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REAÇÃO GOVERNAMENTAL FRENTE AOS DESCAMINHOS DA SEGURANÇA PÚBLICA

3 SEGURANÇA PÚBLICA E CIDADANIA NO BRASIL

3.4 REAÇÃO GOVERNAMENTAL FRENTE AOS DESCAMINHOS DA SEGURANÇA PÚBLICA

Todas as questões levantadas nesse capítulo não encerram a discussão, muito pelo contrário, contribuem para uma reflexão acerca da política de segurança pública que, mesmo em um contexto democrático, ainda está influenciada pela ideologia autoritária bastante forte que se manifesta nas ações da polícia militar. Entretanto, essa violência policial não está em consonância com o seu papel constitucional, isto é, garantir a proteção das pessoas e do patrimônio. O que se percebe é uma constante violação dos direitos humanos mais elementares dos cidadãos, dentro os quais a vida.

Conquanto a violência policial não tenha sido freada no novo contexto democrático, consideráveis foram os avanços democráticos, especialmente no que tange à política de segurança pública brasileira. Dessa forma, fazemos jus ao fato de que houve um salto democrático, especialmente no que tange à implementação de leis mais condizentes com o novo ambiente democrático, com o intuito de evitar que grupos de risco sejam tratados de forma arbitrária pelos agentes da manutenção da ordem.

No ano de 1990 o Estatuto de Direitos da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069 de 13 de Julho de 1990), resultado de uma ampla mobilização da sociedade, especialmente do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, pôs fim à influência tão negativa, degenerativa e perversa que o antigo Código de Menores exercia. Dá-se um salto de qualidade, já que pela primeira vez as crianças e adolescentes são tratadas como sujeitos de direito; passam a gozar de todos os direitos inerentes à pessoa humana; e, dentre outros, têm o direito à vida e à saúde assegurados.

Mais especificamente, merecem destaque os constantes avanços políticos na promoção dos direitos humanos que, mesmo tendo sido desconsiderados durante o lastro representado pela ditadura militar, tinha como principal normativa a Declaração Universal dos Direitos Humanos, expoente documento internacional do

qual o Brasil fora signatário, embora não o cumprisse. Após a redemocratização, pauta-se a democracia brasileira, dentre outros princípios, no respeito aos direitos humanos, uma temática tão cara para o Brasil.

Dessa forma, o Brasil viveu um contexto bastante reivindicativo em torno da política de direitos humanos, principalmente a partir da década de 90, o que resultou em uma movimentação política em torno da organização de um Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), o que aconteceu em 1996, no Governo Fernando Henrique Cardoso. Não adentraremos agora em uma análise mais apurada em torno de tal Programa que, atualmente, está em sua terceira versão. Porém, vale ressaltar que a primeira versão do Programa foi lançada após o Massacre de Eldorado dos Carajás, quando trabalhadores sem-terra foram brutalmente assassinados pela Polícia Militar paraense, e outros tantos presos e torturados. O PNDH, conforme Pinheiro e Mesquita Neto (1997, p. 120),

[...] é a afirmação de uma nova concepção de direitos humanos, como um conjunto de direitos, universais e indissociáveis, que não apenas estão definidos em constituições e leis nacionais, mas também correspondem a obrigações assumidas em tratados internacionais ratificados pelo Congresso Nacional. Os direitos humanos, segundo tal concepção, são direitos definidos em tratados internacionais que os Estados estão obrigados a garantir não apenas nas suas relações com outras Nações, mas também nas relações com a sociedade e com os indivíduos e coletividades dentro do seu próprio território.

O PNDH 3, datado de 21 de Dezembro de 2009, traz, entre seus eixos, pressupostos que demarcam não somente uma nova relação entre Estado e sociedade, mas também demarca novos rumos para a segurança pública no Brasil. Nesse primeiro momento vale apontar que, dentre seus objetivos encontram-se: a promoção dos Direitos Humanos entre profissionais do sistema de segurança pública, assegurando sua formação continuada e compatível com as atividades que exercem; a consolidação de mecanismos de participação popular na elaboração das políticas públicas de segurança; o combate à violência institucional, com ênfase na erradicação da tortura e na redução da letalidade policial e carcerária; a garantia de proteção dos defensores de Direitos Humanos e de suas atividades; a

implementação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, dentre outros pontos.

Também queremos destacar o Plano Nacional de Segurança Pública, pois nele há a preocupação com uma nova abordagem policial, mais voltada para a cidadania e o respeito aos direitos humanos. Essa nova abordagem requer um novo sujeito para a segurança pública, que é correspondente com uma nova aliança entre Estado e sociedade. Segundo essa proposta, é essencial, para construção da paz, uma “transformação profunda das polícias, de seus valores fundamentais, de sua

identidade institucional, de sua cultura profissional, de seu padrão de comportamento” (BRASIL, PNSP, 2003, p. 21). Há no PNSP uma preocupação com

a reprodução dos direitos humanos nas instituições policiais. Acerca disso, plano afirma que

Os policiais desenvolvem uma compreensão equivocada dos direitos humanos, principalmente porque não experimentaram em suas vidas o exercício dessas prerrogativas, dado que exercem seu trabalho no interior de instituições verticalizadas, escalonadas e discriminadoras de direitos. Os direitos humanos têm de ser reproduzidos, principalmente pelas instituições cujo escopo é garantir a continuidade ordeira da sociedade. Não sendo assim, as polícias correm o risco de se reduzirem a aglomerados de funcionários da violência, ou de burocratas apáticos que convivem com a banalização do mal, sendo também seus produtores (BRASIL, PNSP, 2003, p. 25).

As reflexões acerca do Programa Nacional dos Direitos Humanos e do Plano Nacional, que serão tratados de forma mais apurada no próximo capítulo desse trabalho, apontam para a existência de uma nova concepção de segurança pública em consonância com os direitos humanos, mais voltadas para a afirmação da democracia e da cidadania. Além do mais, se quer, através desses importantes documentos, uma nova relação entre Estado e Sociedade e, acima de tudo, que as instituições policiais pautem as suas ações em concordância com os valores de direitos humanos.