pesquisa acadêmica. Como assessor pedagógico entre 2005 e 2007 da Secretaria de Educação do referido município, ele considerou importante sua participação em cargos nesse departamento “como uma oportunidade concreta para implementar políticas públicas educacionais para a cidade” (ALVES, 2008, p.1060).

A equipe da Coordenação de Artes desta secretaria atuou em ações que geraram a aprovação da resolução descrita anteriormente. Além de conseguir obrigar em todo município de João Pessoa a disciplina de arte em todas as séries, a resolução também prevê que este componente curricular seja articulado através das áreas artísticas nas diversas séries da educação básica. O contexto escolar do ensino de arte no município, antes da intervenção do grupo, existia praticamente apenas no Ensino Fundamental II, além de contar com atuações polivalentes e professores não habilitados na área (ALVES, 2008).

Através de diálogos intensos com outras instituições além da secretaria, o grupo estabeleceu parcerias com representantes da Fundação Cultural de João Pessoa, Associação Paraibana dos Profissionais da Arte na Educação e departamentos dos campos artísticos da UFPB (Artes Cênicas, Artes Visuais e Educação Musical). A ação estendeu-se também para pesquisas com professores da rede municipal e contou com o envolvimento de alunos da Licenciatura em Educação Artística da UFPB.

Esse trabalho ocorrido no município de João Pessoa conseguiu aprovar a resolução que articula os currículos das vários campos artísticos em todas as escolas, ou seja, não caberia, então, se satisfazer apenas com o ensino de uma área específica numa escola, como o próprio PCN sugere. De algumas etapas da implantação gradativa da proposta destacamos a seguir duas (ALVES, 2008, p.1068):

Considerando que constava no quadro docente da rede municipal um maior número de professores de Artes Visuais, a prioridade passava a ser a contratação progressiva de professores das áreas de Teatro, Música e Dança, de modo a ampliar o número e a atuação desses profissionais na rede, equilibrando com o número dos professores de Artes Visuais. Naquele momento, tínhamos aproximadamente, 70% de professores de Artes Visuais, 20% de Artes Cênicas e 10% de música.

As escolas deveriam planejar a solicitação de contratação e a distribuição de carga horária de modo a priorizar a presença de professores de Artes Visuais, Teatro/Dança e Música, recomendadas pelos PCNs.

Os frutos dessa ação já puderam ser colhidos em um concurso público ocorrido no município em 2007 para docente em arte, elaborado pelo Instituto Movens que destrinchou as vagas em Artes Visuais (34 vagas), Teatro (67 vagas) e Música (34 vagas), já em consonância com as discussões e diretrizes estabelecidas na resolução. Foram números bastante expressivos, além de contar com grande parte dos conteúdos programáticos específicos para cada área de formação como podemos observar abaixo:

Recorte do Edital do Concurso Público de João Pessoa (2007)

Todos os tópicos levantados até então nestas discussões, no que diz respeito a caracterizações nacionais de concursos públicos e as relações políticas entremeadas nesses processos, revelam a importância de ações políticas, discussões entre grupos e elaboração de documentos a fim de investigar e consolidar um efetivo diálogo da formação docente com sua profissionalização a partir da inserção no mercado de trabalho.

Em Pernambuco, no estudo realizado durante minha especialização que focalizou nos concursos públicos nas três esferas entre 2009 a 2011, totalizando dez certames, percebi que a distribuição nas provas de conhecimentos pedagógicos, informática, raciocínio lógico, língua portuguesa, história de algumas cidades, aspectos culturais regionais e conhecimentos diversificados de vários campos artísticos expressou a ausência de uma regularidade, exigindo dos professores uma alta adaptação e construção de novas habilidades a cada concurso a que se submetiam.

Todos os concursos públicos, naquela pesquisa, com exceção do Colégio de Aplicação da UFPE, apresentaram a polivalência nas questões elaboradas (inclusive questões repetidas em seleções distintas), exigindo conteúdos em artes visuais, dança, música e teatro.

A pesquisa levantou questões sobre as consonâncias ou dissonâncias da formação do professor com os objetivos da seleção pública, ou seja, as relações entre as entidades empregadora e formadora dos docentes em arte. Perguntamo-nos se as instituições que elaboraram concursos para professores de arte tiveram consciência do perfil que elas almejavam, tendo em vista a diversidade de formações nos requisitos de formação do docente.

Será que a escola também tem consciência do perfil do docente em arte que ela necessita? A pesquisa colocou como ponto fundamental o diálogo da instituição formadora com as organizações que inserem o profissional no mercado de trabalho.

No próximo capítulo discutiremos questões que estão diretamente ligadas a essa temática e que contemplam pontos cruciais para se pensar os processos seletivos públicos para docentes. Essas questões dizem respeito ao campo profissional e ao processo de formação docente em arte.