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Considerando a relevância das relações interpessoais no cotidiano de todo ser humano é interessante se pensar sobre o impacto que tais relações causam na vida da pessoa com deficiência. Para Amaral (1994), nas relações interpessoais as emoções estão presentes, sejam elas, conscientes ou inconscientes, aceitas ou não. Porém, nas relações que se estabelecem entre as pessoas com deficiência e as sem deficiência, as emoções surgem de forma mais acentuada e mais expressiva por parte destas últimas. Assim, medo, cólera, desgosto, atração, repulsa são algumas das possibilidades reais nestas relações, mesmo porque o predomínio do emocional sobre o racional é imutável. Fenômenos psicossociais como sentimentos, atitudes, preconceitos, estereótipos e estigma aparecem entrelaçados nas relações interpessoais das pessoas.

Amaral (1994), cita ainda que o sentimento tem sua formação na convergência das funções psicológicas (percepção, emoção, cognição...) e desempenha uma força norteadora nas ações. A

atitude é postura psíquica afetiva diante de um objeto (pessoa, grupo), ela revela um sentimento e prepara uma ação. É confundida com ação ou comportamento, mas ela é anterior ao comportamento, então, ela é apenas pensada.

O preconceito é uma atitude favorável ou desfavorável anterior a qualquer informação.

Estereótipo é a fixação de um “tipo”, que se fundamenta em julgamento qualitativo fixado no preconceito e anterior à experiência pessoal. Quanto ao estigma pode-se dizer que é construído quando aliado ao estereótipo negativo e ao mesmo tempo em que o estigma gera o estereótipo do estigmatizado. O estigma é um fenômeno relacional, pois a partir de ideias aplicadas à pessoa com estigma, segue-se um conjunto de elementos que levam a expressões de discriminação e segregação (AMARAL, 1994).

Diante da socialização em que o preconceito se insere a autora traz um pensamento interessante.

Pensamos sempre que o “outro” é a vítima do preconceito e nos esquecemos de que ao nos atermos a uma visão preconceituosa somos nós que dela também passamos a ser vítimas, ao perdermos a possibilidade de pensar e escolher aquela

visão que nos será própria, em dado momento histórico e baseada em nossa experiência. [...] a partir do próprio egoísmo, de uma tendência egocêntrica, os agentes institucionais - familiares e profissionais – possam(os) rever os preconceitos que, incidindo sobre “o outro” desviante/diferente, roubam-lhe a identidade e fecham portas de acesso à vida plena em comunidade. Fecham para ele as portas da cidadania (AMARAL, 1997, p. 114-115).

Uma observação atenta deve ser dispensada às formas de se pensar o preconceito, às formas de dirigir o olhar ao outro para que seja permitido de igual modo a todos, o direito de ser cidadãos.

O mundo visual se constitui em um cruzamento que mescla o universo da pessoa que olha e o universo da pessoa que é olhada. Além disso, “o olhar pode ser imaginado pelo sujeito através de um barulho qualquer que denote a presença de alguém, pois o olhar assombra o visível” (QUINET, 2004, p. 12).

Para abordar a identidade da pessoa estigmatizada, Goffman (1982), explica que é estabelecida pela sociedade uma forma de categorização em relação às pessoas, em que se considera uma soma de atributos vistos como comuns e naturais; e, dessa forma, os locais são frequentados rotineiramente por pessoas que se relacionam entre seus iguais. Assinala que há uma duplicidade no ponto de vista sobre o estigma, em que este pode apontar para uma visão na qual, a pessoa estigmatizada percebe sua particularidade como aceitável e familiar para as outras pessoas. Neste caso, a condição em que o estigmatizado se encontra é a de desacreditado. Em outra situação o estigmatizado entende sua particularidade como desconhecida e despercebida pelas outras pessoas, neste caso encontra-se uma condição de desacreditável (GOFFMAN, 1982).

Segundo Goffman (1982), as pessoas estão acostumadas com os relacionamentos cotidianos e ao se depararem com uma pessoa “estranha” - palavra essa usada pelo autor com o intuito de explicar que deficiências despertam sensações de estranheza a algumas pessoas sem deficiências nas relações estabelecidas junto a pessoas com deficiência - à primeira vista, o que se faz é uma categorização de seus atributos, mesmo que sem intenção; e a partir daí verifica-se se suas características estão ou não dentro dos padrões do nosso conhecimento, do nosso aceitável.

Sobre o termo estranheza, Freud (1919/1996, p. 237), cita que a estética, além de ser a teoria da beleza, é também a “teoria das qualidades do sentir”. Para o autor, um assunto que não era muito pesquisado, era o tema sobre o „estranho‟ e expõe seu ponto de vista em relação a essa classe de sentimento dizendo que o „estranho‟

[...] relaciona-se indubitavelmente com o que é assustador – com o que provoca medo e horror; certamente, também, a palavra nem sempre é usada num sentido claramente definível, de modo que tende a coincidir com aquilo que desperta o medo em geral. Ainda assim, podemos esperar que esteja presente um núcleo especial de sensibilidade que justificou o uso de um termo conceitual peculiar. Fica-se curioso para saber que núcleo comum é esse que nos permite distinguir

como „estranhas‟ determinadas coisas que estão dentro do campo do que é amedrontador (FREUD, 1919/1996, p. 237).

Sob essa ótica, a estranheza que emerge e se estabelece nas relações mútuas também estão presentes nas interações com a pessoa com deficiência de forma mais significativa, talvez por despertar a existência da imperfeição e vulnerabilidade as quais o ser humano está exposto.

No pensamento de Amiralian (2003, p. 102), a deficiência é “uma condição constituinte e estruturante do ser humano que a tem, e, portanto, tem diferenças qualitativas em relação àqueles com condições orgânicas diferentes”, pois, junto à deficiência estão contidas as experiências decorridas de relacionamentos vividos na condição e significação de pessoa com deficiência no ambiente em que vive e assim deve ser respeitado.

Amiralian (2003), chama a atenção para o fato de que as relações que a pessoa com DV estabelece são cercadas de problemas e para se desenvolver de maneira total seu caminho é complicado, com muitos obstáculos e pensando assim, o prejuízo orgânico não estabelece diretamente um distúrbio psicológico, mas é um fator que a pessoa tem de lidar nos seus relacionamentos.

Para Amiralian (1997), alguns conflitos podem estar presentes no cotidiano da pessoa com cegueira. Ser dependente a outrem é um deles, pois para a autora, a dependência pode significar um obstáculo ao seu desenvolvimento. Muitas vezes, ela não pede ajuda e demora a fazer determinada tarefa, o que leva ao desconforto os que a cercam. De uma forma ou outra ela tenta ser aceita pelo ambiente social. Ela pode sentir também “medo de expor seus sentimentos de raiva e ira, como se a expressão de hostilidade pudesse incrementar a já difícil relação entre cegos e videntes, de quem dependem para sua sobrevivência” (AMIRALIAN, 1997, p. 286).

A manutenção da autoestima torna-se difícil à pessoa cega em função de ser ou não dependente, pois ao mesmo tempo em que almeja a independência, muitas vezes sente a necessidade de apoio ou de ser assistido por outrem. Essa situação gera comportamentos de “extrema passividade e prontidão para cumprir as demandas do objeto externo” (AMIRALIAN, 1997, p. 71) para não perder a atenção e cuidado.

Outro conflito se refere à negação de sua condição, em que a pessoa tem a “opção entre definir seu lugar no mundo assumindo a cegueira ou negá-la, tentando ser como o vidente para conseguir aceitação” (AMIRALIAN, 1997, p. 287). Na tentativa de ser aceito essa pessoa pode optar pela solidão e o isolamento, tais sentimentos “parece derivar da sensação de que a relação com o outro é sempre perturbada pela constatação da diferença e a certeza de que não possuem um lugar próprio no mundo” (AMIRALIAN, 1997, p. 290).

Além desses conflitos, a pessoa pode também sentir-se desqualificada, desacreditando em seu próprio potencial. Algumas pessoas com cegueira apresentam maneirismos que são

“movimentos rítmicos do corpo, hábito de apertar os olhos ou de bater com as mãos na cabeça” e causam um grande “impacto social negativo” (AMIRALIAN, 1997, p. 71), prejudicando assim, o estabelecimento do relacionamento social, no qual a pessoa parece viver o conflito de estar sempre testando sua capacidade de ser aceito no meio social. Há ainda a questão da agressividade, a qual a pessoa com cegueira procura não manifestar estados emocionais que expõe tal sentimento, principalmente a quem lhe cuida ou a quem ele tem dependência, por receio de perder a afetividade e os favores e recebidos.

Observa-se então, que a pessoa com DV vivencia inúmeras dificuldades em diferentes ocasiões em suas vidas. Quando criança, nos relacionamentos com a família, amigos e professores. Quando adolescente, no conflito da passagem à vida adulta, na escolha profissional, além das experiências da sexualidade. Quando adultos, buscam tanto por um lugar na sociedade como no trabalho. Dentre as dificuldades que as acompanham está a questão de sua participação e permanência na escola, pois além da adaptação ao ambiente físico, o aluno com DV também estabelece relações interpessoais com professores e colegas videntes.