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Racionalidade discursiva

No documento mariocesardasilvaandrade (páginas 44-47)

2 RACIONALIDADE COMUNICATIVA VERSUS RACIONALIDADE CENTRADA

2.3 RAÍZES DA RACIONALIDADE

3.3.4 Racionalidade discursiva

As pretensões de validade levantadas no exercício de qualquer das racionalidades envolvem o oferecimento de razões que podem implicar questões objetivas, sociais e subjetivas. Assim, no contexto das relações intersubjetivas, afloram questões pragmáticas e morais, que demandam a avaliação crítico-reflexiva da razão prática. Por isso, HABERMAS (2002b, p. 102) ressalta a relação complementar entre estrutura discursiva e reflexão.

Para HABERMAS (2002b, p. 102) uma pessoa é racional quando pode explicar seu posicionamento diante das pretensões de validade. Mais do que agir guiando-se por pretensões de validade, uma pessoa é racional ao ser capaz de explicar suas decisões diante de tais pretensões. Essa capacidade de dar conta dos próprios atos é a responsabilidade.

A responsabilidade demanda uma postura reflexiva do falante, visto que ele tem que saber prestar conta de suas pretensões de validade, sendo responsável por elas junto aos demais participantes. Tal postura depende de que o falante distancie-se de sua perspectiva autorreferencial e assuma uma compreensão descentrada do mundo (HABERMAS, 1998, p. 310-311).

Esse distanciamento reflexivo consiste em conscientemente suspender e avaliar suas próprias crenças e convicções (autorrelação epistêmica); seus planos de ação, seja uma intervenção instrumental no mundo objetivo ou uma interação meramente estratégica com outra pessoa (autorrelação técnico-prática); suas próprias ações reguladas por normas (autorrelação prático-moral); e seu projeto particular de vida, a partir de seu entrelaçamento com formas de vida coletivas e pré-existentes (autorrelação existencial) (HABERMAS, 2002b, p. 102).

Essa capacidade de compreensão descentrada de mundo fornece as condições de possibilidade para formação discursiva da vontade, considerando as formas particulares de vida, mas sem deixar-se determinar por elas. Para HABERMAS (2002b, p. 103), tal capacidade de distanciar-se de si mesmo é condição necessária para a liberdade, a qual pode ser subdividida de acordo com cada autorreferência do agente.

A liberdade de reflexão é a capacidade de abertura cognitiva, de superar a perspectiva egocêntrica de agente imerso em seus particulares contextos de ação. Essa é a liberdade

comumente associada à atividade teórica (HABERMAS, 2002b, p. 103). A liberdade de arbítrio é a capacidade de eleição racional das ações, geralmente referida como autonomia individual (HABERMAS, 2002b, p. 103).22 A liberdade ética envolve a construção consciente de uma identidade própria por meio da elaboração autônoma de projetos de vida.

Na reflexão de pessoas racionais, responsáveis e livres, dá-se a racionalidade inerente à estrutura e ao processo de argumentação, em que os sujeitos distanciam-se de si mesmos e adotam a perspectiva do outro. Nesse processo, os sujeitos apropriam-se dos discursos teóricos, pragmáticos, morais e éticos dos demais participantes, promovendo, por meio da reflexão e do discurso, a integração23 das três racionalidades parciais do conhecer, do agir e do falar (HABERMAS, 2002b, p. 103).

Assim, a racionalidade comunicativa assume um viés essencialmente discursivo, sendo capaz de, discursivamente, justificar as diversas configurações de exercício conjunto das demais racionalidades. A estrutura discursiva integra as raízes proposicionais, teleológicas e comunicativas, ao correlacionar as estruturas ramificadas de racionalidade do saber, do agir, e da fala. Sob a práxis da argumentação, as diferentes racionalidades podem ser integradas, complementando-se (HABERMAS, 2002b, p. 103).

A proposta comunicativa significa uma reação ao crescente processo de colonização do mundo da vida pelo sistema, ou mesmo de sua burocratização em detrimento de um intercâmbio entre agentes voltados ao entendimento. Ela é um esforço de submeter os âmbitos de ação formalmente organizados em favor daqueles estruturados comunicativamente (HABERMAS, 2003, p. 558).

Em uma realidade desencantada pela ciência e não consolada plenamente por uma ciência falseável e falível, revela-se a contingência de um futuro em aberto, que não pode ser predefinido por nenhuma das ordens ou argumentos entrelaçados em um dado caso complexo (NEVES, 2009, p. 275).

Analogamente ao que Habermas (2002b, p. 181-182) afirma quanto à teoria do conhecimento, somente uma destranscendentalização dos envolvidos no juízo de constitucionalidade (julgadores e destinatários) pode liberar a intersubjetividade reprimida.

Contudo, um programa de destranscendentalização também pode se valer dos procedimentos juridicamente positivados e da interação argumentativa exercitada no interior

22 HABERMAS (2002, p. 103) identifica essa liberdade com o conceito kantiano de autonomia ou liberdade da

vontade, isto é, a capacidade de autovinculação da própria vontade à convicção moral.

23

Segundo OLIVEIRA (2006, p. 33), a racionalidade discursiva assume, na teoria da ação comunicativa de Habermas, uma função metarracional, por ter a atribuição de coordenar as interações entre as diferentes racionalidades.

desses procedimentos. Assim, ele também pode utilizar as inovações trazidas pelas Leis nºs 9.868/99 e 9.882/99 ao controle de constitucionalidade.

Todavia, essa potencialidade dos procedimentos juridicamente positivados deve ser vista com cautela, haja vista a possibilidade de sua cooptação pelos sistemas burocrático e econômico.

Segundo Habermas (2003a, p. 546), nas sociedades capitalistas, em um primeiro momento, as deformações do mundo da vida adotam a forma de uma reificação das relações comunicativas; já em um segundo momento, essa reificação é substituída por uma simulação de relações comunicativas.

Assim, a utilização dos dispositivos institucionais que permitem a participação da sociedade civil no controle concentrado de constitucionalidade deve ser objeto de reflexão, impedindo ou revertendo qualquer deturpação sistêmica, a fim de liberar todo o seu potencial discursivo e emancipatório. O engajamento dessas participações é a saída de uma posição de rebaixamento passivamente tolerado, promovendo uma autorrelação nova e positiva, em uma estrutura de experiência, respeito e reconhecimento recíprocos.

Essa mudança de paradigmas não se resume a uma substituição de perspectiva, implicando em alterações de práticas sociais e institucionais ao mudar o próprio papel em que os agentes direcionam-se aos demais (HABERMAS, 1999b).

Expostos os conteúdos da teoria da ação comunicativa essenciais para a presente pesquisa, cumpre estudar o regime jurídico das audiências públicas realizadas pelo STF, a fim de possibilitar a análise da eficácia dessas audiências para a construção discursiva dos entendimentos dos ministros.

3 REGIME JURÍDICO DAS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS NO SUPREMO TRIBUNAL

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