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Quinto Encontro – Pandemia e lembranças de um tempo escolar:

5. O SUJEITO EM CENA, ENSINA - O QUE ADOLESCENTES DIZEM SOBRE

5.1.5 Quinto Encontro – Pandemia e lembranças de um tempo escolar:

No quinto encontro, a pedido dos próprios adolescentes na conversa anterior, as pesquisadoras orientadoras desta pesquisa participaram na condução do encontro. Nesse contorno, foram resgatados os temas abordados: o trabalho e o cansaço gerado por ele; a pandemia que fez com que eles ficassem sem o contato direto com a escola; e o Ensino Remoto que se insere em suas rotinas.

Libéria: Agora vocês estão fazendo atividade só em casa né? Chega é pela Internet?

Valdo: É, chega pela Internet.

Libéria: O que vocês estão achando disso, hem? Valdo: Nada Legal.

Joca: Hum... É que do nada surgiu à ideia de atividade em casa né. Assim, tem que ter né, porque como diz minha vó, se não a gente fica burro, mas tem que ser tudo planejado, nos mínimos detalhes possíveis, porque sempre dá uma coisa de errado. Uma entrega que você tem que fazer, dá errado. Uma questão que você vai fazer, dá errado... É muito complicado.

Iara: Porque não dá para aprender direito, né? Eu não consigo. Eu, Iara, por mim, eu não consigo. Sério. Tem muita coisa que eu chuto, coisas que eu não entendo, que eu não acho na Internet, eu vou lá e chuto, porque tipo assim, eles pedem pra gente mandar e-mail. Aí eles demoram para responder e a atividade tem que entregar no dia. Libéria: Entendi. Durante a aula, na escola, você aprende mais? Iara: Com certeza.

Joca: Apesar de que muitos alunos não gostam, na escola a gente aprende melhor.

Valdo: Óh, eu falo: eu não gosto, mas... A gente realmente aprende melhor.

Valdo: Da escola. Mas é necessário, então né... Eu gosto do ambiente. É aquele ditado: De perto você quer longe, de longe faz falta. Entendeu?

Esse trecho discursivo faz emergir algumas discussões importantes no percurso de desenvolvimento da pesquisa. Os adolescentes vêm trazendo, a todo tempo, as experiências deles com relação às transformações que a pandemia acarretou em suas vidas, principalmente as que se referem ao espaço escolar. O Ensino Remoto não tem conseguido enlaçar o sujeito tal como a escola consegue em nível de aprendizagem, socialização, encontros ou algo que os amarre a ponto de, mesmo não gostando da escola, frequentá-la porque é necessário ou porque

gostam do ambiente. O que a escola tem oferecido a esses jovens para fomentar

esse enlace? O que eles encontram nesse espaço que a sua ausência é tão sentida? Eles nos ensinam sobre isso, quando questionados sobre a falta que escola faz.

Libéria: Você tá sentindo falta?

Valdo: Tô. Dos amigos, dos professores, a matéria não. Mas de todo o resto assim, tá ótimo. A gente já tá acostumando, acostuma. Querendo ou não, acostuma.

Libéria: Mas tem coisas lá que você gosta então, né?

Valdo: Tem. Eu até gosto das matérias assim, mas não gosto tão... Tipo, nossa senhora, gosto muito. Eu faço né, mas não amo tanto assim.

Joca: É aquele negócio né. Quando você tá na escola, você deseja tá em casa. Agora que tá em casa, cê deseja ir pra escola. Aí vai indo, tudo a mesma coisa.

Iara: Nossa, e muita. Muita falta.

Mônica: Além das pessoas, de que vocês sentem falta também? Joca: Alguns professores.

Iara: A comida.

Valdo: Nossa, eu lembro da época. Joca: Aquele frango era maravilhoso.

Valdo: Era aquela briga nas filas... E a Tânia “para de correr, menino”. Joca: A Tânia era doidona. Época boa.

Valdo: Ôh época boa viu... Época boa.

“Ô época boa, Ô época boa...”. É com essa expressão que eles vão nos relatando

sobre o que a escola tanto tem e que lhes desperta o interesse de estar nesse lugar. É preciso refletir, também, como já dito nesta dissertação, que para muitos

desses jovens de camadas sociais populares e periféricas, a escola preenche uma função social muito importante na vida deles enquanto espaço que lhes concede acesso a direitos fundamentais, como alimentação, cultura, dignidade humana, proteção, segurança, entre outros. Todavia, o que chama a atenção são os discursos adolescentes que associam a falta da escola à figura do professor.

Valdo: Nóh, os professores são ali... Eu não sou de bajular professor, mas aqueles professores são excelentes demais e, querendo ou não, quando cê muda de escola, são novas coisas né? Novos professores, só que você acostuma. E quando você já está acostumado, tipo assim, igual há dois anos, ai muda, cê acha estranho. Mas lá tem professores excelentes. Sério. Se tivesse [o ensino médio] eu ficava lá [na antiga escola] sem pensar duas vezes.

Libéria: Agora eu fiquei curiosa, o que é um professor excelente? Valdo: Um professor que te explica, um professor que ajuda você... Igual muitos falaram lá na época, tem professor que atura nós só para receber. E aí? Muitos falaram isso. Claro, eles estão lá para receber mesmo, mas o que me chama atenção em um professor é ele querer demonstrar segurança para o aluno, que vai colocar aquilo na cabeça do aluno.

Joca: No meu primeiro ano tinha um professor que era super legal. Ele brincava com todo mundo. Deixava a gente fazer as atividades sossegado. Quando ele tava bem, ele saia brincando com todo mundo, dava pontos pra todo mundo.

Libéria: Sei, é um professor que ajuda né.

Joca: É. Se a gente tirasse uma nota ruim na prova dele, ele pedia pra gente fazer um trabalho para recuperar a nota.

Quando o adolescente Valdo aborda a ideia do professor excelente foi necessária uma intervenção para que entendêssemos o que ele estava chamando de professor excelente. O que é e o que faz um professor excelente? O que esse professor desempenha para ser considerado excelente?

“Demonstrar segurança”; “Um professor que ajuda”. Os sujeitos que estão

fazendo o atravessamento pela adolescência estão a todo tempo buscando uma referência que os auxiliem por esse tempo delicado e turbulento, e é nesse sentido, que os professores, como descreve Grillo e Lima (2020), podem exercer um papel fundamental para eles. No entender das autoras:

Isso é afirmado, pois a relação professor-aluno pode ser decisiva para abrir ou para fechar o acesso do jovem ao saber: um professor não ensina conteúdos, mas transmite um saber que o atravessou e o transformou, causando o seu desejo de ensinar. A transmissão do saber é sempre da ordem de um encontro entre o desejo de ensinar e o de aprender (GRILLO; LIMA, 2020, p. 9).

Podemos entender, então, que os professores possuem papel significativo na constituição da subjetividade. Freud, em 1910, no seu texto Contribuições para

uma discussão acerca do suicídio, descreve-nos que o professor deve despertar

o interesse do aluno pelo saber, transmitir algo da cultura que possa enlaçar os adolescentes, de modo que esses possam (quem sabe?) inscrever o desejo. Ou seja, a escola pode oferecer aos adolescentes um apoio, um suporte e uma orientação diante do nada de saber despertado pela puberdade, fomentando condições de inventar-se em direção ao social a ponto de que esses possam saber lidar com as transformações presentes em suas vidas e proporcionarem condições de se (re)inventarem em direção ao social.

No entanto, neste momento atual que estamos vivendo sob um tempo de pandemia, essa relação entre aluno e professor sofre um corte, uma interrupção na transmissão do desejo de saber pela via da transferência, uma vez que “[...] na sala de aula, o aluno ocupa esse lugar de quem pede, que espera e que acredita que terá uma fome saciada, seu desejo satisfeito, pois vê a sua frente aquele que (supostamente) sabe que é capaz de encher-lhe de saber‖ (ORNELLAS, ANTONINO, 2017, p. 292).

A transferência na sala de aula favorece os dois lados da moeda, tornando-se estatuto fundante para que se instale o desejo de aprender e o prazer de ensinar, duas pontas de uma mesma corda. O aluno é, então, aquele que esperado professor algo a mais, ou especificamente, algo da ordem do seu saber, que fomente indagações, dúvidas e inquietações (ORNELLAS, ANTONINO, 2017, p. 293).

Dando prosseguimento à conversa, Mônica, umas das pesquisadoras orientadoras, questionou se eles estavam tendo contato com os seus amigos pelo WhatsApp e se eles tiveram alguma experiência de encontro virtual com a sua turma de escola. Apenas Valdo teve essa experiência. Relatou que foi um momento único em que a turma se reuniu com uma professora e que foi muito divertido. Riram, choraram, conversaram, mataram a saudade uns dos outros, mas afirmou que a professora não conseguiu trazer o foco para a aula por conta das conversas que foram rendendo naquele encontro.

Libéria: E foi legal?

Valdo: Foi, foi divertido. A turma toda reuniu. Nossa, nós choramos, conversamos. Ai um falava e mutava para a professora não vê. Foi bom. Porque, era uma coisa assim, todo mundo zoando, matando a

saudade dos amigos, aí não dava nem pra entender o que a professora tava falando não.

Libéria: E vocês não quiseram fazer entre vocês? Combinar de encontrar assim...

Valdo: Com isso de quarentena, muita gente desanimou demais. Eu mesmo desanimei demais na quarentena. Acabou comigo.

Libéria: Por que Valdo?

Valdo: Ah, antigamente era mais fácil né. Antigamente, querendo ou não, eu já não tinha tempo pra nada né, depois que eu comecei a trabalhar, eu não tinha tempo, mas sábado assim, ia no shopping aqui perto de casa em Contagem, a gente ficava lá, trocava uma ideia, querendo ou não, era um momento bom. Agora com esse trem de quarentena, a gente não pode nem fazer isso. Então, tipo, desanimei totalmente mesmo.

O cotidiano de encontros parece manter a vontade de continuarem se encontrando. A distância, que se supõe ser suprida pelos meios digitais, mantém-se e provoca desânimo. Na sequência, eles abordaram aquilo que se perde com a falta do espaço escolar.

Joca: [...] Pelo fato dá gente trabalhar, nós 03 aqui, ela faz falta porque já é mais uma distração né, sem ela eu me sinto totalmente estranho, eu me sinto estranho demais. Eu não fico normal. Até agora... Parece que eu desconecto do mundo assim oh, parece que puxa assim, e eu não sei mais nada. Aí é um fato muito ruim assim.

Iara: Por que assim, a gente via as mesmas pessoas todos os dias né, os mesmos amigos, os mesmos professores, aí num dia a gente parou de ver todo mundo e uma hora a gente fica meio triste né, dá saudade daquilo.

Joca: Ficamos sem rumo.

Libéria: Ô Joca, quando você falou ai que tava sem rumo né, eu fiquei pensando qual é o rumo que a escola dar?

Joca: O rumo que talvez leve a nossa decisão do que nós queremos ser, com o que trabalhar quando crescer. Nossa carreira profissional né, porque na escola a gente estuda para saber qual lugar que nós vamos né?! Se nós vamos para o caminho certo ou se nós vamos para o caminho errado. Porque tem muitos que escolhem o caminho errado, mesmo sabendo de tudo que pode acontecer. É isso, é isso que eu acho.

Monica: A escola ajuda a dar uma direção. Seria isso? Joca: A escola ajuda e os pais com chinelinho na mão.

Pesquisador: Ô Joca, você disse que a escola dar um rumo para vocês seguirem pelo o caminho certo ou pelo caminho errado. Que caminho é esse? O que seria esse caminho certo, o que seria esse caminho errado?

Joca: O caminho certo seria aquele que na sua jornada você chega na vida profissional né, o trabalho, uma boa vida. E o caminho errado seria aquele que o menino pode sair da escola, não quer estudar mais, vai

para o rumo das drogas, do roubo, ou talvez, só que ficar vagadiando na vida mesmo.

Freud (1925, p. 307), ao escrever o Prefácio a Juventude Desorientada, de

August Aichhorn, reflete sobre o objetivo da educação que consiste, segundo

ele, em “[...] orientar e assistir as crianças em seu caminho para diante e protegê-las de se extraviarem" ou como esses adolescentes descrevem um rumo; um

caminho certo, uma direção.

Além disso, em outros dos seus escritos como, por exemplo, Um estudo

autobiográfico (1925a) e Sobre a psicologia do Colegial (1914), Freud ressalta a

importância da escola e dos professores na vida dos alunos e utiliza de episódios da sua própria história para descrever como esse ambiente foi significativo para a sua formação, auxiliando-o em seus pensamentos, suas escolhas e sua profissão. Isso aparece bem evidente nas falas dos adolescentes desta pesquisa que destacam a escola como um lugar que lhes permite estabelecer rumos e uma direção profissional, um caminho a vida adulta. O trecho abaixo reforça isso:

Libéria: Qual rumo mais que tem lá na escola?

Valdo: Muito. Tem muitos. Tipo assim, a escola já te prepara para ser o profissional né. Desde cedo, ela já tá te preparando pra ser profissional. Aí terceiro ano, muita gente ainda forma e não sabe o que quer ser. Não sabe o que seguir, muita gente. Aí tipo assim, no meu caso, desde o 9 ano que eu tô com essa ideia na cabeça e não vou querer trocar nunca, que tipo assim, eu já sei o que eu quero ser, comecei a ver isso semana passada lá na minha empresa, planejando meu futuro já, e agora partiu estudar para ser polícia.

Caminhando para o fim, Libéria perguntou-lhes como eles acham que será o primeiro dia de aula após a pandemia e houve um misto de incertezas e vontades presente em suas falas.

Libéria: Como vocês acham que vai ser o primeiro dia de aula presencial?

Iara: Eu não sei não.

Joca: Eu acho que eu vou assustar, porque, nuuh. Credo! Iara: Abraçar né?

Libéria: Tem muita gente lá que você gostaria de dar um abraço? Iara: Tem...

Libéria: Que bom. A escola é um lugar de abraçar, comer frango, aprender, de dar uma voadora a quem chega por último, de fazer teatro, tocar tamtam, pandeiro, de dar um rumo...

Por fim, pontuamos as vivências positivas que a escola possibilita e todos os adolescentes agradeceram o espaço de fala, ressaltando como foi boa a experiência de participarem da pesquisa.

Foi possível perceber, ao longo dos cinco encontros, o quanto os adolescentes podem nos ensinar com as suas experiências, com os seus saberes, os seus discursos e com os seus desejos em manifestarem seus pensamentos, reforçando a importância de um espaço de fala que os acolha frente ao tempo da adolescência. Mas o que fazer com tudo isso?