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Textos teatrais são, basicamente, textos escritos para serem representados no palco, produzidos por escritores chamados de dramaturgos, e que também podem ser publicados em livros. Raramente apresentam a figura do narrador, pois a história é contada pelas falas dos próprios personagens, e conhecemos a história pela voz e pelas ações dos personagens, sendo, por meio disso, saber o que eles pensam e, assim, conhecer sua personalidade. Essa concepção de texto teatral, enquanto obra escrita, literária, é a primeira ideia que nos vem à mente, em se tratando das questões relativas ao texto.

Mas, como tratar dessa questão e que contribuições o texto teatral poderia trazer à tona em uma turma, por exemplo, que apresenta dificuldades de leitura e interpretação do texto escrito? Em 2012, foi exatamente com essa situação que os bolsistas do PIBID subprojeto Teatro UFRN se depararam.

Sobre esse processo, Silva (2015) apresenta que:

Constatamos que na maioria das turmas, principalmente nas turmas finais do Ensino Fundamental I, onde em tese isso não deveria acontecer, foi alto o índice na deficiência em leitura, e consequentemente em escrita e expressão coerentes; alguns alunos não chegaram ao 4º ano alfabetizados e não conseguiam escrever uma palavra completa, alguns chegavam a escrever letras que não apresentavam o menor sentido juntas. (SILVA, 2015, pág. 109)

A partir desse dado é preciso pensar: como trabalhar questões relativas ao texto, considerando essa realidade? A grande chave de resposta, talvez resida, justamente que é preciso estarmos atentos não apenas à capacidade de ler, mas de interpretar e dar sentido.

Sendo preciso, portanto, considerar e prezar por um ensino de teatro em que as práticas visam o desenvolvimento de aquisição de linguagem onde “a aprendizagem de leituras e a produção de escritas se faz na criação e manipulação de signos de ideias e conteúdos, construindo modos de dizer estratégias de desvendar“ (ARAÚJO, 2005, p. 90).

Nesse sentido, é preciso pensar as questões relativas à leitura, para além da decodificação dos signos, e ampliá-la para a leitura do mundo, para a leitura crítica da realidade, e pensar as questões relativas ao texto não apenas do ponto de vista do texto teatral escrito, mas entender o texto como sendo os conteúdos, códigos e convenções de uma encenação e que são articulados através de uma relação entre os corpos, do ator, do espectador e de todos aqueles que se fazem presentes na encenação, imersos em um determinado espaço organizado para este fim.

Nessa direção, Araújo (2005) nos ajuda a pensar quais são as questões relativas ao texto e quais suas contribuições para o ensino e para uma leitura mais crítica da realidade, e por isso é o principal referencial utilizado nessa reflexão.

Nesse sentido, pensamos que a primeira grande contribuição das questões relativas ao texto reside no fato de que o teatro “é uma arte cuja linguagem é tão totalizante quanto qualquer fragmento de realidade em que possamos estar imersos neste exato momento em nossas vidas” (ARAÚJO, 2005, p. 74), mas com uma grande vantagem frente à realidade concreta: “a dimensão estética da linguagem artística nos

possibilita, com um mínimo de elementos, experimentar um grande número de significados” (ARAÚJO, 2005, p. 74).

Esse dado nos permite pensar que é de extrema relevância, para realizar qualquer projeto de encenação teatral, de se pensar o que queremos dizer, sobre o que queremos falar. E, saber o que se quer dizer através do Teatro faz parte de reconhecer-se diante de uma sociedade e se perguntar o que fazemos nela, como podemos interagir, intervir e modificar essa sociedade.

Sávio Araújo (2005), sobre a relevância disto reflete que:

Por isso, saber o que se quer dizer através de uma encenação teatral faz parte de reconhecer-se diante de uma sociedade e se perguntar qual nosso papel nela. O que queremos dizer? O que queremos compartilhar? Que questões e sensações queremos provocar? Que consequências esperamos causar? (ARAÚJO, 2005, p. 74)

Isso nos leva a pensar uma outra questão relativa ao texto que diz respeito a outro aspecto essencial à arte teatral que é a escolha do material temático do qual se irá partir para a construção da encenação. Logo, outra contribuição para formação de sujeitos críticos reside na capacidade de tomar decisões que sejam aquelas mais acertadas para atingir um objetivo teatral, articulando os conhecimentos das várias áreas do fazer teatral, em função de cada tema escolhido para ser trabalhado, encenado.

No que concerne ao material temático este pode ser fornecido das mais variadas formas. Pode ser fornecido por uma peça teatral já escrita e adaptada às necessidades de expressão do grupo de trabalho, pode-se escrever um texto próprio a partir de um tema escolhido previamente ou desenvolvendo-o a partir da improvisação de cenas, etc.

Considerando essa liberdade e responsabilidade de escolha do tema e quais objetivos se pretende atingir, questões inerentes aos aspectos textuais do teatro, uma possibilidade pedagógica é trabalhar a partir das problemáticas que a realidade coloca. Nesse sentido, a contribuição do Teatro Dialético de Brecht pode ser uma opção bastante rica, tendo em vista que para ele, “não é no extraordinário, mas sim no banal e no cotidiano que encontramos o elemento determinante da evolução social; nas condições sociais dos homens e não no indivíduo” (BRECHT, 1999, p. 46). De modo que, seu Teatro épico “pretende estabelecer seu modelo em uma esquina de rua, com o

intuito de retornar a um teatro dos mais simples, a um teatro ‘natural’, constituindo uma empresa social cujas origens, meios e objetivos sejam terrenos e práticos” (BRECHT, 1967, p.149).

E, um texto modelar que aproxima o teatro do cotidiano é “Cena de Rua” de Brecht (1967), o qual permite partir de experiências pessoais ainda abertas e não estruturadas, onde o exemplo principal dado por Brecht é um acidente de trânsito, que deve ser reconstituído e imitado. “Um elemento essencial da cena de rua consiste na função social da demonstração, o que é indispensável para que o teatro seja qualificado como épico” (BRECHT,1967, p.144).

Como afirma Robson Haderchpek (2005) sobre o Teatro Brechtiano:

Está aí, a função social. Para Brecht de nada valeria um teatro que não pudesse ser o palco de discussões sobre o homem e sobre a sociedade. Mas, isso não diminui em nada o prazer de se fazer arte, muito pelo contrário, eleva a arte a uma categoria de instrumento social, permitindo que todos tenham acesso a ela. (HADERCHPEK, 2005, p. 41).

Esse princípio da “Cena de Rua” pode ser generalizado e desse modo, podemos em sala de aula, estabelecer a relação com outros acontecimentos que fazem parte do cotidiano. De modo que, a chamada “cena de rua”, através das transposições e novas contextualizações, enseja um procedimento de reconstrução que torna visível e articulada a realidade de um determinado lugar, de um determinado grupo e projeta a possibilidade de mudança.

Nessa direção, o ensino de teatro precisa e pode disponibilizar atividades e espaços de discussão que permitam observar como os diferentes elementos que compõem uma encenação podem ser analisados em sua perspectiva textual, ou seja, como significante integrado a um complexo comunicativo.

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