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Como discutido, rankings são elaborados de acordo com indicadores específicos, sendo usados para comparar diferentes cidades, classificá-las e qualificá-las e, assim, funcionam como um instrumento de suporte para alimentar a competição entre elas. Os rankings de cidades inteligentes, frequentemente, utilizam indicadores próprios. Entre estes, listam-se o Brasilian Smart Cities Matrity Model, o Índice Weiss de Prontidão Tecnológica e o Índice Brasileiro Multidimensional de Classificação de Cidades Inteligentes, sendo este estruturado em pilares multidimensionais (“Orientado pelo usuário”; “Instrumento de aprendizagem” e “Ferramenta de auxílio à gestão municipal”), “[...] uma ferramenta de auxílio para o planejamento de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento da cidade, não como uma simples classificação de um ranking, com fins de promoção” (GUIMARÃES, 2018, p. 21).

Quando se faz uma comparação entre os indicadores estabelecidos pela ISO e os usados, por exemplo, no Ranking CSC, instrumento que, desde 2015, a empresa

Urban systems usa para classificar as cidades brasileiras e que será mais

claramente detalhados para comparar, classificar e qualificar as cidades entre si, o

Ranking CSC avalia o alcance dos seus indicadores a partir do Índice de Qualidade

Mercadológica, trazendo resultados a partir da dinâmica de mercado, com base um método próprio de ponderação.

Segundo o documento que divulga o resultado referente a 2019, a composição do rol de indicadores utilizados no Ranking CSC foi feita a partir da análise de uma variedade de indicadores propostos em outros trabalhos, que, entretanto, não representavam aquilo que a Urban systems (2019) visa a aferir ou se baseavam em informações não disponíveis para os municípios. Diante disso, indicadores próprios foram formulados, amparando-se no fato de que os que são usados para avaliar uma cidade devem consonar com sua realidade e o nível de informação que ela disponibiliza. Além disso, a mesma empresa mantém uma plataforma digital e um evento de negócios com o mesmo nome do ranking que promove. Esses canais são, portanto, produtos da Urban

systems para o mercado de cidades.

Flores e Teixeira (2017) destacam que rankings buscam mais do que classificar cidades; são importantes para as discussões estratégicas a respeito de seus aspectos sociais, econômicos e dos processos, um importante guia que as auxilia a delinear metas, ao confrontar seus pontos fortes e fracos. Para Guimarães (2018), a comparação justa e adequada do desempenho de várias cidades, medido por indicadores, deve levar em conta a equivalência entre elas. Em sentido oposto, os

rankings podem ter um efeito que o autor classifica como perverso.

Em decorrência disso, Morozov e Bria (2019, p. 36), consideram a importância que se dá cada vez mais aos rankings, tabelas de competitividade e pontuações comparativas como “[...] um modo mais flexível e menos óbvio de poder”. Fariniuk (2018), por sua vez, alerta que deve haver cuidado para não se reduzir nem simplificar a complexidade da cidade com base em alguns números ou indicadores. Diversos aspectos, portanto, devem ser observados no uso de indicadores como ferramentas para estabelecer rankings de cidades.

De acordo com Giffinger et al. (2007), rankings são recursos relevantes para medir a competitividade entre as cidades porque transmitem um perfil urbano e definem uma imagem global e certificada. Além do propósito imagístico, ou seja, direcionado à

criação de uma reputação perante a sociedade, os rankings podem ajudar a gestão territorial a identificar aspectos positivos e negativos, bem como definir novas estratégias de desenvolvimento. Logo, Fariniuk (2018) entende que esses instrumentos têm os benefícios da atratividade, competitividade e efeito de aprendizagem, devendo ser cuidadosamente considerados para evitar mecanismos de autoafirmação ou de distanciamento da realidade da cidade.

Em 2018, o Ranking CSC, que se sobressai no Brasil como um dos rankings mais populares, avaliou 700 cidades utilizando os indicadores relativos a mobilidade, urbanismo, meio ambiente, energia, tecnologia e inovação, economia, educação, saúde, segurança, empreendedorismo e governança (O QUE É..., 2018). Na mesma edição, destacou a cidade de São Paulo na primeira posição para os indicadores “Leis de uso e ocupação do solo” e “Plano diretor”, que trazem diretrizes estratégicas para um melhor ordenamento do solo. Já a cidade do Rio de Janeiro se manteve na primeira posição quando avaliado o indicador “Tecnologia e inovação”, que se refere a infraestrutura de telecomunicações, uma vez que a capital carioca experimentou ampliação na malha de fibra ótica e na quantidade de conexões de banda larga por habitante (URBAN SYSTEMS, 2018).

Para Guimarães (2018), tal ranking classifica as cidades mais inteligentes do Brasil para clarear quais investimentos seriam necessários para as cidades melhorarem suas posições. A Urban Systems tem figurado como patrona de eventos de grande porte, uma vez que o CSC desponta, aparentemente, sem concorrentes no Brasil no quesito classificação de cidades inteligentes. Tal constatação é feita a partir dos estudos revisados para esta pesquisa, bem como nos sites mencionados ao longo deste relatório. O CSC tem como público alvo entidades, empresas e governos, de algum modo, envolvidos com planejamento, infraestrutura e desenvolvimento urbanos. Para atrair essa plateia, a Urban systems realiza, em série, eventos com os propósitos centrais apresentados no Quadro 3.

Quadro 3 – Eventos realizados pela Urban systems

Evento Propósito central

Expo Propagar experiência no assunto cidades inteligentes.

Fórum Divulgar cases e exibir conferências de especialistas da empresa ou de parceiros. Rodada de

negócios

Apresentar produtos e tipos de consultorias ofertados pela Urban systems.

Prêmios Premiar soluções inovadoras de pessoas jurídicas com sede no Brasil.

Ranking Mapear as cidades com maior potencial de

desenvolvimento no Brasil por meio de indicadores desenvolvidos pela Urban systems

para qualificar as cidades mais inteligentes e conectadas.

Fonte: elaborado pela autora a partir de Urban systems (2019).

Entende-se que o conjunto de eventos funciona como uma espécie de engrenagem que se retroalimenta e, assim, potencializa a ideia central de que a melhor solução da atualidade para as cidades é o modelo de cidade inteligente propagado pela empresa. A estratégia de negócios da Urban Systems com o Ranking CSC, fundamentalmente focada em soluções para cidades inteligentes, aborda a cidade como se seus problemas fossem excepcionalmente de infraestrutura técnica.

Essa limitação, avalia Barros (2018), é reforçada pelo uso exagerado e recorrente do termo inteligente e pelos meios de comunicação, que convencionam que as cidades contemporâneas são entidades desorganizadas e que, a favor disso, a melhor opção para os problemas urbanos seriam as soluções mediadas pelas TIC’s. Em função disso, o autor alerta que, essa “necessidade” conduz “[...] grandes investimentos do setor público na direção da aquisição e implantação de infraestruturas caras e complexas, mas, que não atendem nossas reais necessidades” (BARROS, 2018, p. 69).

Guimarães (2018) comenta que a organização do ranking e a formulação inicial de seus indicadores ocorreram a partir de análises de publicações nacionais e internacionais e dados públicos. O mesmo autor ressalta, entretanto, que tais fontes não foram identificadas nos documentos por ele analisados, mas destaca que, ainda assim, o ranking obtém ampla divulgação nas mídias e aceitação de prefeitos e empresas. Diferentemente, constatou-se nesta pesquisa que o Ranking CSC 2019, menciona publicações mapeadas para inspirar a construção dos seus indicadores, dentre as quais, a ISO 37120 e ISO 37122.

O Ranking CSC 2019 e seus indicadores seguem a lógica de que a sustentabilidade econômica é a força motriz para a sustentabilidade nas esferas social e ambiental das cidades. Por esse prisma, os ganhos resultantes do desenvolvimento econômico das cidades preponderam em relação aos obtidos nas outras esferas (URBAN SYSTEMS, 2019, p. 7). A plataforma do Ranking CSC defende o uso de TIC’s como estratégias para alavancar as métricas para que um município caminhe no sentido de se tornar uma cidade inteligente. Nessa direção, a Urban systems tem em seu portfólio algum tipo de consultoria, ideia ou produto para oferecer.

Nessa lógica, o Ranking CSC tem seu foco situado na dinâmica de mercado (URBAN SYSTEMS, 2019, p. 9). O trabalho do CSC reflete um elevado nível de organização para alcançar suas estratégias, o que requer um esforço dinâmico, à medida que, ano a ano, busca atualizar seus indicadores de modo colaborativo, por meio de aproximações que a empresa organizadora mantém com seu público alvo e conforme evoluções observadas no mercado de cidades inteligentes a partir de propostas apresentadas por seus apoiadores e parceiros (URBAN SYSTEMS, 2019).

No caso específico do Ranking CSC, o documento que traz os resultados da edição de 2019 destaca que os indicadores se distribuem por 11 eixos, os quais tratam dos principais setores das cidades. Entretanto, no documento, apenas dez eixos são discutidos, ainda assim, superficialmente. O eixo não comentado foi “Energia” e a explicação para tal é, segundo o documento, a fragilidade, inclusive quantitativa, dos indicadores que o compunham (URBAN SYSTEMS, 2019). Apesar disso, conforme o Quadro 4, a seguir, o eixo energia e seus indicadores aparecem como suporte para o recorte meio ambiente.

Quadro 4 – Relação de indicadores do Ranking CSC por recorte e eixo

Recortes principais Eixos Indicadores

1.Mobilidade e

acessibilidade Mobilidade i. Automóveis por habitante

ii. Idade média da frota de veículos iii. Ônibus e automóveis

iv. Outros modais de transporte (de massa) v. Ciclovias

vi. Conexões rodoviárias entre Estados vii. Destino aeroviários

viii. % de veículos de baixa emissão

Segurança ix. Mortes no trânsito

2.Urbanismo Urbanismo i. Lei de uso e ocupação do solo

ii. Lei de operação urbana iii. Plano diretor estratégico iv. Alvará provisório (consulta)

v. Despesas com urbanismo

vi. % da população em baixa e média densidades

Mobilidade e

acessibilidade vii. Automóveis por habitante

viii. Ônibus e automóveis

ix. Outros modais de transporte (de massa)

Meio ambiente x. % de atendimento urbano de água

xi. % de tratamento de esgoto

3.Meio ambiente Meio ambiente i. % de atendimento urbano deágua

ii. Paralisação do abastecimento iii. % de perdas na distribuição de água iv. % de atendimento urbano de água

v. % de atendimento urbano de esgoto vi. % de tratamento de esgoto

vii. Recuperação de materiais recicláveis viii. % cobertura de coleta de resíduos sólidos

ix. Monitoramento de áreas de riscos x. % de resíduos plásticos recuperados

Mobilidade xi. Idade média da frota de veículos

xii. Outros modais de transporte (de massa) xiii. % de veículos de baixa emissão

Energia xiv. Potência outorgada energia eólica xv. Potência outorgada energia UFV xvi. Potência outorgada biomassa xvii. Tarifa média

4.Tecnologia e

inovação Tecnologia e Inovação i. % de banda larga de alta velocidade

ii. Fibra ótica iii. Cobertura 4,5 G

iv. % de empregos formais de nível superior v. Acesso a internet por habitantes

vi. Patentes

vii. Bolsas Conselho Nacional de

(CNPq)

Empreendedorismo viii. Crescimento das empresas de economia criativa

ix. Parques tecnológicos x. Incubadoras

Economia xi. % de empregos no setor de TIC

5.Saúde Saúde i. Leitos por habitante

ii. Médicos por habitante

iii. Cobertura de Equipe de Saúde da Família iv. Despesas com saúde

v. Mortalidade infantil

Mobilidade e

acessibilidade vi. Ciclovias

Meio ambiente vii. % de atendimento urbano de água viii. % cobertura de coleta de resíduos sólidos

6.Educação Educação i. Vagas em universidade pública

ii. Média no Exame Nacional do Ensino Médio

iii. Docentes com ensino superior

iv. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

v. Taxa de abandono vi. Média de aluno por turma vii. Despesas com educação viii. Média de hora-aula diária

Tecnologia e inovação ix. % de empregos formais de nível superior x. Bolsa CNPq

Economia xi. % de empregos em educação e pesquisa

xii. Computador por aluno

7.Empreendedorismo Empreendedorismo i. Crescimento das empresas de tecnologia

ii. Parques tecnológicos

iii. Crescimento das empresas de economia criativa

iv. Incubadoras

v. Crescimento das microempresas individuais

Tecnologia e inovação vi. Patentes vii. Bolsa CNPq

8.Governança Governança i. Escolaridade do prefeito

ii. Índice Federação das Indústrias do Rio de Janeiro

iii. Escola Brasil Transparente iv. Conselhos

Mobilidade e

acessibilidade v. Destinos aeroviários

Meio ambiente vi. Monitoramento de áreas de risco

Urbanismo vii. Lei de uso e ocupação do solo viii. Despesas com urbanismo

Saúde ix. Despesas com saúde

x. Mortalidade infantil

Segurança xi. Despesas com segurança

Educação xii. Despesas com educação

9.Economia Economia i. Crescimento do Produto Interno Bruto per

capita

ii. Renda média dos trabalhadores formais iii. Crescimento de empresas

iv. Crescimento de empregos

v. Independência de empregos do setor público

vi. Empregabilidade

vii. Receita municipal não oriunda de repasses viii. % de empregos no setor de TIC

ix. % de emprego em educação e pesquisa x. Computador por aluno

Empreendedorismo xi. Crescimento das empresas de tecnologia xii. Crescimento das empresas de economia

criativa

xiii. Crescimento das microempresas individuais

Mobilidade e

acessibilidade xiv. % de veículo de baixa emissão

10.Segurança Segurança i. Homicídios

ii. Mortes no trânsito

iii. Despesas com segurança iv. Policiais por habitante

Meio ambiente v. Monitoramento de áreas de risco

11.Energia Energia i. Potência outorgada energia eólica

ii. Potência outorgada energia UFV iii. Potência outorgada biomassa iv. Tarifa média

A partir do quadro, observa-se que o ranking é dividido por recortes, que, para ser melhor mensurado, precisa ser relacionado a indicadores abarcados por eixos de outros recortes. Logo, um recorte não pode ser visto de forma isolada para mensurar os aspectos da cidade – por exemplo, segurança não tem a ver apenas com violência física, mas com aspectos ambientais e de mobilidade.

O quadro apresenta recortes e indicadores que se conectam aos segmentos de mercado de interesse da Urban systems. A metodologia apresentada sobre o modo como são avaliadas as métricas dos indicadores do Ranking CSC 2019, embora, como frisado, não sejam suficientemente claras como as da ISO 37122, indicam a relevância dada a resultados que se apoiam, primordialmente, no desenvolvimento econômico mediado por investimentos em tecnologia urbana. Não se sabe, por exemplo, como é definido o fator de análise de cada indicador. Segundo o documento, estes resultariam de “[...] relações matemáticas e ou avaliações técnicas, que tomam como base dados colhidos junto a instituições oficiais de pesquisa ou (coletas) primárias” (URBAN SYSTEMS, 2019, p. 10).

O que mais chama atenção no relatório que divulga os resultados do Ranking CSC 2019 é o entendimento explícito dos organizadores de que seria impossível aos municípios atingir “[...] sustentabilidade ambiental ou social, sem a base de desenvolvimento econômico, que garantirá uma reprodução dos ganhos nas outras esferas” (URBAN SYSTEMS, 2019, p. 7). Isso justificaria o fato de o ranking atuar mapeando cidades brasileiras com maior potencial de desenvolvimento na dimensão econômica (ESTRUTURA..., acesso em 22 fev. 2020).

Nessa perspectiva, o discurso da Urban systems circula em torno de que a tecnologia urbana é capaz de dinamizar a economia local e que esse é o caminho ideal para garantir o desenvolvimento nas esferas social e ambiental. Em consonância com a visão fortemente orientada a negócios, o número de empresas participantes nos eventos para divulgar e promover o ranking é considerável, superando 500 em 2019. Os palestrantes, por sua vez, eram 104 naquele ano, havendo, ainda, 90 painéis, apresentados em 12 palcos (RANKING..., 2019). Pode-se contabilizar os responsáveis por estes momentos também como empresas, levando-se em conta o tom promocional de soluções que geralmente marcam suas falas, como foi possível observar no decorrer da edição de 2018, na qual esta pesquisadora esteve presente.

As cidades, nessa lógica, se configuram como um nicho de mercado com oportunidades muito rentáveis. Ao mesmo tempo, as instituições públicas municipais precisam, frequentemente, se adequar para buscar soluções às questões contemporâneas, o que, pelo prisma apontado, envolvem tecnologia digital. Feitas essas considerações, avalia-se que o discurso da Urban systems via CSC cai como uma luva; a empresa defende o que comercializa.

Nessa lógica, o propósito, os indicadores utilizados para a organização do Ranking CSC e seus resultados caminham de mãos dadas com os negócios da empresa. Nada demais para o mundo business. Contudo, como qualquer cliente cauteloso, as instituições públicas, por seu lado, precisam atentar-se aos produtos que se apresentam como respostas prontas para os problemas urbanos, bem como se o que pretendem adquirir pode, de fato, ser sustentado no sentido técnico e financeiro, a curto e também longo prazos.

Na atualidade, pensar a cidade inclui, de muitos modos, as tecnologias digitais, o que, aliás, considera-se apoio importante e de uso até irreversível. Contudo, as análises já postas neste trabalho mostram que cautelas devem ser tomadas sobre as expectativas atuais e futuras relacionadas ao uso de tecnologias, como se tudo pudessem resolver, esquecendo-se de que, por exemplo, é preciso formular legislações e políticas públicas para emergências urbanas em série, o que se faz a partir da consideração de múltiplos aspectos, sobretudo, na promoção e acolhimento da participação dos que compõem a cidade.

As análises revelam, também, que as interpretações das cidades baseadas apenas em dados acabam por negar a complexidade peculiar a esse tipo de arranjo humano. Por isso, Barros (2018) sublinha que os problemas das cidades continuam sendo “selvagens”, mesmo nas cidades inteligentes, e que, portanto, negar a complexidade a elas inerente seria o mesmo que “enjaular” provisoriamente o problema.