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CAPÍTULO 02 A ARTE ESPÍRITA E SUAS CONTRIBUIÇÕES NA FORMAÇÃO

3.1. Os Ensaios: o dia a dia do CRB

3.1.6. Quinto encontro – o caminho

Encontramo-nos mais uma vez no GEPE, em busca de um ambiente mais propício para uma atividade intimista e complexa, chamada “(Re)elaborando seu caminho”.

O primeiro ponto discutido foi a necessidade de mais um encontro, para que a próxima atividade fosse realizada sem pressa e que o processo de debruçar sobre si fosse completo o suficiente para gerar as reflexões necessárias. Decidimos dividir o grupo em dois, para que, em menor quantidade, pudessem desenvolver um trabalho mais aprofundado. Os grupos ficaram divididos assim: Romário, Tamara e Larissa (grupo 1), Lucas, Aline, Allan e Marina (grupo 2). Tentamos formar dois grupos diferentes dos que foram formados no

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O encontro foi realizado no dia 19 de dezembro de 2012, na Faced, das 13h00 às 18h00. 32

O encontro foi realizado no dia 13 de janeiro de 2013, no Grupo Espírita Paulo e Estevão (GEPE), das 14h00 às 18h00.

momento da colaboração narrativa para que, de certa forma, novas colaborações pudessem surgir do diálogo entre diferentes pessoas.

Novamente iniciamos o encontro fazendo uma prece e lendo um trecho do Evangelho Segundo o Espiritismo. O Evangelho foi solicitado, porque era isso que fazíamos todos os domingos, antes de começar as reuniões do Arte em Cena. Na maioria das vezes, o que líamos estava diretamente relacionado com algo que o grupo estava vivendo naquele momento. Abrimos aleatoriamente o livro e a passagem que apareceu foi: O parentesco corporal e o parentesco espiritual. Ela fala sobre a família de sangue e a família de espírito. O Allan comentou que achava que havia sido sorteado esse trecho para nos mostrar que ainda formamos uma família, a família Arte em Cena. Esse sentimento de pertencimento, de reconhecimento, de companheirismo e amizade se expressa na maioria das narrativas de forma bem enfática, como no caso da Marina:

Foram nessas vivências que conheci quase a totalidade dos meus grandes amigos. A Edillany, a Tatiana, o Arthur, todos vocês que participara m deste projeto e tantos outros, pois, apesar de as intempéries da vida nos afastar fisicamente, o carinho e o desejo da felicidade do próximo é tamanho, que parece que somos membros da mesma família. [...] E houve tantos outros aspectos importantes, tais como o companheirismo e a união que nos permitiu desenvolver um trabalho sério, recheado de alegria, formando uma família eterna, a família Arte em Cena, pois “uma vez Arte em Cena, sempre Arte em Cena”.

Foi nesse clima que iniciamos o nosso 5º encontro. Primeiro, fizemos uma dinâmica de relaxamento para que eles pudessem se concentrar ainda mais na atividade. Pedi que eles fechassem os olhos e os conduzi a caminhar pela estrada de suas vidas. Observar por onde eles já haviam passado, as curvas, os atalhos, os outros caminhos que apareceram, as experiências que tiveram e que mudaram o sentido já traçado. No meio do caminho, solicitei que eles chegassem até o ponto onde o Arte em Cena começava a fazer parte da trajetória de cada um. Pedi que parassem naquele local e observassem com atenção o que aquele marco significava para eles. Depois, eles continuaram caminhando até chegar aos dias de hoje.

Após todo esse processo, iniciamos o “(Re)elaborando seu caminho”. Cada um pegou uma cartolina e desenhou uma representação de sua trajetória, da forma que quisesse.

Como a atividade estava dentro de um contexto de pesquisa, solicitei que destacassem o Arte em Cena nesse caminho. Alertei para que observassem se, após o Arte em Cena, algo em suas vidas havia mudado ou se continuava da mesma forma. Indiquei que era importante pensar no futuro, não deixando de se questionar “para onde eu gostaria que esse caminho me levasse?”. Destaquei, também, que eles deveriam utilizar as cores para expressar e representar emoções, sentimentos e aprendizados.

Coloquei uma música bem reflexiva, daquelas que nos remetem a longos caminhos por estradas deslumbrantes, e começamos a desenhar. Particularmente, o meu surgiu na hora. Foi como um passe de mágica. Eu não havia parado para pensar em como faria o meu caminho. Na verdade é bem difícil animar33 e participar de um CRB. São muitas responsabilidades, e parar para pensar em si e vivenciar esse processo de forma profunda é um pouco difícil. Mas, com o suporte e a dedicação que os participantes/atores/autores mostraram, tudo fluiu de forma tranquila. O caminho e a narrativa deles revelam muito de mim. É como se a minha história se refletisse na deles, como se eu “me observasse através dos olhos deles” (DELORY-MOMBERGER, 2008; JOSSO, 2010).

Passou-se mais ou menos uma hora e eles foram finalizando aos poucos. Alguns fizeram umas brincadeirinhas de antigamente, implicando com os outros, jogando borracha e fazendo piadas. Novamente me vi buscando um equilíbrio de deixar que as coisas acontecessem naturalmente, ou seja, não reprimir as manifestações deles, estando, ao mesmo tempo, em constante estado de alerta, para que mantivéssemos a seriedade que a atividade demandava.

Fiquei encantada com os caminhos. Achava que no fim, eles acabariam sendo similares, já que estamos tratando de uma experiência comum a todos eles. Mas os caminhos foram totalmente diferentes uns dos outros, demonstrando que, apesar de termos vivenciado as mesmas situações, o significado daquelas experiências e os aprendizados que elas trouxeram para os nossos caminhos é construído por cada um de forma singular.

Depois de finalizados, a proposta era que cada um apresentasse e explicasse seu caminho para os colegas. Porém, algo interessante e inusitado aconteceu. O Romário pegou o caminho dele e disse: “Antes de eu começar a explicar, me digam o que vocês acham que é o

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Josso (2010) chama de animar a ação de conduzir as atividades dos grupos de trabalho com experiências de vida em formação. Animador é o pesquisador responsável por conduzir. Olinda (2010) aderiu a nomenclatura quando idealizou o CRB.

meu caminho... interpretem-no!”. Achei isso fantástico. Todos já conheciam as narrativas dos outros, mas a experiência de observar aquilo representado por desenhos, imagens, cores, formas e palavras funcionou como uma espécie de aproximação com sua própria história, através da interpretação do outro e dele mesmo. (DELORY-MOMBERGER, 2008)

Decidimos adotar esse processo para todas as outras apresentações. Sobre essas questões de improviso, que surgem durante o trabalho de campo, Josso (2010) afirma que é bom e saudável para a pesquisa. Adequar os procedimentos às necessidades e aos anseios dos participantes/atores/autores é indispensável para assegurar um bom desenvolvimento do trabalho. Para isso, é preciso ter um olhar atento e uma sensibilidade aguçada, para identificar o que pode ou não ser inserido, retirado ou modificado.

Sendo assim, as apresentações se deram da seguinte forma: primeiramente todos observavam o caminho do colega e interpretavam o que seria cada elemento. Em alguns momentos, as pessoas davam significados a elementos que nem o próprio autor havia considerado, revelando que o olhar do outro, em muitos momentos, é decisivo no [re]conhecimento da nossa própria história. O Romário, por exemplo, no seu caminho, representou várias ondas que mudavam de sentido à medida que ele mudava o direcionamento da sua vida (seus objetivos, planos, aspirações). O Allan fez um comentário que surpreendeu o próprio Romário, dizendo que:

A onda que representa o Arte em Cena é o momento em que a sua vida começou a se

“organizar”, por isso a onda estava mais harmônica. Já a onda final, a de hoje em dia, está levando você na mesma direção que a onda do Arte em Cena apontava.

Dessa forma, os caminhos foram sendo (re)interpretados e (re)elaborados de forma coletiva e compartilhada. Ao fim do processo, indaguei como eles estavam se sentindo e o que haviam achado da atividade. O Romário disse que estava sendo algo muito interessante e diferente. O Allan e a Tamara disseram que estava sendo muito rico, porque dificilmente nós paramos na correria do nosso dia a dia para pensar na nossa vida, nos nossos sentimentos, nos nossos aprendizados e na nossa história. O Lucas comentou que havia sentido muita dificuldade no começo, mas quando teve a ideia da tablatura, as coisas fluíram.

organizar isso dentro de um desenho é um esforço grande que fazemos para compreender o nosso caminho, a nossa história. Se esse esforço for dedicado e contínuo, a reflexão a respeito da vida e dos nossos aprendizados, certamente ficaria muito mais simples e natural.

Para finalizar, o que mais me chamou a atenção nesse encontro, foi um comentário que o Allan fez após todo o processo. Ele disse que essa atividade tinha feito com que ele resgatasse o sentimento de estar novamente no Arte em Cena e na MEPE, porque lá era o único lugar que ele tinha para falar de si, da sua vida, dos seus problemas, dos seus pensamentos e sentimentos. Essa afirmação revela um pouco da dimensão e da importância que aquela experiência teve em nossas vidas.

Os caminhos serão apresentados e analisados no capítulo 04, intitulado Arte em Cena e suas Produções de Saberes: Narrativas de uma Experiência Formativa, mas especificadamente no item 4.1, cujo nome é A peça: Os aprendizados experienciais e os projetos vitais, antes, durante e depois do palco.