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O pai real Ter ou não ter o falo

2.2 O COMPLEXO DE ÉDIPO E SEU CORRELATO, A CASTRAÇÃO

2.2.3 O pai real Ter ou não ter o falo

[...] a propósito do pai real, a noção será, a partir de então, e definitivamente, abordada não sob o ângulo do parentesco, mas da aliança homem-mulher, sob o ângulo, portanto, do efeito ‘colateral’ da posição do desejo do pai sobre a constituição subjetiva da criança. Não se enfatiza a dissimetria ou a hierarquia entre os papéis dos pais, mas sim a diferença sexual, homem-mulher, no casal de pais. (ZENONI, 2007, p. 24, grifo nosso).

No terceiro tempo do complexo de Édipo encontramos os desdobramentos, as implicações da privação do falo na mãe, levada a efeito no tempo anterior. Estes desdobramentos estão relacionados ao fato de que a diferença sexual agora se

impõe à consideração da criança. Se o pai é portador do falo, ele se torna o ideal do eu para a criança que o toma como referência.

Assim: criança/falo imaginário da mãe > castração da mãe > pai como ideal do eu.

É o tempo em que o pai passa de “velado” na fala da mãe, a “revelado” na sua presença real para a criança. Não estamos mais no nível do pai imaginário, mas no nível do pai real e como ele se mostra na sua função, uma vez acontecido o giro que a castração da mãe promoveu nas relações edipianas. Não basta ao pai, para se firmar no seu lugar, que ele se apresente como aquele que vem privar a mãe da criança e vice-versa. Ele tem que “intervir... eficazmente, realmente, efetivamente, o pai” (LACAN, 1999, p. 193). Ele tem que mostrar a que veio.

Lacan (1999), no texto que vimos citando, destaca a importância do pai real, que se faz valer pela sua presença efetiva diante do desejo da mãe/mulher. E que ele possa se haver com a rivalidade da criança e sustentar o seu lugar, ainda que à custa de manter um véu sobre o que ele tem que responderia pelo desejo da mãe. O falo é simbólico. É o significante do desejo e remete à possibilidade de significá-lo, mais além das relações erótico-agressivas imaginárias. Em torno dele se articulam as relações entre os sexos. O pai metaforiza, substitui com seu nome, o Nome-do-Pai, para a criança, o desejo da mãe. A criança pode imaginarizar isso como quiser. O pai não tem que prestar conta disso. Ele tem que se garantir no desejo da mulher, se ele a tomou como causa para o seu desejo.

Dividir o desejo da mãe/mulher entre a criança e o falo simbólico que o homem/pai deteria, remeter a mãe à sua sexualidade, é inscrever na criança os limites e os impasses colocados à sexualidade humana também submetida à estrutura da linguagem que lhe impõe significações que ultrapassam suas finalidades biológicas. O falo introduzido com a função paterna marca essa presença simbólica na sexualidade humana, e possibilita sustentar um desejo diante da posição masculina ou feminina com a qual a criança irá se identificar.

Dentro desta perspectiva, no que diz respeito ao sexo, a identificação ao ideal paterno implicaria, para a menina, se reconhecer castrada, ou seja, como não tendo o falo, e o menino se identificaria ao pai como aquele que tem o falo. A passagem se faz, então, do ser para o ter ou não ter , uma vez que, menino e menina, ambos tiveram que renunciar a ser o falo, a ser o objeto que satisfaria o desejo da mãe. Agora sim, é o tempo de subjetivar-se, identificando-se com uma posição masculina ou feminina.

O pai, quando passou pela castração, parte do principio que ele não é o falo. Isso seria, efetivamente, se colocar na posição infantil de rival imaginário da criança diante da mãe. Ele parte de que ele tem o falo, mas um falo simbólico, que, como tal, não se significa por si só, o desejo da mulher estando sempre em questão. O que se tem, sempre se pode perder.

Quanto à mãe, deve ser remetida à mulher, que, como não tem, irá buscá-lo com quem tem. Se a função paterna não intervém, dividindo a mãe com a mulher, existe o risco de sua lei tornar-se uma lei caprichosa, “toda ela no sujeito que a sustenta, isto é, no bem-querer ou malquerer da mãe, na mãe boa ou má” (LACAN, 1999, p. 195). Assim, para que a criança não lhe fique completamente sujeitada é preciso que se lhe ponha limite. Limite que consiste, conforme elaboração final de Lacan4,

em que o pai a tome, enquanto mulher, como objeto do seu desejo, assim dividindo- a em mãe e mulher, para que ela, não-toda mãe, deixe de esperar uma satisfação ‘toda’ da sua criança. Disso fala Zenoni (2007, p. 20):

Quando a mãe não está privada do objeto do seu desejo, ou, em outras palavras, quando ela parece tê-lo sem necessidade de se dirigir ao homem, quando seu desejo não está dividido entre o filho e o homem, o filho corre o sério risco de ficar preso no desejo de ‘ser’ esse objeto do desejo, no lugar de uma preferência-identificação por ‘aquele que tem’, na condição de ‘ideal do eu’.

Trata-se, finalmente, de encaminhar a criança para as questões da sexualidade onde a diferença conta. Significa. Cria impasses. Aqui vale lembrar Freud (1976j, p. 145) quando diz que “a constituição não se adaptará à sua função sem uma luta,

e que os pontos críticos decisivos já terão sido preparados ou completados antes da puberdade”.

Mesmo que LACAN (1998a, p. 185) já tenha dito do Complexo de Édipo que ele...

[...] não surgiu com a origem do homem [...] mas no alvorecer da história ‘histórica’, no limite das culturas ‘etnográficas’. Ele só pode surgir, evidentemente, na forma patriarcal da instituição familiar, mas nem por isso deixa de ter um valor liminar incontestável [...]

... hoje, quando o poder institucionalizado do pai se encontra muito mais frágil e dividido com a própria mãe e com os ‘novos pais’ , a importância do pai, sua incidência maior “[...] advém do pai real, precisamente do modo como ele se manifesta em sua relação efetiva com a mãe, enquanto mulher [...] como presença que causa impacto sobre o desejo da mãe enquanto mulher”. (ZENONI, 2007, p. 18).

Assim, torna-se essencial que a mãe esteja na fundação do pai. Que ela o aceite, que valorize a sua palavra como mediadora daquilo que “está para além da lei dela e de seu capricho, ou seja, pura e simplesmente, a lei como tal. É nisso que ele é, ou não é aceito pela criança, como aquele que priva, ou não priva a mãe do objeto do seu desejo” (LACAN, 1999, p. 197).

Para isso, contudo, cada vez mais o pai, cada pai, cada pai real, precisa encontrar seu lugar no desejo da mãe enquanto mulher. Cada pai é um pai, e sustenta, no lugar do Outro, um real que não tem nome, que se transforma em desejo, que ele aceita nomear.

Concluímos com Chatel (2002, p. 24, grifo nosso):

Segundo Lacan, a operação da metáfora paterna efetuada pelo desejo da mãe realizava-se para sujeito se o pai estivesse primeiramente presente, mas ‘velado’ na fala da mãe, depois ‘revelado’ 5, intervindo revestido do significante da metáfora

sob a forma de seu desejo pela mãe [...] É o complexo de Édipo.

Hoje diríamos que essa forma é a mais desejável forma [...] para introduzir o filho na lógica fálica com suas conseqüências de identificação sexual, essencialmente.[...] Em suma, seria o agenciamento comportando um pai que convém, como Winnicott pode dizer uma mãe suficientemente boa (good enough).

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