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2 CAPÍTULO – REALIDADE E REALIDADE VIRTUAL: SENSAÇÃO DE IMERSÃO

2.2 Questões do virtual na arte digital

O "virtual" nos propõe outra experiência "real". De repente, a noção comumente percebida como a "realidade" é posta em causa, pelo menos na aparência. As realidades "virtuais” n~o s~o irreais, elas possuem certa realidade [...] As experiências virtuais são a priori o equivalente a experiências sensoriais "reais" que acumulamos "naturalmente". As imagens virtuais não são meras ilusões virtuais da representação pura das imagens. Pelo contrário, é possível visitar, explorar e até mesmo "sentir" [...] essas realidades "virtuais"37. (QUÉAU, 1995, p.17) 38

37 Lo “virtual” nos propone outra experiencia de lo “real”. De repente, la noción comúnmente percibida como “realidad” se ve puesta en tela de juicio, al menos en apariencia. Las realidades “virtuales” no son irreales, poseen cierta realidad [...] Las experiencias virtuales son a priori asimilables a las experiencias sensoriales

Embora se faça uma distinção entre a realidade e a realidade virtual, ambas podem ser sentidas e experienciadas pelo interator. A afirmação de Quéau de que a realidade virtual possui certa realidade é no sentido dela também poder ser experienciada sensorialmente. Para isto é necessária uma pré-disposição para viver outra realidade, para colocar-se em uma situação diferente daquela vivida pelo interator em seu cotidiano ou no sentido de re-viver algum momento passado.

Para discutir-se a realidade virtual faz-se necessário definir o que se entende por virtual vinculado as tecnologias digitais. Segundo Giannetti (2002, p.208) a palavra virtual deriva de “vis” que dar| origem a “vir”. A primeira significa “força” e a segunda refere-se ao masculino, assim, a palavra “virtus” esta ligada a “virtude”, que ela relaciona a uma qualidade masculina. Este significado da palavra diferencia-se daquele utilizado atualmente por alguns teóricos, como Pierre Lévy ou Anne Cauquelin, que sugerem que “virtus” quer dizer “força”, sem relacion|-la ao masculino.

Contrariando uma concepção geral do virtual como algo que se opõe ao real, Lévy apresenta o virtual a partir do sentido de força, de potência. Trata o virtual como uma realidade em potencial, “é virtual o que existe em potência e n~o em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado, no entanto, à concretizaç~o efetiva ou formal” (1996, p.15). Nos ambientes virtuais as imagens encontram-se disponíveis para serem ‘visitadas’, através da interatividade, mas apenas ser~o acessadas momentaneamente, sem passarem para uma constituição real de objeto, elas serão visualizadas apenas a cada nova interação. Para Cauquelin o virtual,

[...] designa o que ainda não se realizou, mas que bem poderia ter se realizado. [...] “virtual” é, no mais das vezes, tomado como sinônimo de “possível”, formando ent~o uma dupla com “realizaç~o” ou “atualizaç~o”, que lhe são contrários e carregam sempre a noção de ausência, de fictício, que parece vinculada a ele. (2008, p.167)

Deste modo, pode-se entender o virtual referindo-se a um sistema, e não a um objeto. Pois, munido de softwares, os computadores funcionam como sistema nas

“reales” que vamos acumulando “naturalmente”. Las imágenes virtuales no son simples ilusiones virtuales, imaginerías de representacíon pura. Al contrario, es posible visitar, explorar e incluso “palpar” [...] estas realidades “virtuales”. (QUÉAU, 1995, p.17).

instalações imersivas, contrapondo-se ao seu uso apenas como ferramenta, e possibilitando uma atualização a cada nova interação.

Produzir obras que exploram o virtual permite aos artistas construir modelos conceituais animados, tridimensionais que se manifestam em um espaço-tempo virtual que pode ser explorado por um ou mais interatores, em tempo quase real, possibilitando inclusive a sensação de imersão. Segundo Davies nas obras virtuais que proporcionam a imers~o nas imagens “[...] as fronteiras perceptivas entre o interior e o exterior podem ser experimentadas como permeáveis, enquanto que o virtual e o imaterial se confundem pelo modo como é sentido pelo corpo, que se experimenta como estranhamente real” (2000, p.48)39

. Embora experienciando um mundo virtual o interator pode entregar-se a ele de modo a sentir-se de fato naquele ambiente, encará-lo como uma realidade possível por um determinado tempo. Estas experimentações só são plausíveis devido às possibilidades suscitadas pelas pesquisas acerca do virtual, gerado a partir das tecnologias digitais.

Parente acredita que o virtual “é uma categoria estética que nos ajuda a pensar a artisticidade das chamadas ‘novas tecnologias da imagem’” (2010, p.261) e, ele pode fazer interagir “modelos cognitivos e os modelos computacionais”, afinal alguns projetos artísticos podem misturar imagens virtuais com as imagens que permeiam o inconsciente das pessoas, como na instalação interativa Berlin Cyber City (1989-91), de Monika Fleishmann e Wolfgang Strauss.

39 “[...] las fronteras perceptivas entre el interior y el exterior pueden ser experimentadas como permeables, mientras que lo virtual y lo inmaterial se confunden con lo sentido por el cuerpo, que se experimenta como extrañamente real.” (DAVIES, 2000, p.28).

Figura 25 - Muro de Berlim Figura 26 - Berlim Cyber City (1989-91) - Monika Fleishmann e Wolfgang Strauss

“O Muro de Berlim acabou na realidade, mas ainda existe como imagem virtual na cabeça das pessoas” (PARENTE, 2010, p.259). A partir desta constatação a artista reconstrói virtualmente o muro de Berlin. Ele ainda encontra-se de modo petrificado no pensamento das pessoas que vivenciaram aquela realidade, apresentando-se como uma lembrança latente. A imagem virtual exposta por Fleishmann e Strauss trás a tona a imagem do muro que ali existia, mas também ajuda a relembrar aos transeuntes que o muro foi retirado daquele lugar.

Como em Berlim Cyber City, as imagens virtuais podem retomar concepções diferentes, afinal,

Cada cultura remete a um processo múltiplo de produção de subjetividade, com seus universos cognitivos, discursivos, afetivos, sensíveis, tecnológicos. Cada cultura nos fornece uma verdadeira visão artificial, que nos faz pensar e sentir o mundo em função de um complexo sistema de representação. Por intermédio dessa modelização, cada imagem se converte em clichê (espaço de interioridade), cumprindo um papel em nossas ações e em nossos reconhecimentos. (PARENTE, 2010, p.261)

Explorar o virtual através dos meios digitais significa também descobrir concepções virtuais de diversas culturas, além de concepções virtuais individuais. Deste modo, cultivar o virtual na arte se apresenta com um recurso rico em possibilidades sensíveis onde as percepções coletivas e particulares podem ser suscitadas através de diversos caminhos.