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Capitulo II – As Atividades dos simpatizantes nazistas

3.4 O quinta coluna nos bancos da Igreja

Ao mesmo tempo em que o discurso da mística religiosa se apresenta com um papel importante na representação do imaginário das pessoas com o objetivo de acusações contra o quinta coluna, o combate que perpassa esse momento, onde tudo e todos são alvos fáceis de acusações, a própria Igreja Católica não escapa também a elas. Membros do clero passaram a serem acusados

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de envolvimento em atividades nazi-fascistas, notadamente os missionários franciscanos vindos da Alemanha. Alguns representantes do clero protestam, alegando calúnia, mas outros, mesmo tentando minimizar a situação, não escondem as queixas da população contra alguns religiosos. São esses protestos que serão bastante aplaudidos por Mário Melo (lembramos que um dos pontos divulgado por Mário Melo na identificação do quinta coluna estava relacionado à questão religiosa, ou seja, desconfiar daqueles que se dizem católicos mas defendem o nazi-fascismo porque este persegue os cristão).

Assim, o jornalista cita primeiramente, Dom João Becker, arcebispo de Porto Alegre, como exemplo do representante da Igreja Católica que levanta a voz contra os ataques implementados pela Besta Fera de Hitler. No entanto, escapava às reflexões de Mário Melo a dubiedade da figura de Dom João Becker, uma vez que também será visto como simpatizante nazista. 282 Depois foi a vez dos bispos pernambucanos guiados pelo bispo Miguel Valverde e agora a palavra do bispo Carlos Duarte da Costa, que segundo o jornalista, dirigia-se diretamente ao presidente Vargas conclamando a necessidade de mobilização espiritual “...devendo ser retirados das dioceses, prelazias, paróquias, conventos e colégios, os bispos prelados, padres, frades e freiras estrangeiros e nacionais, partidários do nazismo, do fascismo e do falangismo”283

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O Arcebispo de Porto Alegre D.João Becker deu uma entrevista que foi veiculada no Diário de Pernambuco no dia 02/04/42, defendendo o clero das acusações de estar a favor do nazismo, mesmo reconhecendo que recebia algumas queixas contra alguns religiosos, mas alegava que nada ficou comprovado estando o clero sempre a trabalhar para a grandeza do país. Mencionava que, segundo a polícia de sua região, os pastores protestantes é que davam mais trabalho a policia, pois recebiam subversão de Hitler. Artigo: No exercício de suas funções os padres não podem servir aos interesses do Eixo. Diário de Pernambuco 02/04/1942 – APEJE. Com relação ao envolvimento de protestantes com o nazismo ver MAGALHÃES, Marionilde Brepohl. Pangermanismo e Nazismo – A Trajetória alemã rumo ao Brasil. Fapesp, Unicamp, São Paulo, 1998. Por outro lado, D. João Becker é citado por Luis Carlos Prestes como “chefe nazista no Rio Grande do Sul”. Ver FALCAO, João. O Brasil e a 2ª Guerra – Testemunho e depoimento de um soldado convocado. Unb, Brasília, 1999, p. 62

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As acusações do clero investidas contra seu próprio corpo religioso permitem-nos perceber como foi emblemático esse momento quando todos os segmentos sociais passam a agir com suspeição. Em Pernambuco, as acusações sobre o envolvimento de membros do clero em atividades ligadas ao nazi- fascismo tiveram destaque especial com as denúncias feitas por Gilberto Freire em seu artigo “O exemplo de Ibiapina”:

“...o tempo é de não nos entregarmos a confianças absolutas sempre que se trate da educação do menino brasileiro, da sua formação moral e intelectual nas escolas, nos colégios, nas organizações de escotismo, tão fáceis de se tornarem focos de antibrasileirismo sob a orientação de falsos religiosos que sob os hábitos de “franciscanos”, de “jesuítas”, de “beneditinos”, tragam o corpo misticamente grudado a camisas políticas, a votos de propaganda, não da fé, uma vez entregue aos santos, mas de doutrinas ferozmente etnocêntricas, anticristãs e antibrasileiras. Conheço um Estado do Norte onde até outro dia os escoteiros eram dirigidos por um religioso que nunca fez mistério do seu entusiasmo transoceânico pela pátria de origem e pela mística de superioridade de raça que tem ali o seu Tibete...meninos e adolescentes brasileiros continuam, em vários Estados do Brasil, sob influencias iguais de indivíduos fantasiados de jesuítas...de professores de alemão, quando não agentes de doutrinas violentamente antibrasileiras e antidemocráticas...”284

Após a publicação desse artigo Gilberto Freire foi interrogado pela polícia política, tendo o caso grande repercussão tanto nacional como internacional285, levando o presidente Vargas a solicitar esclarecimentos sobre o caso. Em resposta, Agamenon Magalhães alegava que o artigo de Gilberto Freire foi visto como atitude gravíssima, não só por atacar religiosos que desenvolviam trabalhos junto aos escoteiros e colocar dúvidas sobre a atuação da polícia pernambucana, mas por ser visto como atividades esquerdistas, por procurar estabelecer desconfianças entre brasileiros, motivo pelo qual justificou-se sua

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LINS, Etelvino. Um depoimento político. Ed. José Olympio, Rio de Janeiro, 1977, p. 31 a 33. Citado em CORDEIRO, Philonila M.N. op. Cit. P. 36.

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detenção e depoimento.286 Em correspondência com o General Góis Monteiro Agamenon é mais enfático:

“...não tenha dúvidas o meu ilustre amigo. O americanismo está servindo de cortina de fumaça para certas atividades da esquerda. Quem é anti-clerical, maçom, comunista ou tiver recalques contra o regime está aproveitando a hora.”287

Posteriormente, Etelvino Lins considerou a atitude com relação ao sociólogo como muito exagerada ou um excesso de zelo, mas necessária naquele momento, diante do clima de tensão que vivia o país.288

Em seu interrogatório, Gilberto Freire acusava D. Conrado da Ordem dos Beneditinos de apologias à Alemanha e superioridade racial por ouvi-lo dizer em palestra que se considerava alemão e que os mestiços brasileiros só sabiam furtar. Gilberto Freire alegava ainda que em Pernambuco, a exemplo do Sul do país e da Paraíba, era preciso mais atitude enérgica contra os “falsos frades” que trabalhavam a favor do nazi-fascismo, pois existiam muitos destes que estavam ligados à Cia. de Tecidos Paulista.289

Com relação à ação da policia da Paraíba, Gilberto Freire estava se referindo a notícia que foi veiculada no Diário de Pernambuco de 27 de março de 1942 sobre a diligência e apreensão no Convento do Rosarinho, em João Pessoa, de material de propaganda alemã e peças de uniforme do exército brasileiro e da polícia do estado.290

Na seção religiosa do Jornal do Commercio de 17 de maio de 1942, o longo artigo: “O caso dos Conventos dos religiosos franciscanos” vêm em defesa

286 Telegramas entre Vasco Leitão da Cunha e Agamenon Magalhães. FGV AGM 42.06.13/1, 42.06.13/2 e 42.06.13/3

287

Carta de Agamenon para Góis Monteiro de 18/06/1942. FGV, AGM 42.06.18/1 288

LINS, Etelvino. Um Depoimento Político. Ed.José Olympio, Rio de Janeiro, 1977, p, 28 289

LINS, Etelvino. Op. Cit. P. 29-31. Citado em CORDEIRO, Philonila. Op. Cit. P. 37 290

Material de Propaganda Nazista em poder de frades alemães na Paraíba. Diário de Pernambuco, 27/03/1942 - APEJE

dos frades acusados, alegando que essas notícias são infundadas, divulgadas por uma imprensa hostil à Igreja Católica, pois as próprias autoridades policiais não encontraram nada que justificassem tal atitude. As roupas militares, tipo: quepes, cintos, etc foram sobras de uma doação de um alfaiate para uma quermesse na igreja do Rosário, sendo essa festa freqüentada por muitos militares. Segundo o artigo, os franciscanos da Paraíba são tidos como os melhores missionários que trabalharam no solo paraibano, sendo essas acusações vistas como “patriotismo leviano” de pessoas que se aproveitam da situação internacional para acusarem os padres franciscanos.291

No caso da acusação dos falsos frades que estariam ligados à Fábrica Paulista, o Jornal do Commercio divulgará uma cópia de uma carta de Frei Cherumbino Mones, guardião do Convento de São Francisco de Olinda endereçada ao Secretário de Segurança Pública, onde explicava quem eram os seminaristas que tinham deixado o convento, onde residiam e quando entraram no Brasil. Segundo o Jornal, esse documento esclarecia as acusações feitas por Gilberto Freire, pois esses ex-seminaristas tinham entrado no país em 1935 e 1937, portanto, muito antes do conflito internacional, e já tinham regularizado sua situação no país, citando: José Buhr, Guilherme Liensen, José Schlueter, Jayme Minkenberg, residentes em Paulista; Henrique Koening, morando em Rio Tinto; Hermano Epple, morando no Rio de Janeiro.292

A confusão que se originou com as suspeitas relacionadas com o envolvimento de membros do clero em atividades nazi-fascistas teve como reação do governo federal uma atitude em sua defesa, enviando telegrama a Agamenon

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Seção Religiosa – Igreja Católica: O Caso dos Conventos dos Religiosos Franciscanos. Jornal do Commercio 17/05/1942. APEJE

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Diligencia da Delegacia de Ordem Política e Social para esclarecer denuncia sobre supostas atividades de religiosos estrangeiros neste Estado. Jornal do Commercio 16/06/1942 – APEJE.

Magalhães para que tomassem providências de não mais admitir que veiculassem notícias que envolvessem os sacerdotes. 293 Dessa forma, tentava-se proteger a todo custo o segmento clerical representante de algo muito caro aos brasileiros, em um país de maioria católica.