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3.3 UNIÃO EUROPEIA: A DINÂMICA NA INTERPRETAÇÃO DO DEVER DE

3.3.2 Razoável significando efetividade

Viu-se acima que no caso U.S. Airways V. Barnett, o requerente pediu que o termo “razoável” fosse interpretado no sentido de “efetividade”, mas essa interpretação foi negada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que considerou que “razoável” possui sentido de enfraquecer o dever de adaptação.

Com efeito, na linguagem tradicional não é possível concluir que “razoável” represente a otimização do objetivo. A solução seguida por países da União Europeia que adotaram reasonable accommodation no sentido de adaptação efetiva foi utilizar um termo ou adjetivo mais adequado, como, por exemplo, “adaptação efetiva” ou “medida apropriada”, ou explicar o seu sentido através de uma interpretação autêntica194.

Nos Países Baixos, o Act on Equal Treatment on the Grounds of Disability or Chronic Illness195, de 2004, dispõe que a proibição de fazer distinções também

abrange o dever de fazer adaptações efetivas de acordo com as necessidades de quem recebe a adaptação, a não ser que isso constitua ônus desproporcional196. Ao invés de “razoável”, utilizou-se o termo “efetivo”, tendo em vista a opção governamental de que ficasse claro que qualquer adaptação deve ser efetiva.

A efetividade da adaptação requerida pela pessoa com deficiência é aferida em duas questões: a) saber se a adaptação requerida é apropriada: ela realmente irá viabilizar que o indivíduo exerça a função? b) a adaptação requerida é necessária (é uma condição sine qua non para o exercício da função)?

Se a resposta para alguma das duas questões for negativa, então, não será devida adaptação, mas se ambas as respostas forem positivas, passa-se à próxima

194 WADDINGTON, Lisa. When it is reasonable for europeans to be confused: understanding when a disability accommodation is “reasonable” from a comparative perspective. Comparative Labor Law & Policy Journal, Vol. 29, No. 3, 2008. Available at SSRN: <https://ssrn.com/abstract=1128295>. Acesso em 03.out.2018. p. 330. 195 Disponível em

<http://www.ilo.org/dyn/natlex/natlex4.detail?p_lang=&p_isn=69255&p_count=100319&p_classification=05& p_classcount=3402>. Acesso em 13.out.2018.

196 “The prohibition of making a distinction also includes the duty for the person to whom the prohibition is addressed, to make effective accommodations in accordance to the need for this, unless doing so would constitute a disproportionate burden upon him or her”. In HOLTMAAT, Rikki. Report on measures to combat discrimination, Directive 2000/43/EC and 2000/78/EC, Country Report 2007, The Netherlands. European Network of Legal

Experts in the Nondiscrimination Field. Netherlands, 2008. Disponível em <http://www.migpolgroup.com/public/docs/170.2007_Countryreportonmeasurestocombatdiscrimination_Netherl ands_EN.pdf>. Acesso em 13.out.2018. p. 47.

fase do teste que consiste em investigar se há ônus desproporcional para o empregador em efetiva-la. Também deve ser considerada a possibilidade de o resultado do primeiro concluir pela existência de adaptações alternativas à requerida (por exemplo, menos custosa), porém, igualmente eficazes. Nesse caso, a próxima fase do teste – investigar ônus desproporcional – recairá sobre essa alternativa mais barata, mas igualmente eficaz.

A opção holandesa pela expressão “adaptação efetiva” é mais protetiva à pessoa com deficiência, porém, a proteção era limitada às relações de trabalho. Apenas em 14 de julho de 2016 a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência entrou em vigor nos Países Baixos197, o que expandiu para outras áreas a proteção da pessoa com deficiência contra discriminação por falta de adaptação efetiva.

Há diversos exemplos dessa expansão protetiva nos julgamentos da Comissão Holandesa de Igualdade de Tratamento (Dutch Equal Treatment Comission), que é um órgão semi-judicial nos Países Baixos encarregado de decidir demandas contra discriminação indevida. Dois casos julgados recentemente ilustram essa expansão.

No Acórdão nº 2018-96198, decidiu-se que uma rede de academias falhou em oferecer adaptação efetiva para pessoas com cão guia. A rede de academia propôs oferecer um espaço adequado para que o cão guia permanecesse durante o tempo em que a pessoa com deficiência estivesse praticando sua atividade física, porém o cão guia não poderia assistir o indivíduo com deficiência na área de treino. Tampouco a academia dispunha de funcionário para guiar o indivíduo na área de treino. Neste caso, o indivíduo com deficiência deveria contratar treinador pessoal por um custo extra para conseguir praticar exercícios na área de treino da academia. O julgamento concluiu que a medida proposta era discriminatória porque a contratação obrigatória pelo indivíduo com deficiência de um treinador pessoal como supervisor não constituía adaptação efetiva. Ao exigir a permanência do cão guia em local específico, retira-se parte da autonomia da pessoa com deficiência que é inteiramente dependente de cão guia.

197 Acessado em <https://www.mensenrechten.nl/nl/vn-verdrag-handicap>. Acesso em 13.out.2018. 198 Disponível em <https://www.mensenrechten.nl/nl/oordeel/2018-96>. Acesso em 13.out.2018.

Em outro julgamento, no Acórdão nº 2018-81199, uma escola havia postado em seu sítio eletrônico que não poderia receber crianças com síndrome de down. Tal texto era discriminatório porque desencorajava pais a buscarem educação de filhos com síndrome de down. De acordo com as razões de decidir, a escola partiu – erroneamente – do pressuposto de que a espécie de deficiência era decisiva para a negar matrícula ao aluno, pelo que se concluiu que a escola não cumpriu seu dever de investigar, à luz da legislação sobre igualdade de tratamento, as adaptações necessárias para cada criança com deficiência.

Além dos Países Baixos, também optaram por uma expressão que refletisse a efetividade, os países da Irlanda e França200.

Na Irlanda, o dever de adaptação razoável como medida de proteção para pessoas com deficiência existe desde 1998, mas foi na reforma de 2004, por meio do Equality Act 2004201, que incluiu interpretação autêntica para deixar claro que

appropriate measures significa medidas efetivas.

No mesmo sentido, a legislação da França optou pela referência à obrigação de realizar medidas apropriadas (measures appropriées), ao invés de adaptação razoável (aménagements raisonnables), quando promulgou a Lei n.º 2005-102, de 11 de Fevereiro de 2005202, sobre Igualdade de Direitos e Oportunidades, Participação e Cidadania das Pessoas com Deficiência, para adequar-se aos objetivos da Diretiva 2000/78/CE.

Em todo caso, remanesce como defesa a possibilidade de, após constatado que a adaptação requerida é efetiva, se justificar a falta de adaptação efetiva em razão do ônus desproporcional.

A seguir, será visto uma terceira alternativa na interpretação e aplicação de adaptação razoável, em que o termo razoável reúne, ao mesmo tempo, o duplo

199 Disponível em <https://www.mensenrechten.nl/nl/oordeel/2018-81>. Acesso em 13.out.2018.

200 WADDINGTON, Lisa. When it is reasonable for europeans to be confused: understanding when a disability accommodation is “reasonable” from a comparative perspective. Comparative Labor Law & Policy Journal, Vol. 29, No. 3, 2008. Available at SSRN: <https://ssrn.com/abstract=1128295>. Acesso em 03.out.2018. p. 333. 201 Appropriate measures, in relation to a person with a disability means effective and practical measures, where

needed in a particular case, to adapt the employer's place of business to the disability concerned. Disponível em

<http://www.irishstatutebook.ie/eli/2004/act/24/enacted/en/print.html>. Acesso em 13.out.2018.

202 Disponível em <https://www.legifrance.gouv.fr/jo_pdf.do?id=JORFTEXT000000809647>. Acesso em 13.out.2018.

significado de não resultar em custo excessivo para o empregador e ser efetiva para o empregado com deficiência.