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Foi notável a predominância da captura de machos em relação a fêmeas em todos os meses analisados. A razão sexual, considerando-se o número de indivíduos diferentes capturados ao longo de todo o estudo, foi de 1,5 machos para cada fêmea, mas a distribuição mensal do MNKA entre os sexos não diferiu significativamente. Esta tendência a um maior número de machos na população de C. intermedia também foi encontrada por Salvador (2006), mas sua análise estatística do MNKA, assim como a nossa, não revelou diferenças significativas na freqüência dos sexos (exceto em um mês, no qual a razão sexual ficou em 3,8:1). Apesar dos MNKAs de machos e fêmeas não serem estatisticamente diferentes (o número de machos conhecidos vivos foi apenas um pouco maior do

que o de fêmeas), encontramos em nossos dados e nos de Salvador (2006) uma forte tendência: em 19 dos 25 meses amostrados, o MNKA de machos foi superior ao de fêmeas, e em apenas um mês ele foi inferior. Em Salvador (2006), em 13 dos 15 meses analisados o MNKA de machos foi superior ao de fêmeas, e em apenas um mês, inferior. Como não há entrada de novos indivíduos na população dos preás, nem dispersão destes para fora da ilha, nossos resultados podem ser interpretados de duas maneiras, ambas interessantes: 1) há mais machos do que fêmeas na população, ou seja, há uma razão sexual desviada a favor de machos; 2) os machos, por algum motivo, são mais propensos a serem capturados em armadilhas do que fêmeas.

O índice de capturabilidade mínimo, em nosso estudo, mostrou que machos caem com maior probabilidade do que fêmeas nas armadilhas. A maior capturabilidade de machos em relação a fêmeas já foi observada em outros roedores (Smith, 1967; M. Graipel, dados não publ.) e pode revelar diferenças na estratégia de cada sexo, com fêmeas evitando as armadilhas mais do que machos, talvez por questões reprodutivas (não tivemos evidência de machos trap shy em nosso estudo). Outra suposição é que machos se desloquem mais do que fêmeas (Smith, 1967; Graipel, Cherem, Monteiro-Filho & Glock, 2006) em busca de parceiros, por exemplo, ou durante a dispersão entre áreas de forrageamento, aumentando assim suas chances de captura.

Não observamos, contudo, um aumento na capturabilidade de machos durante a estação reprodutiva (“calor”), o que torna menos provável a hipótese de que machos sejam mais capturados por conta de um deslocamento em busca de fêmeas. A diferença na capturabilidade de machos e fêmeas também não tem relação com o tamanho das áreas de uso (não houve diferença significativa entre as áreas de machos e fêmeas medidas por Salvador, 2006).

Outro resultado que reforça a hipótese de maior capturabilidade de machos é o grande número de fêmeas não marcadas observadas nos scans (nas 2777 vezes em que observamos animais não marcados, 34% eram fêmeas e 10% eram machos). Além disso, dos 14 filhotes capturados ao longo do estudo, dois eram fêmeas e 11 eram machos.

Em ambiente natural, a maior parte das espécies possui uma razão sexual de 1:1, pois desvios nesta razão em geral favorecem o sexo em menor número (cujo sucesso reprodutivo tende a aumentar), levando os pais a concentrarem a produção da prole neste sexo (Fisher, 1930 apud Krebs & Davies, 1993). No entanto, se a produção de filhos e filhas tem custos diferentes, a estratégia evolutiva estável requer que os pais invistam igualmente nos dois sexos (não simplesmente que produzam quantidades iguais de machos e fêmeas; Krebs & Davies, 1993). Os estudos que mostram

desvios na razão sexual de mamíferos (Clark, 1978; Clutton-Brock et al., 1984; Austad & Sunquist, 1986; Fernandez, Barros & Sandino, 2003; Kemme et al., 2009) funcionam como evidências desta teoria.

Um dos mecanismos pelo qual fêmeas podem viesar a razão sexual de sua prole para um sexo ou para outro se aplica a espécies nas quais o sucesso reprodutivo dos machos, mas não o das fêmeas, depende de sua condição corporal (Trivers & Willard, 1973). Esta situação é comum nos sistemas de acasalamento poligínicos, onde a variação no sucesso reprodutivo é maior entre machos do que entre fêmeas, já que há machos com múltiplas parceiras enquanto outros não têm nenhuma. Neste cenário, fêmeas bem alimentadas que desviem a razão sexual de sua prole para machos são favorecidas pela seleção natural, já que estes, sendo robustos, têm maior probabilidade de conseguir parceiras e, portanto, maior sucesso reprodutivo. Por outro lado, fêmeas mal alimentadas alcançariam maior sucesso gerando filhas, já que estas, mesmo não sendo muito robustas, não seriam tão prejudicadas quanto ao seu sucesso reprodutivo, pois dificilmente ficariam sem parceiros (Trivers & Willard, 1973; Austad & Sunquist, 1986). As outras hipóteses levantadas para desvios na razão sexual, ora favorecendo machos, ora favorecendo fêmeas (ver mais em Fernandez et al., 2003 e Kemme et al., 2009), não parecem se aplicar ao caso de C. intermedia.

O caso de machos e fêmeas nascidos em proporções semelhantes aplica-se à cobaia e ao preá comum: em C. aperea em meio natural e em C. porcellus em cativeiro, observou-se uma razão aproximada de 1:1 nos nascimentos (Sachser, 1998; Asher et al., 2004). Em C. magna esta razão variou ao longo do estudo (Kraus et al., 2003). Nossos resultados em C. intermedia são mais favoráveis à hipótese de que o desvio observado na razão sexual tenha sido causado pela maior probabilidade de captura de machos do que de fêmeas. A pequena diferença encontrada no MNKA entre os sexos e o alto número de fêmeas não marcadas são evidências que apontam para uma razão sexual 1:1 na espécie. Além disso, a disponibilidade de alimento na ilha para os preás não é farta (há manchas compartilhadas por vários animais e áreas descampadas), diminuindo a chance de que fêmeas estivessem viesando suas proles a favor de machos por conta de uma alimentação rica.

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