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Capítulo III – A Comunidade Macaense Face ao Estatuto Actual de Macau

2. A RAEM e a Lei Básica

Renelde da Silva identifica quatro períodos distintos na história de Macau, desde 1557, a data da sua fundação, até 1999, o ano final da transição:

O primeiro começou em 1557 e terminou em 1583. Durou 26 anos. Governou Macau o capitão-mór de viagens de Japão e China. Como este estava quase sempre ausente em viagem de negócios, quem o substituía, na sua ausência, era um cidadão eleito.

O segundo foi desde 1583 até 1833. Durou 250 anos. Governou a cidade o Leal Senado, uma autoridade colectiva, apesar da existência de outros titulares (capitães-móres, capitães-gerais ou governadores).

O terceiro foi desde 1833 até 1976. Durou 143 anos. Com a redução do Leal Senado a simples município, Macau passou a ser uma colónia, tendo à testa governadores de restrita autoridade, nomeados e controlados pelo Governo Central. Na parte final deste período, a designação de colónia foi substituída pela da província ultramarina.

O quarto foi desde 1976 até 1999. Durou 23 anos. Macau foi declarado Território Chinês sob Administração Portuguesa, tendo à testa um governador português. Teve então a sua autonomia (Silva 2001: 89-90).

Actualmente, encontramo-nos numa situação nova, iniciada a 20 de Dezembro de 1999. O nome oficial de Macau é Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) da República Popular da China. Não é regido pela Constituição Chinesa mas sim pela Lei Básica, cujos princípios tinham sido acordados na Declaração Conjunta Luso-Chinesa: “A Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau incorporou (…) os grandes princípios do acordo firmado com Portugal. No corpo da lei ficaram referidos todos os direitos, liberdades e garantias de que já gozavam os habitantes de Macau” (Rangel 2004: 93). É afirmado, no Artigo 5.º, que, até 2049, não serão aplicados em Macau o sistema e políticas socialistas, “(…) mantendo-se inalterados durante cinquenta anos o sistema capitalista e a maneira de viver anteriormente existentes” (Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau 1999: 4).

O Artigo 9.º define as línguas oficiais de Macau como sendo a língua chinesa e a língua portuguesa, podendo esta ser também usada nos órgãos executivo, legislativo e judicial.

São dois os artigos que se referem à liberdade religiosa: o Artigo 34.°, que afirma que os residentes gozam de liberdade de consciência e de crença religiosa, podendo pregar, promover e participar em actividades religiosas em público, e o Artigo 128.°, onde é dito que “De acordo com o princípio da liberdade de crença

religiosa, o Governo da Região Administrativa Especial de Macau não interfere nos assuntos internos das organizações religiosas, nem na manutenção e no desenvolvimento de relações das organizações religiosas e dos crentes com as organizações religiosas e os crentes de fora da Região de Macau. Não impõe restrições às actividades religiosas que não contrariem as leis da Região Administrativa Especial de Macau” (Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau 1999: 53).

No Artigo 28.°, é declarado que a liberdade pessoal dos residentes é inviolável e que ninguém poderá ser submetido a tortura ou outros actos desumanos. As liberdades dos residentes são também explicadas nos Artigos 25.° e 27.°: “Os residentes de Macau são iguais perante a lei, sem discriminação em razão de nacionalidade, ascendência, raça, sexo, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução e situação económica ou condição social” e “Os residentes de Macau gozam da liberdade de expressão, de imprensa, de edição, de associação, de reunião, de desfile e de manifestação, bem como do direito e liberdade de organizar e participarem associações sindicais e em greves” (Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau 1999: 14-15).

No conceito de residentes permanentes de Macau, contido no Artigo 24.º, estão incluídos “Os portugueses nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau” e “Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau e aí tenham o seu domicílio permanente” (Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau 1999: 13-14).

O Artigo 42.° refere-se, especificamente, aos macaenses: “Os interesses dos residentes de ascendência portuguesa em Macau são protegidos, nos termos da lei, pela Região Administrativa Especial de Macau. Os seus costumes e tradições culturais devem ser respeitados” (Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China 1999: 19) Durante os cinquenta anos da RAEM, a comunidade macaense está legalmente protegida.

O funcionamento da Escola Portuguesa de Macau, com professores portugueses e material didáctico vindo de Portugal, encontra-se assegurado no Artigo 122.°, sobre a liberdade no ensino:

Os estabelecimentos de ensino de diversos tipos, anteriormente existentes em Macau, podem continuar a funcionar. As escolas de diversos tipos da Região Administrativa Especial de Macau têm autonomia na sua administração e gozam, nos termos da lei, da liberdade de ensino e da liberdade académica. Os estabelecimentos de ensino de diversos tipos podem continuar a recrutar pessoal docente fora da Região Administrativa Especial de Macau, bem como obter e usar materiais de ensino provenientes do exterior. Os estudantes gozam da liberdade de escolha dos estabelecimentos de ensino e de prosseguimento dos seus estudos fora da Região Administrativa Especial de Macau (Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China 1999: 51-52).

Sendo a RAEM território chinês, foi estabelecido que, para exercer certos cargos, seja obrigatório ter a nacionalidade chinesa, além de ser residente permanente de Macau.82 As posições reservadas a chineses são as de Chefe do Executivo83 (Artigo 46.°), membros do Conselho Executivo (Artigo 57.°), os principais cargos do Governo84 (Artigo 63.°), Presidente e Vice-Presidente da Assembleia Legislativa85 (Artigo 72.°) e Presidente do Tribunal de Última Instância (Artigo 88.°). Esta restrição não é colocada aos presidentes dos tribunais das outras instâncias (Artigo 88.°), aos juízes dos tribunais das diferentes instâncias (Artigo 87.°) e aos deputados da Assembleia Legislativa (Artigo 68.°), havendo, neste momento, alguns deputados macaenses e estando ainda ao serviço das estruturas judiciais vários magistrados recrutados em Portugal, colocados nas três instâncias.

Os funcionários e agentes públicos da RAEM devem ser residentes permanentes de Macau, excepto nos casos em que o território decidir contratar técnicos especializados e funcionários públicos de categorias inferiores (Artigo 97.°). O Artigo 99.° diz que “A Região Administrativa Especial de Macau pode nomear portugueses e outros estrangeiros de entre os funcionários e agentes públicos que tenham anteriormente trabalhado em Macau, ou que sejam portadores do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau,

82

Artigo 21.°: “Os cidadãos chineses de entre os residentes da Região Administrativa Especial de Macau participam na gestão dos assuntos do Estado, nos termos da lei” (Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau 1999: 11).

83 Que deverá ter residido em Macau pelo menos vinte anos consecutivos.

84 Cujos ocupantes deverão ter residido em Macau pelo menos quinze anos

consecutivos.

para desempenhar funções públicas a diferentes níveis, exceptuando as previstas nesta Lei. Os respectivos serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau podem ainda contratar portugueses e outros estrangeiros para servirem como consultores ou em funções técnicas especializadas” (Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau 1999: 42).

Quanto aos aposentados de Macau, a RAEM garante-lhes o pagamento das suas pensões, independentemente da sua nacionalidade e do seu local de residência (Artigo 98.°).

Houve, de facto, a preocupação de assegurar a maior continuidade possível na maneira de viver da população e no modo de funcionamento da administração pública, merecendo também menção o facto de, na elaboração da Lei Básica, não terem sido envolvidos só chineses, mas também macaenses, entre os quais o Presidente da Assembleia Legislativa de Macau, e até o Bispo da Igreja Católica de Macau.