• Nenhum resultado encontrado

4.1.1 A autonomia das convenções processuais

A primeira questão prévia a ser abordada é a autonomia das convenções processuais. Quando inseridas em um contrato de direito material, elas são autônomas relação às demais cláusulas contratuais2. O tratamento dado a elas é semelhante àquele dado à clausula compromissória pelo artigo 8ª da Lei 9.307, de

1 Já reconhecia a dificuldade na fixação de limites às convenções processuais MOREIRA, José Carlos Barbosa. Convenções das partes sobre matéria processual. In: ______. Temas de direito processual: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 91.

2 ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. Das convenções processuais no processo civil.

2014. 238 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: <http://www.bdtd.uerj.br/tde_arquivos/15/TDE-2014-09-03T163314Z-4856/Publico/Diogo Almeida _ FINAL.pdf>. Acesso em: 29 out. 2017. p. 113-115.

23 de setembro de 19963. No mesmo sentido, assevera também o enunciado nº 409 do FPPC que “A convenção processual é autônoma em relação ao negócio em que estiver inserta, de tal sorte que a invalidade deste não implica necessariamente a invalidade da convenção processual.”

A ratio dessa independência é explicada por Antonio do Passo Cabral:

Essa independência em relação ao instrumento deriva da ideia de que a autonomia das partes para conformar situações jurídicas processuais não é um mero complemento da liberdade no direito material, algo acessório e secundário que pudesse ser entendido como subordinado às regras do direito privado. Ao contrário, os acordos processuais devem ser compreendidos como independentes dos negócios jurídicos de direito material porque os atos processuais em geral produzem efeitos diversos de um negócio jurídico material similar. Trata-se de separar o negotium do instrumento, inclusive apartando os aspectos que tocam o direito material daqueles que envolvem o direito processual.4

Não é necessário, portanto, que sempre haja um negócio jurídico material subjacente a cada negócio processual, como evidenciado pelo fato de que pode ser celebrada convenção processual em ação declaratória negativa5. Além disso, a nulidade das cláusulas de direito material não implicará necessariamente a nulidade da convenção processual, sendo a recíproca também verdadeira. É possível, todavia, que um vício contamine o contrato como um todo, como a falta de capacidade de uma das partes ou a declaração viciada de vontade, sendo a convenção processual também afetada6.

4.1.2 O regime jurídico misto de direito material e direito processual

Da mesma forma que os atos processuais são espécies de atos jurídicos, as convenções processuais são espécies de negócios jurídicos, de modo que lhes é

3 “Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.

Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.”

4 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 250.

5 Ibidem, loc. cit.

6 ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. Das convenções processuais no processo civil.

2014. 238 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: <http://www.bdtd.uerj.br/tde_arquivos/15/TDE-2014-09-03T163314Z-4856/Publico/Diogo Almeida _ FINAL.pdf>. Acesso em: 29 out. 2017. p. 114-115.

aplicada a sistemática da teoria geral dos negócios. Entretanto, as disposições de direito privado que versam sobre os requisitos, efeitos e limites à autonomia privada devem ser adaptadas ao ambiente publicista do processo7.

Por outro lado, uma vez que as convenções processuais visam regular a relação jurídica processual, a elas também são aplicadas regras específicas de direito público, como aquelas referentes às nulidades e aos pressupostos processuais8. O tema será abordado mais detalhadamente e com exemplos a seguir, quando forem analisados os pressupostos para a validade e eficácia das convenções processuais.

Essa corregulação entre normas materiais e processuais significa que não há uma hierarquia que dê prioridade à aplicação de uma das cláusulas. Quando houver conflito entre cláusulas de natureza material e de natureza processual, “deve ser procurada a conjugação das convenções ou o afastamento de uma delas (por contradição ou incongruência), mas partindo da compreensão de que se trata de dois atos jurídicos de equivalente importância”9.

Em sentido contrário, afirma Trícia Navarro Xavier Cabral que “uma convenção estipulada fora do processo, ainda que verse sobre matéria processual, possui natureza jurídica de direito material, ficando os efeitos processuais condicionados à sua integração ao processo”10. O entendimento decorre da adoção pela autora do critério da sede para identificar os atos jurídicos processuais, com o que não concordamos, conforme analisado no item 2.1, supra.

4.1.3 Diretrizes utilizadas no controle da validade das convenções processuais

Antonio do Passo Cabral lista diretrizes que devem balizar a análise da validade das convenções processuais. São elas a máxima do in dubio pro libertate, o

7 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 251.

8 Ibidem, p. 251-252.

9 Ibidem, p. 253.

10 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Negócios processuais sob a perspectiva do juiz. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos et al (Org.). Processo em jornadas. Salvador: Juspodivm, 2016. Cap. 71. p.

977.

contraditório na aplicação e interpretação das convenções processuais e a aplicação do sistema de invalidades processuais11.

O princípio do in dubio pro libertate, defendido pelo autor alemão Peter Schlosser, é “uma pressuposição em favor da liberdade de conformação do procedimento à vontade das partes”12. Cabe ao juiz o ônus argumentativo para considerar uma convenção processual inválida, como explana Cabral:

A motivação das decisões judiciais funciona como mecanismo de balanceamento entre a prioridade normativa do ordenamento e as circunstâncias concretas do caso. Se considerar que as convenções processuais são válidas, não há exigência de fundamentação maior porque a preferência normativa do sistema é mantida (a validade, que era tendencial é “confirmada”); por outro lado, se a conclusão do magistrado é contrária à prioridade prima facie, e assim inverter o sentido natural para o qual pressiona o ordenamento, incide o ônus de argumentação e o juiz deverá fundamentar mais intensamente a decisão de invalidade ou que nega aplicação à convenção. Por meio de exigências maiores de motivação, reduz-se, portanto, o campo de discricionariedade e o risco de arbítrio porque a técnica permite um exame crítico da racionalidade das escolhas do juiz.13

Também aderem ao princípio do in dubio pro libertate Fredie Didier Jr.14 e Remo Caponi15.

Já o respeito ao contraditório na interpretação e aplicação dos acordos processuais exige que, mesmo quando o juiz possa conhecer de ofício a invalidade de uma convenção processual, as partes sejam ouvidas16. Há que se observar tanto o contraditório tanto em sua dimensão formal – a garantia de participação, de ser ouvido no processo – como em sua dimensão substancial – o poder de influência, a possibilidade de a parte influenciar na decisão judicial17.

11 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 253-255.

12 Ibidem, p. 145.

13 Ibidem, p. 146.

14 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 437.

15 CAPONI, Remo. Autonomia privada e processo civil: os acordos processuais. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 13, n. 13, p.733-749, jan./jun. 2014. Tradução de Pedro

Gomes de Queiroz. Disponível em:

<http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/11932>. Acesso em: 5 nov. 2017. p. 736.

16 CABRAL, op. cit., p. 254.

17 DIDIER JUNIOR, op. cit., p. 92.

Finalmente, quando é realizado o controle judicial de um negócio jurídico processual, ele já tem seus efeitos processualizados, de forma que é a ele aplicado o sistema de formas e invalidades processuais18. No processo, busca-se evitar a invalidação do ato, que “deve ser vista como solução de ultima ratio, tomada apenas quando não for possível ignorar o defeito, aproveitando o ato praticado, ou aceitar o ato como se fosse outro (fungibilidade) ou, enfim, determinar a sua correção”19. Consequentemente, antes de se invalidar uma convenção processual deve buscar-se convalidá-la ou aproveitá-la, em obbuscar-servância à regra de que não há nulidade buscar-sem prejuízo20.