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Capítulo III: RÉGIS

2. Réponse de Régis

A segunda seção do terceiro capítulo tem por objetivo analisar as críticas que Pierre Sylvain-Régis oferece aos argumentos da Censura de Huet, especialmente em relação ao primeiro capítulo dessa obra, que aborda a dúvida e o cogito cartesianos75. A obra de Régis abordada será a Réponse au livre qui a pour titre “P. Danielis Huetii,...Censura philosophiae cartesianae”. Nos deteremos nos pontos da discussão que ressaltamos na segunda seção do segundo capítulo, quando tratamos dos argumentos de Huet na crítica a Descartes referentes à dúvida e ao cogito. Esses pontos são mais precisamente: a dúvida como fundamento ou não da filosofia cartesiana; a suposta contradição entre as verdades das matemáticas poderem ser contestadas e o que é evidente não poder ser contestado; a existência como sendo ou não inferência do cogito e o argumento do Deus Enganador como argumento mais contundente da dúvida cartesiana, que uma vez posto não poderia ser superado. Ponderaremos a pertinência dos argumentos de Régis em resposta a Huet frente os argumentos de Descartes.

Antes de nos determos nos pontos específicos dessa discussão, nos dedicaremos brevemente ao prefácio da Réponse de Régis em que ele justifica seu empenho em responder as críticas de Huet. No prefácio, Régis destaca a proeminência de Huet que, diferentemente do

modalité de l‟âme, comment cette modalité finie representera-t-elle l‟infini? Elle le représente, selon Regis, comme l‟être le plus parfait que nous puissions concevoir, est-il réellement infinie, ou seulement indéfini, voilà sur quoi Régis semble éviter de s‟expliquer”Bouillier (1970, 521).

75 Escolhemos por não abordar as respostas de Régis às críticas de Huet ao argumento da existência de Deus da

Terceira Meditação, uma vez que o que justificou sua apresentação anteriormente foi essa ser parte importante

da resposta de Descartes à dúvida e consequentemente também importante sua refutação para aqueles que, como Huet, negam a validade do cogito enquanto princípio. Isso porque, no momento da Segunda Meditação o cogito é encontrado enquanto independente e anterior ao conhecimento do que é objeto dos sentidos, mas sua legitimidade enquanto ideia clara e distinta depende das provas da existência de Deus que garantem a integridade das faculdades humanas, e consequentemente, a verdade do que é intuído. Porém, como Régis aceita o cogito como princípio, consideramos melhor restringir a abordagem ao que seriam suas respostas às críticas à dúvida, que é propriamente o objeto da presente dissertação. Além, disso, nosso enfoque também se dá sobre as tréplicas de Huet, que na edição da Censura de 1694, atém-se principalmente ao Primeiro Capítulo, que trata especialmente da dúvida e do cogito. É sobre essa disputa interpretativa que o terceiro capítulo concentra sua atenção.

que ele considerara como críticos vulgares, gozaria de prestígio público e mérito pessoal76. Uma vez explicitado o apreço pelo autor, Régis também elogia os argumentos por ele oferecidos contra Descartes ao considerá-los fortes e bem articulados77. Régis chama a atenção para a dificuldade em responder as críticas de Huet sendo reticente quanto ao sucesso do que por ele será proposto. Parte dessa desconfiança, Régis atribui ao estilo que ele adotaria em suas respostas78. Ao escolher apresentar sua crítica de modo analítico-demonstrativo, em que pontua questão a questão as críticas de seu adversário, Régis parece estar ciente de que se ater à argumentação sem recorrer a outras estratégias estilísticas poderia parecer enfadonho e pouco persuasivo. No entanto, tal escolha parece deixar implícita uma crítica ao tom retórico do texto de Huet, que poderia desviar a atenção do que é realmente central em Descartes79. Ainda gostaríamos de mencionar em relação ao prefácio como Régis anuncia a estrutura da resposta que se segue. Régis escolhe seguir passo a passo a argumentação de Huet. Para isso, acompanha a divisão proposta pelo autor em que cada capítulo é composto de artigos. Régis responde a cada artigo conforme a ordem de argumentos apresentada. Em cada artigo ele reapresenta a posição de Huet, traduzindo-a do latim para o francês. Dentro de cada artigo, por haver raciocínios distintos, eles seriam marcados para que o leitor soubesse qual argumento específico de Huet estaria sendo refutado por Régis. Régis destaca que sua exposição seria breve porque se ateria ao essencial e não deveria por isso parecer mais obscura, mas, pelo contrário, mais agradável ao leitor80.

A partir dessa breve apresentação entrevê-se a tensão entre Huet e Régis. Essa tensão é anunciada principalmente no que diz respeito à diferença de estilo. Enquanto Huet atenta-se à retórica de Descartes, apontando ironicamente sua vaidade travestida de simplicidade, Régis faz da própria apresentação de sua crítica o que ele consideraria uma apresentação fidedigna de Descartes no que concerne ao estilo breve, conciso e direto, sem adornos ou excessos (a

76 “Comme ils sont l‟un (Samuël Parker) et l‟autre (Huet) distinguez par leur merite personnel, par leur doctrine profonde & par la dignité de leur emplois , on n‟a pas cru que leur objections deussent demeurer sans réponse como celles des Antagonistes vulgaires de Mr. Descartes” (Réponse, prefácio n.p.).

77“... quelles [as objeções de Huet} me paroissent extremament fortes, & bien concertées” (Réponse, prefácio n. p.).

78 “J‟opposois à cela, que ce sortes de réponses sont difficiles; que le success en est douteux; qu‟on se ennuye d‟ordinaire en les lisant, surtout quand la satyre en est bannie, comme elle le sera toujors de tout ce que je feray” (Réponse, prefácio n. p.).

79 Acredito que nesse ponto a diferença entre Huet e Régis esteja na posição que cada um resguarda a respeito da retórica. Enquanto Huet se vale dela em sua argumentação, considerando-a positivamente, Régis pretende se afastar dela, entendendo-a como recurso que maqueia o discurso verdadeiro. O tom irônico de Huet presente na

Censura torna-se mais enfático na sátira que Huet escreve em resposta a Réponse de Regis entitulada Nouveaux Memoires pour servir à l’Histoire du Cartesianisme.

escolha do tom mais seco no texto de Régis estaria para o autor associado a uma sobriedade que conferiria ao texto mais seriedade e objetividade).

Passaremos às considerações de Régis na Réponse sobre críticas oferecidas por Huet na Censura. O primeiro ponto de disputa diz respeito à dúvida ser ou não fundamento da filosofia cartesiana81. Huet apresenta a dúvida como fundamento da filosofia cartesiana, mas Régis contesta tal posição. Para Régis, o fundamento da filosofia cartesiana seriam as verdades simples, conhecidas por elas mesmas, sobre as quais todas as outras verdades estariam apoiadas. A dúvida seria para Régis apenas uma suspensão do juízo a respeito de tudo aquilo que se acredita saber para que se tenha a oportunidade de reavaliar as crenças, o que seria feito na Segunda Meditação. Já ponderamos no Capítulo 2, seção 2, de que modo Huet considera a dúvida como fundamento e como essa interpretação pode ser pertinente em relação à Primeira Meditação de Descartes. Nesse momento vamos dar atenção ao modo como Régis considera a dúvida. Parece acertada a colocação de Régis de que a dúvida seria uma suspensão do juízo sobre crenças que deveriam ser reavaliadas, porém, ao considerar a dúvida como somente suspensão do juízo, parece que Régis não reconhece a radicalidade da dúvida hiperbólica como instrumento que separa as vias do conhecimento sensível e inteligível, establecendo uma ordem de prioridade entre elas. Nesse sentido, a resposta de Régis se aproxima da crítica que Gassendi faz nas Quintas Objeções82 à Primeira Meditação, no sentido de que considera a dúvida como suspensão do juízo. Gassendi aceita uma dúvida que permita uma reavaliação das crenças, mas nega a legitimiade de dúvidas como a do sonho e a do Deus Enganador, que não seriam reais. Régis não nega as dúvidas radicais, mas as trata como fictícias, mitigando-as, considerando como reais apenas a dúvida em relação aos dados dos sentidos (a essa questão voltaremos mais adiante). Descartes responde a Gassendi enfatizando o valor legítimo das dúvidas hiperbólicas como necessárias para a suspensão de crenças arraigadas, que precisam de um esforço contrário ao de nossas inclinações para que sejam suspensas. Nesse momento Descartes fala da legitimidade de se recorrer a falsidades para que se lance luz sobre o que é verdadeiro. Em relação às Quintas Objeções e Respostas83 e Régis, Descartes, diferentemente do cartesiano, enfatiza a especificidade da dúvida hiperbólica, ainda que a considere como artifício para que se descubra o que com certeza pode ser reconhecido como verdade.

81 Réponse, 1-3. 82

Philosophical Writings, 180. 83 Philosophical Writings., 241-242.

Um segundo ponto84 da resposta de Régis refere-se ao estatuto da dúvida cartesiana, se ela seria real ou fingida. Regis defende que a dúvida de Descartes é séria e se impõe até que as crenças sejam revisadas e possa ser separado o que se pode conhecer verdadeiramente e o que não. No entanto, Régis nos diz em contraposição à Huet que a dúvida ser séria não implica tomar por incerto ou falso o que é evidente. Nesse momento da argumentação de Régis entendo que ele nuança corretamente as posições de Descartes, apresentando-as de forma mais fidedigna que Huet. Isso porque em Descartes tomar por falso ou incerto não é o mesmo que considerar falso. Descartes toma por falso o duvidoso, uma vez que seu intuito é eliminar o meramente provável, retendo somente o verdadeiro, e isso não implica em aceitar contraditórios ou contrapor tudo o que se mostrar certo85. Ainda assim, para Huet, que não aceita a validade do cogito, o argumento do Deus Enganador, a despeito do que Descartes pretenderia, colocaria em questão a validade das regras lógicas e consequentemente de tudo que é evidente, implicando necessariamente a falibilidade das faculdades cognitivas humanas. Na sequência de sua argumentação, ainda em relação à dúvida ser real ou fingida, Régis faz a seguinte ponderação: quando Descartes propõe o passo mais radical da dúvida e coloca em questão o que se considera evidente, ele não proporia uma dúvida real, que diz respeito à natureza das coisas elas mesmas, mas esse tipo de dúvida seria fictício/ fingido/ metódico/ hipotético/ hiperbólico/ metafísico. Ao colocar todas essas características lado a lado, Régis explicita sua mitigação dos passos mais originais da dúvida de Descartes, uma vez que atribui como falso o caráter hiperbólico da dúvida86. Na medida da minha compreensão, essa distinção que Régis propõe não se adequa ao quadro que Descartes apresenta, uma vez que, enquanto passos do método, todas as dúvidas propostas seriam igualmente válidas e legítimas (a dúvida em relação aos dados dos sentidos, a dúvida em relação à realidade do

84 Réponse, 3-5.

85“É, portanto, em boa hora que, hoje, a mente desligada de todas as preocupações, no sossego seguro deste retiro solitário, dedicarme-ei por fim a derrubar séria, livre e genericamente minhas antigas opiniões. / Ora, para isso não será necessário mostrar que todas elas são falsas – o que talvez nunca pudesse conseguir-, mas, porque a razão me persuade de que é preciso coibir o assentimento, de modo não menos cuidadoso, tanto as coisas que são de todo certo e fora de dúvida quanto às que são manifestamente falsas, bastará que encontre, em cada uma, alguma razão de duvidar para que as rejeite todas” (Med., 21-23).

86 “Il faut ajouter, Monsieur, que quand il [Descartes] a dit qu‟il falloit douter des choses evidentes, il n‟a pas entendus parler d‟um doute véritable, que se tire de la nature même des choses qui ne se manifestent pas assez à notre esprit pour y produire des idées claires et distinctes, mais d‟um doute feint et de methode, qu‟il [Descartes] appele lui-même dans le 30º nombre de la Iº partie des Principes, Hypothetique, Hyperbolique ou Metaphysique; parce qu‟il depend non de la nature de choses, mais de la seule resolution qu‟il a faite d‟examiner de nouveau, non seulement tout ce qu‟il a crû scavoir, mais encore tout ce qui se presentera à l‟avenir à son esprit pour en porter son jugement. [...] Il y a donc deux sortes de doute: um doute veritable, et un doute feint et de methode. Le doute véritable procede comme il a été dit, de la nature même des choses que ne se découvrent pas assez à l‟esprit pour parâitre entierement evidentes; et le doute feint et de methode procede, non de choses mêmes, mais de la resolution que nous prenons de remetre à l‟examen tout les jugements que nous avons faits.” (Réponse, 3- 5)

mundo exterior, a dúvida em relação a nossa origem). Nesse sentido, a distinção que Régis apresenta em sua argumentação explicita um ponto que Huet parece ter melhor compreendido, que seja, a originalidade da dúvida da Primeira Meditação. Quando Régis apresenta os graus mais radicais da dúvida, que é o que a particulariza enquanto metafísica, como fingidos, ele diminui o valor da radicalidade que é único da dúvida de Descartes. A dúvida, ao que me parece, é hipotética porque deliberada, e instrumental, porque método, mas não entendo que ela possa ser considerada fingida. O que aceito e considero mais apropriado para tratar do estatuto da dúvida é a distinção que Descartes propõe na Primeira Meditação87 entre razões da ordem do conhecimento e da ordem da vida prática. Sendo o propósito de Descartes limitado às razões de conhecer, todas as dúvidas da Primeira Meditação seriam igualmente verdadeiras. Além disso, quando Descartes apresenta o último passo da dúvida hiperbólica, ele se refere às razões apresentadas até então, como “robustas e meditadas razões” (Med., 29). O termo fingir aparece quando Descartes apresenta o artifício do gênio maligno88, que, além da dúvida e para corroborá-la, seria a atitude deliberada de ir em direção contrária ao que os dados dos sentidos impeliam para que se contrabalanceasse o peso dos prejuízos. Tal decisão seria razoável de ser tomada, pois só a dúvida não era suficiente para evitar a força do hábito sobre a formação das nossas crenças, de modo que voluntariamente se fingiria considerar como falso, o que não poderia ser normalmente considerado como falso, a saber, a realidae exterior.A interpretação de Régis da dúvida a partir da distinção entre dúvida real e fingida nos remete, mais uma vez, a Gassendi. Este aceita a dúvida tal qual posta pela tradição cética pirrônica, mas se nega a validade da dúvida radical de Descartes. O paralelo com Régis, nesse ponto, não diz respeito à leitura de Gassendi do ceticismo antigo, mas ao fato de ambos validarem a dúvida de Descartes apenas enquanto suspensão do juízo, e considerarem apenas a dúvida em relação às coisas elas mesmas como real. Para Régis, o erro de Huet seria tirar consequências da dúvida hiperbólica que só podem ser tirados de uma dúvida real. No entanto, uma vez essa distinção de Régis sendo questionada, as consequências que ele tira dos argumentos de Huet não se sustentam. O que se poderia manter seria que para Descartes as coisas evidentes foram ora tomadas por incertas (pela dúvida) ou falsas (pelo gênio maligno), mas não consideradas como tais, como Régis adverte, o que não permite que se mantenha certas colocações de Huet.

87“Com efeito, sei que nesse ìnterim não sucederá perigo ou erro algum, não posso ser mais indulgente do que devo com minha desconfiança, pois, agora, não me proponho agir, mas apenas conhecer” (Med., 31).

Os dois pontos da resposta de Régis, destacados até então, referiram-se ao primeiro artigo da Réponse. O próximo ponto a ser tratado refere-se ao segundo artigo89 e diz respeito à crítica posta por Huet sobre a falibilidade das faculdades cognitivas humanas decorrentes do argumento do Deus Enganador, apresentado na Primeira Meditação. Régis nega que Descartes tenha afirmado que a razão é falha ou que essa posição possa ser decorrente das hipóteses do filósofo. Régis diferencia entre um erro que advém de um juízo equivocado sobre o que os dados dos sentidos nos apresentam e do erro poder persistir mesmo que façamos bom uso da razão, ou seja, do erro estar condicionado a um uso reto da razão ou ser dele independente, sugerindo uma fragilidade na faculdade cognitiva ela mesma. Para Régis, Descartes não admitira essa última hipótese, e isso ficaria claro ao argumentar que Deus existe e não pode ser enganador. Aqui gostaria de fazer duas observações: entendo ser pertinenente a colocação de Regis de que Descartes não afirma a falibilidade da razão, uma vez que razão e juízo permaneceriam íntegros após a dúvida ter sido supostamente respondida, e a causa do erro seria a precipitação da vontade sobre o intelecto ao afirmar como verdadeiro o que não se conhece por clareza e distinção90; ainda assim, ao responder a crítica de Huet a partir dos argumentos da existência de Deus, acredito que Régis não responda satisfatoriamente a questão, pois Huet não aceita tais argumentos, de modo que sua crítica permanece em aberto. Tendo feito essa consideração, entendo ser mais pertinente a crítica que Régis especifica no final do segundo artigo do Capítulo 1, no qual diz Huet não ter sabido distinguir em Descartes o que seriam ideias obscuras e o que seriam juízos e raciocínios falsos. Para Régis, Huet teria confundido a faculdade de julgar ela mesma, com o mau uso que pode ou não ser feito dela. Nesse sentido, considero Régis mais acertado na interpretação que oferece de Descartes, pois entendo Descartes admitir que possa haver ideias confusas sobre as quais ainda não houve discernimento para conhecer o que é claro e distinto, mas não que a faculdade ela mesma de julgar seja falsa. A faculdade de julgar atribuiria verdade ou falsidade às coisas, mas ela mesma estaria isenta desse tipo de predicado. Para Descartes, a razão seria uma faculdade íntegra, mas seu mau uso poderia levar a equívocos sobre o que é ou não conhecido91.

89

Réponse, 5-7. 90

Med., 125.

91 A célebre passagem em relação a esse ponto é a abertura do Discurso do Método, em que Descartes nos diz: “O bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada, pois cada qual pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os que são mais difíceis de contentar em qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que o têm. E não é verossímel que todos se enganem a tal respeito; mas isso antes testemunha que o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina o bom senso e a razão, é naturalmente igual em todos os homens; e, destarte, que a diversidade de nossas opiniões não provém do fato de serem uns mais racionais que outros, mas somente de conduzirmos nossos pensamentos por vias diversas e não

Tendo abordado os artigos 1 e 2 da Réponse, daremos um salto para o artigo sexto, em que é abordada a validade do cogito como evidência92. O que está em questão nessa parte da discussão é a validade da inferência “eu existo”, a partir do que Descartes intui como substância pensante. A questão do cogito ser ou não um argumento não será objeto de ponderação aqui. Ainda assim, Descartes parece negar que esse seja o caso, uma vez que a evidência do cogito seria intuída e não seria um raciocínio. Porém, o que gostaríamos de discutir é a inferência da existência a partir do cogito, que parece que, tanto para Huet, quanto para Régis, pode ser avaliada (a existência da substância pensante, “ego existo”93) em separado do primeiro momento do pensamento (“ego sum”94).Para Huet, essa inferência não seria válida, pois as regras da lógica teriam sido suspensas pelo argumento do Deus Enganador na Primeira Meditação. Régis contrapõe a esse argumento sua incorreção na medida em que a dúvida referida era hipotética e não real, de modo que posteriormente Descartes reconsidera as regras da lógica como verdadeiras e a validade do cogito permaneceria. Entendo que Régis não responde suficientemente a questão ao oferecer como resposta à crítica de Huet ao cogito aquilo mesmo que Huet coloca em questão (a verdade das matemáticas/ as regras da lógica). A diferença entre dúvida real e hipotética que Régis apresenta para explicitar a posição de Descartes e a má compreensão por Huet da dúvida cartesiana não desabilita a crítica de Huet, uma vez que, no momento da Segunda Meditação,

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