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1 INTRODUÇÃO

1.2 Contexto da Averiguação

1.2.1 Questionamentos e definição do problema da pesquisa

Das várias indagações sobre o professor de Direito que foram sendo reunidas ao longo dos estudos sobre este docente, elegeu-se como a compreensão principal da pesquisa saber se há ou não reflexão sobre

a prática docente entre os professores de Direito atuantes nos cursos de graduação da grande Florianópolis.

Esta pesquisa resolveu então, a partir das principais situações apontadas pela bibliografia selecionada, checar se tais afirmativas ocorrem no contexto educacional selecionado, verificando com os próprios docentes como eles enxergam as situações descritas pelos autores, e a partir daí, analisar se suas respostas representam reflexão ou não de acordo com a linha pedagógica do professor reflexivo.

Considera-se esta pesquisa uma nova forma de ler e entender o universo do docente de Direito. Além disto, é possível introduzir um elemento da educação ainda não encontrado nas discussões sobre a postura do professor de Direito em sala de aula, mas existente na bibliografia especializada.

Alarcão (2005) defende o professor reflexivo não como um discurso vazio, mas sim através do compromisso com a profissão, com a capacidade de tomar decisões e ter opiniões que ultrapassem a simples descrição do que acontece em sala de aula ou até mesmo de saber teoricamente o que é ser docente reflexivo.

Essa postura requer do professor um pensamento crítico constante sobre o que faz exercendo sua capacidade de analisar o que acontece com suas turmas a fim de evitar se tornar um tecnocrata. Para Alarcão (2005 p. 43-45)

A noção de professor reflexivo baseia-se na consciência da capacidade de pensamento e

reflexão que caracteriza o ser humano como criativo e não como mero reprodutor de ideias e práticas que lhe são exteriores. [...]

Se a capacidade reflexiva é inata no ser humano, ela necessita de contextos que favoreçam o seu desenvolvimento, contextos de liberdade e responsabilidade. [grifo nosso]

A educadora portuguesa prossegue dizendo que o professor reflexivo é aquele capaz de levantar dúvidas sobre o seu trabalho, que deve se caracterizar primordialmente pelo questionamento.

Schön (2007), um dos grandes inspiradores do movimento do professor reflexivo, narra sobre os casos de ensino-aprendizagem que estudou e sintetiza que a improvisação do aluno diante dos ensinamentos do mestre é recurso essencial que caracteriza a metodologia reflexiva. Esta improvisação acontece se o professor – reflexivo – é capaz de emergir o poder criativo do aluno a tal ponto que ele consiga encontrar sua própria maneira de agir e intervir na vida social (ALARCÃO, 2005).

Essa virtude de introspecção do professor possibilita que se modifique a atuação em sala de aula, criando ambiente rico para o inusitado, para o pensar em conjunto o Direito, permitindo a interdisciplinaridade.

Definir esta perspectiva teórica permitiu manter o enfoque pré- estabelecido, mesmo durante o dinamismo presente na pesquisa etnográfica, orientando a análise e a interpretação.

Sobre esse processo etnográfico, André (2004, p. 42) esclarece que

Embora o processo etnográfico deva ser aberto e flexível, isso não significa ausência total de um referencial teórico. A definição do objeto de estudo é sempre feita por causa de um alvo que se busca e de um interesse específico por conhecer, o que implica uma escolha teórica que pode e deve ser explicitada ao longo do estudo.

A pesquisa presente será relevante para disseminar no corpo docente de Direito uma atitude de troca, de intreratividade, de diálogo sobre os contentamentos e dissabores da docência jurídica, rumo à inserção de uma postura docente inovadora e exemplar.

Esta averiguação inova também na interpretação sobre a realidade do ensino jurídico e a visão do professor de Direito ao abordar um elemento diferente do até agora utilizado pelos críticos do ensino jurídico, abrindo espaço para renovação do âmago cientifico nessa área, pois, até o momento, “o limitado desenvolvimento do espírito crítico, [...] acostumado a transitar sempre ao longo de uma mesma estrada, ajudou a fechar as janelas que impediram a entrada de ar inovador ou diferente.” (TRIVINOS, 2009, p. 15).

Assim, interroga-se: “o professor de Direito reflete sobre o seu papel docente?”.

Para mergulhar nesta questão e em outras correlatas que tratam da educação jurídica e do professor de Direito, com ênfase na crise do ensino jurídico, precisou-se realizar uma pesquisa quantitativa em conjunto com uma qualitativa que conseguissem desvelar de que maneira o professor de Direito responde a pontos específicos sobre o seu perfil docente e sobre sua atuação docente para que se pudesse tomar conhecimento sobre a sua atual conjuntura na região de Florianópolis.

Para Popper (1992), a refutabilidade – denominada também de falseabilidade – é o que demarca aquilo que é ciência e o que não é. A hipótese – ou teoria – será científica se for refutável, ou seja, precisa haver suscetibilidade à refutação.

Neste sentido, é importante esquadrinhar as afirmativas a respeito do professor de Direito para confirmar ou retificar as “certezas” presentes e reproduzidas: tais enunciados universais podem ser “contraditados pelos enunciados singulares” (POPPER,

1972, p. 43).

Popper procura estabelecer critérios específicos para delimitar aquilo que seja científico do a-científico, ou metafísico e/ou pseudo- ciência. Objetiva demarcar o ponto de problematização não com a pretensão que tinham os positivistas de excluir algum campo do conhecimento – especificamente o metafísico – mas sim a de problematizar todas as áreas do conhecimento humano.

Não adentro aqui na crítica popperiana acerca do empirismo- indutivismo15 mas exponho sua ideia de falseabilidade para se determinar se uma teoria é científica, pois foi o que inspirou a prosseguir no trabalho.

Popper entende que a indução não tem argumentos suficientemente válidos para justificá-la já que entende ser possível se chegar a conclusões falsas a partir de premissas verdadeiras, como é o caso do “todos os cisnes são brancos” (POPPER, 1999, p 21).

Isto porque Popper (1999) rejeita a ideia de construção de uma lógica indutiva que partindo de um caso particular, estabelece uma generalização (do juízo particular estabelece um juízo universal). Nesta pesquisa não se pretende estabelecer este juízo universal, mas a partir da investigação da realidade escolhida, checar - falseabilidade - se neste contexto, o senso comum dos autores realmente se faz presente.

É justamente sua ideia de investigação sobre se uma teoria ou hipótese trazida pelo senso comum pode ser considerada científica que estimulou esta pesquisa.

Seu método científico é uma tentativa de provar a falsidade, e não a verdade, das hipóteses que lhe deram origem, verificando até que ponto elas resistem a hipóteses contrárias. Esta sistemática trás dinamismo à ciência, pois o resultado científico pode ser criticado e testado, mas nunca justificado.

15

Para os empiristas, a lógica indutiva é que permite o estabelecimento de leis e teorias a partir dos dados empíricos. O indutivismo defende que a ciência se configura a partir da observação e da experimentação e que o método científico permite o registro fiel daquilo que se observa desencadeando afirmações sobre o mundo sem preconceitos ou apriorismos. Os indutivistas entendem ser possível generalizar leis e teorias universais a partir de afirmativas singulares.

Dentro da epistemologia histórica, Bachelard (2000) vem inserir a possibilidade do erro na construção do espírito científico no lugar da verdade, uma vez que entende que o conhecimento científico se constrói a partir da retificação dos erros. Para ele o erro não precisa ser extirpado, mas faz parte da própria edificação do conhecimento científico.

Para Bachelard (2000) não há verdade única, mas verdades históricas, diversas e capazes de gerar credibilidade e confiança.

Segundo ele, a ciência não reproduz uma verdade, seja ela a verdade dos fatos ou das faculdades do conhecimento. Cada ciência produz sua verdade e organiza os critérios de análise da veracidade de seu conhecimento com uma lógica que se atrela à ciência atual e não com uma lógica da verdade de sempre porque a verdade é sempre provisória.

Com esse espírito da desilusão (BACHELARD, 1996) é que se procurou conhecer a realidade do professor de Direito no campo escolhido, sempre atento a retificar o que julgava ser sabido e sedimentado. Buscou-se checar não as verdades estabelecidas na bibliografia, mas sim, os primeiros erros, esperando que a verdade estivesse por vir ao longo dos resultados encontrados (BACHELARD, 2000).

Lançando a ideia de falseabilidade, Popper (1999) torna-se o idealizador do método hipotético dedutivo e assume a posição de realista crítico, pois afirma que existe um mundo material independentemente da experiência.

A proposta desta pesquisa leva em conta esta postura crítica adotada por Popper (1972) ao enunciar um problema e examiná-lo, tanto quanto as várias soluções16 propostas.

Os enunciados observáveis de Popper (2004) são aceitáveis se puderem sobreviver a testes: as que não conseguem superar a prova, são rejeitadas e as que conseguem “sobreviver” aos exames, são preservadas provisoriamente.

Os enunciados observáveis deste trabalho foram retirados dos autores anteriormente mencionados, sendo, portanto, na visão de Popper (1999), enunciados básicos porque resultam do “acordo de um grupo”17,

16 A solução para esta investigação está melhor tratada no último capítulo.

17 O acordo do grupo aqui utilizado é, em analogia ao acordo proposto na ideia de Popper

(1972), como uma convenção, decisão consciente dos indivíduos que introduz um elemento subjetivo à ciência.

uma vez que foram repetidos pelos autores, submetidos à decisão de um conjunto de pessoas para aceitá-los ou rejeitá-los.

Thomas Kuhn (2003) coloca a importância de se considerar a circunstância em que cada teoria ou observação foi elaborada e seu fato. Em outras palavras, a contextualização da ciência. Esclarece-se, contudo, que o fato de hoje termos alguma teoria obsoleta não significa que à época em que foi estabelecida não era científica.

No contexto aqui estabelecido, isso significa determinar se a observação registrada na bibliografia dos autores está vigente e, a partir da investigação, checar se permanece senso comum ou pode ser considerado fato científico18.

Na linha da refutabilidade de Popper (1999), Verhaeghe (2010, p. 29) diz que fato científico “é uma construção coletiva e é na interação entre aquele que produz o fato e aquele que o recebe e procura ‘replicá- lo’ para falseá-lo ou para confirmá-lo que se constrói o fato atestado, certificado [...]”.

Entretanto, não se pretende transformar as conclusões desta pesquisa em verdades absolutas, mas apenas, verdades relativas aplicadas ao contexto em que houve a verificação, pois podem se tornar obsoletas no futuro ou em outro contexto, o que não significa que não foram investigadas cientificamente, o que Kuhn (2003, p.21) ratifica ao afirmar que “teorias obsoletas não são em princípio a-científicas simplesmente porque foram descartadas.”

Esta é uma condição positiva da refutabilidade, a possibilidade de se encontrar em algum outro universo pesquisável, algo que não confirme o anteriormente investigado, não descaracterizando, entretanto, a pesquisa antes realizada.

Karl Popper (1999) propõe um método científico diverso do estabelecido pelos neo-positivistas. Ele submete a ideia de um racionalismo crítico, no qual se tem uma disposição para a crítica e para a argumentação. Assim, é possível ouvir as diferentes posições e se tomar uma decisão a partir da argumentação. Trata-se de um descerrar benéfico para o desenvolvimento da ciência.

Popper (1972) entende ser ciência tudo aquilo que é possível de ser testado ou refutado. Neste sentido é que se buscou checar o que os autores expuseram.

18 Usei a expressão no sentido em que a expõe Verhaeghe et al (2010) onde fato científico é o

atestado por métodos conhecidos, mesmo que provisoriamente, e por uma comunidade científica.

Ao se submeter uma teoria19 à prova, expondo-a a falsificação, Popper (1972) entende que deve-se escolher a que for a melhor dentre outras. Caso ela não resista ao teste que lhe será imposto, deverá ser eliminada e substituída por outra.

A evolução científica se dá através de conjecturas e refutações uma vez que a teoria que mais se adaptar ao ensejo em que for testada é a melhor para este momento.

Nesse contexto, vale lembrar que o estudo aqui estabelecido é, além de bibliográfico, do tipo etnográfico.

A partir do estudo bibliográfico, com a pretensão de construir e criar um conhecimento considerando a falseabilidade proposta por Popper (1992) (um critério dinâmico de construir o saber) acrescentou- se a etnografia, cujo objetivo epistemológico também era ampliar a visão do objeto científico para além do domínio positivista nas ciências sociais, e que toma como ponto de partida, as relações20 que podem revelar exatamente como as coisas são.

A pesquisa empregada nesta apuração é do tipo etnográfico (ANDRÉ, 2004) uma vez que foi utilizado instrumento da pesquisa etnográfica, especificamente a observação, mas sem a permanência de longo prazo do pesquisador no campo, o que estritamente caracteriza a abordagem etnográfica.

A etnografia surgiu na pesquisa antropológica, particularmente a etnografia social, com objetivo de se compreender uma cultura na sua perspectiva ampla, enxergando os fatos acontecerem em seu próprio ambiente (LUDKE; ANDRÉ, 1986).

Entretanto, quando a pesquisa não acontece exatamente desta maneira, mas utiliza instrumento da abordagem etnográfica durante um período em campo reduzido pode ser considerada do tipo etnográfico (ANDRÉ, 2004).

Na visão de André (2004) o tempo de permanência em campo da pesquisa do tipo etnográfica pode variar conforme os objetivos da pesquisa, a disponibilidade do pesquisador, as experiências que têm com pesquisa e o número de pessoas envolvidas no estudo. A pesquisa também se caracteriza como etnográfica quando não há intervenção do pesquisador no campo de pesquisa.

19 Neste trabalho a teoria colocada à prova trata da reflexividade do professor de Direito. 20 Tais relações se configuram neste trabalho no universo do professor de Direito da grande

Na fase em que foram aplicados os questionários se pôde olhar a vida cotidiana do mundo universitário das faculdades de Direito, com suas interações repletas de significados, razão pela qual a pesquisa pode ser considerado do tipo etnográfico escolar, pois foi aplicada na área da educação, preocupando-se com o processo educativo.

André (2004) afirma que na educação a pesquisa de cunho etnográfico permite ao pesquisador um tempo de observação reduzido em campo. Esse modelo foi muito difundido na década de 60.

André (2004, p. 19) esclarece que para Spradley “a principal preocupação na etnografia é com o significado que têm as ações e os eventos para as pessoas ou os grupos estudados. Alguns desses significados são diretamente expressos pela linguagem [...]”.

Assim, a etnografia procura descrever um ambiente e as formas de compreensão do senso comum ali existente. Conforme enunciado acima, no contexto averiguado desta pesquisa, foi adaptada a técnica da observação ao ambiente universitário escolhido.

Na pesquisa do tipo etnográfica, um olhar atento deve se fazer presente, especialmente onde tudo esteja sendo visto pela primeira vez a fim de favorecer a visão apurada dos acontecimentos.

Além da observação, outro recurso importante é o Diário de Campo formado por um caderno onde são registradas todas as informações depois de observadas; as conversas, os comportamentos, os gestos, enfim, tudo que esteja relacionado com a proposta da pesquisa.

A pesquisa de cunho etnográfico permite que se vá além da simples descrição dos acontecimentos, descortinando a possibilidade de compreensão dos fatos e a sua correlação com a pesquisa estabelecida pelo pesquisador.

O início de uma pesquisa do tipo etnográfica se dá através do estudo da literatura disponível a fim de relacioná-la com o tema escolhido. Esta é a fase em que se formula o problema que orientará a entrada em campo. Em seguida, se realiza o trabalho de campo com as observações diretas visando o entendimento do cotidiano e seu respectivo relacionamento com o problema da pesquisa (ANDRÉ, 2004).

André (2004) reforça a riqueza da pesquisa de cunho etnográfico afirmando que “saber lidar com as percepções e opiniões já formadas, reconstruindo-as em novas bases, levando, sim, em conta as experiências vividas, mas filtrando-as com o apoio do referencial teórico e de procedimentos metodológicos” (ANDRÉ, 2004, p. 106) proporciona diversas perspectivas de interpretação dos dados.

Conforme explicitado anteriormente, foi adaptada a técnica da observação ao ambiente universitário escolhido. As exposições e os relatos dessas observações encontram-se ao longo deste texto.

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