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Quilombos: Lugar de Resistência e de Pessoas Fortes

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CAPÍTULO 4: ANÁLISE DO CONTEXTO SÓCIO CULTURAL:

4.1 ANÁLISE DAS CATEGORIAS

4.1.3 Quilombos: Lugar de Resistência e de Pessoas Fortes

As mães/líderes da associação relatam a importância do coletivo e do aprendizado para a superação das condições de vida anteriormente vivenciadas por seus antecessores. As mulheres se sentem sofridas e resistentes, verbalizam que seus pais tiveram uma vida diretamente ligada à sobrevivência na roça. A luta pelas terras foi também sua maior realização. Segundo a Fundação Palmares, o governo concedeu, em 2005, certificações às famílias quilombolas de Pernambuco (Anexo IV – Lista de certificações), reafirmando ações de reconhecimento à luta pelas terras dos povos tradicionais.

A questão das terras nessa região de quilombos ainda não se configura uma vitória, pois houve a certificação, mas não houve a titularização, e isso significa que as famílias não têm a posse das terras, e moram em terras de terceiros. “A gente está na luta, e a comunidade foi reconhecida, mas a gente ainda não tem a terra. É uma luta da gente” (M, 40). A vasta área onde se localiza o quilombo tem proprietários. Diante dessa realidade, as famílias trabalham

para esses proprietários, e em troca negociam usufruir de moradia e de parte da agricultura para uso próprio.

No período de observação em campo, pudemos perceber que o acesso aos sítios e os deslocamentos são realizados muitas vezes a pé ou por moto, pois as estradas são de chão, com difícil acesso. Os jovens e as mães que frequentam a escola chegam a pé ou de ônibus da prefeitura, pois a escola fica num local recuado.

Em conversas informais, pode-se perceber que as pessoas valorizam o trabalho da associação e entendem que foi através dela que a comunidade adquiriu melhorias e acesso a fomentos. A casa própria e o aumento da renda pelo programa minha Casa minha Vida do governo federal e do programa das Cisternas são constantemente citados como exemplo das melhorias alcançadas. Outro ponto importante nas falas é a consciência da união para conseguir melhorias. Nesse sentido, as mulheres se sentem com mais capacidade do que os homens, por saber organizar as atividades da associação e participar com compromisso e dedicação. Para elas, viver nos quilombos é reconhecer a luta dos antepassados, e a sua continuidade só é possível com a força do coletivo.

Os/as alunos/as, professores/as e coordenação conhecem a história dos quilombos. Ambos entendem que os quilombos foram espaços de lutas e resistências, embora saibam que há desconhecimento, desvalorização e preconceito por parte da sociedade. Diz uma mãe: “Quando não tem conhecimento não [se] quer ser quilombola” (E, 31). Segundo os/as entrevistados/as, muitas pessoas não assumem que são quilombolas por conta do preconceito contra os/as escravos/as. Para uma das alunas entrevistadas, há a dúvida entre ser escravo/a fugitivo/a ou ser negro/a em busca de liberdade, quando se referia ao ser quilombola. Como diz: “Fugiam porque eram maltratados, muita gente não quer ser quilombola, precisa saber das coisas” (Ra, 18). Penso que ela poderia estar problematizando a ideia cristalizada de negro/a fugitivo/a em contraposição a negros/as autônomos em busca de liberdade, visto que muitas amigas não têm informação sobre a dominação sofrida. Uma aluna que é membro do grupo de dança respondeu com convicção que o quilombo foi um lugar onde os/as negros/as conseguiram viver em liberdade e enfrentar os/as senhores/as que os escravizavam.

Para os/as professores/as, o objetivo da escola de educação quilombola é possibilitar aos/as alunos/as o entendimento sobre situação de seus antepassados quilombolas, como povos que lutaram pela liberdade e fazem parte da construção do Brasil. Podemos observar na fala da professora o sentido da escola: “Eu acredito que a diferença seria trabalhar com o estudante para que eles se autoafirmem como quilombolas” (R, 44). Ao mesmo tempo, a escola promove um aprendizado que favorece o sentimento de pertencimento, desconstruindo

valores que negativaram a cultura quilombola, além de prioritariamente oferecer uma educação que contribui para a autoaceitação e autoatribuição pelos/as alunos/as. Nesse sentido, muitas das negações de uma identidade quilombola na atualidade se justificam pela persistência em atribuir às comunidades a marca da escravidão e, por consequência, da criminalização ou ilegalidade. Ao material didático, os/as alunos/as e professores/as fazem referência de sua boa utilização, ajudando na promoção de referências da cultura e conscientização de valores.

Uma das mães/lideranças verbaliza que sofria com o machismo do pai, que a impossibilitou de estudar, por ser distante a universidade, como já citado na fala da entrevistada E. Depois que se casou, conseguiu maior autonomia desde que começou a frequentar as reuniões da associação. Hoje frequenta o curso de Educação Física, ajuda na parte administrativa da associação e faz parte da cooperativa de mulheres.

Uma segunda entrevistada mãe/liderança só estudou até o Ensino Fundamental I, e hoje faz parte do quadro de funcionárias da cozinha da escola. Foi através da cooperativa de cozinheira da associação que conseguiu trabalhar na escola, e pertence ao grupo de mulheres que participam da cozinha comunitária. Esse projeto da associação, em parceria com o governo federal e estadual, reúne 20 mulheres, para a implementação da comercialização de bolos e doces.

Nesse aspecto, vale salientar que, nas Diretrizes Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, a alimentação oferecida respeita em seu cardápio as tradições da comunidade. Segundo a entrevistada, as comidas servidas na escola são: alface, tomate, feijão, milho, mandioca, banana, galinha e bode, todos produzidos por agricultores/as da comunidade.

Por outro lado, nas observações em campo, de forma bem constante, há nas falas dos/das entrevistados/as o entendimento de que a luta da comunidade quilombola junto à associação resultou no acesso ao ensino e, consequentemente, por ser a maioria frequentada por mulheres, atribuem as conquistas à participação da mulher quilombola.

A escola de educação quilombola tornou-se também uma possibilidade concreta de melhorar a renda das mulheres. Em 2012, segundo dados do MDA, foram comercializadas aproximadamente 3.553 toneladas de alimentos produzidos por comunidades quilombolas para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Foram repassados às associações quilombolas que comercializaram seus produtos, em 2012, R$7,4 milhões, mais do que o dobro do recurso repassado em relação ao ano anterior (em 2011, foram repassados 3,7 milhões). Houve aumento também do número de agricultores/as familiares quilombolas (de 1.024 para 1.652) que comercializaram seus produtos por meio do PAA.

O ser quilombola na atualidade tem desencadeado muitos debates sobre presente e passado. A condição para ser quilombola corresponde a um conjunto de estereótipos que emolduram homens, mulheres e crianças dentro de uma espécie de exotismo que em nada se assemelha à ideia da diferença. Criam-se imaginários que apenas autorizam as pessoas a ser sujeitos de direito, se elas se remeterem a um passado que se foi perpetuando (NUNES, 2015).

As mulheres entrevistadas têm na voz a força da luta e resistência de seus familiares. Elas definem os quilombos como lugar de resistência, de luta, de coragem e união: “A escola ensina que a gente tem que ser independente, e a mulher quilombola tem força e é guerreira” (Ra, 18).

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