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Assim, demonstrada ainda que de forma perfunctória a especial complexidade inerente à adoção da medida de internação e ciente de que, ao homicida passional, agente-alvo deste trabalho, não cabe tratamento ambulatorial, já que se trata de crime apenado com reclusão, conforme já visto, o presente capítulo cuidará tão somente da relação Estado versus Medida de Internação, passando-se agora para a efetiva análise da realidade carcerária brasileira.

3. No caso dos autos, imposta medida de segurança de internação, observa-se a existência de patente constrangimento ilegal o fato de ter sido o paciente colocado em presídio comum, em razão da falta de hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado.

4. A insuficiência de recursos do Estado não é fundamentação idônea a ensejar a manutenção do paciente em regime prisional, quando lhe foi imposta medida de segurança de internação. Precedentes do STJ.

5. Ordem concedida para determinar a imediata transferência do paciente para hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado, devendo, na falta de vaga, ser submetido a regime de tratamento ambulatorial. (HC 108.517/SP, 5ª Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Arnaldo Esteves Lima, J. em 16.09.2008, P. em 20.10.2008). (grifos nossos).

É certo que a efetiva aplicação da medida de internação, com consequente inclusão do agente em hospital de custódia e tratamento, demanda tempo razoável.

Entretanto, para a jurisprudência pátria, prazo razoável seria aquele que não ultrapassa 30 (trinta) dias, conforme se pode verificar no julgado abaixo:

HABEAS CORPUS. SENTENCIADO INIMPUTÁVEL. IMPOSIÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA. CUMPRIMENTO EM ESTABELECIMENTO INADEQUADO. FALTA DE VAGAS. JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL.

ARTIGOS 66, INCISO VI, DA LEP E 96, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL.

CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM.

1. A medida de segurança imposta na sentença deve informar a sua execução, não importando, contudo, em constrangimento ilegal, o tempo de permanência necessário à transferência do inimputável do estabelecimento próprio da prisão provisória para aqueloutro ajustado ao decretado pelo Poder Judiciário.

2. Tal tempo deve subordinar-se ao princípio da razoabilidade, que faz injustificável transferência que se retarde por mais de 30 dias.

3. Cumpre ao juiz das execuções, por outro lado, à luz da norma insculpida no artigo 66, inciso VI, da Lei de Execuções Penais, que lhe reclama zelo pelo correto cumprimento da medida de segurança, decidir sobre a questão da inexistência de vaga ou de estabelecimento adequado, adotando providências para ajustamento de sua execução ao comando da sentença.

4. Ordem parcialmente concedida para que seja determinada a imediata internação do sentenciado em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou, à falta de vagas, para que o Juízo da Execução, ajustando-a, à luz do artigo 96, inciso I, do Código Penal, transfira-o para outro estabelecimento adequado, permitindo, inclusive, em caso de total impossibilidade, com as cautelas devidas, a substituição da internação por tratamento ambulatorial. (HC 18.803/SP, 6ª Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Hamilton Carvalhido, J. em 05.03.2002, P. em 24.06.2002).

(grifo nosso).

Destarte, fazendo uma interpretação sistemática dos arestos colacionados acima, conclui-se que qualquer permanência em estabelecimento inadequado, vivenciada por indivíduo submetido à medida de internação, por prazo

superior a 30 (trinta) dias, configura constrangimento ilegal, o qual não será afastado pela simples alegação de ausência de recurso estatal.

Nada obstante o regramento legal e o posicionamento da jurisprudência esboçado acima, a atual realidade carcerária brasileira gera a seguinte indagação: e como fica a situação daqueles que aguardam por meses, e até mesmo anos, pela sua transferência? Os tópicos seguintes cuidarão da resposta a essa pergunta, discorrendo sobre a possibilidade de detração e remoção imediata nesses casos.

4.1.1 Cômputo do tempo na fila de espera

Como visto, o Estado enfrenta terríveis limitações orçamentárias, o que acaba prejudicando que se dê o efetivo cumprimento às medidas de internação eventualmente impostas, já que não há disponibilidade de vagas em número necessário nos locais adequados ao tratamento imposto na sentença.

Diante dessa aflitiva realidade, inúmeras pessoas se veem despojadas de sua liberdade, sob o pretexto da necessidade de submissão a tratamento médico, sem, contudo, receberem o aludido acompanhamento, sendo “jogadas” ao cárcere, como se fossem criminosos ordinários, e esquecidas pelo sistema.

A despeito desse flagrante constrangimento ilegal, sustentam alguns ainda, que sequer poderia ser computado no prazo mínimo da medida de segurança o tempo em que esses indivíduos estiveram enclausurados provisoriamente em unidades prisionais regulares, aguardando na fila de espera.

Com o devido respeito aos defensores dessa corrente, trata-se de flagrante violação ao Princípio do ne bis in idem6, com reflexo primordialmente atentatório ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, fundamento do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, III, da Constituição Federal).

E mais, tal posicionamento pode, inclusive, ser considerado como transgressor de expressa disposição legal contida no artigo 42 do Código Penal, a saber:

6 Princípio implícito na Constituição Federal, segundo o qual ninguém poderá ser processado, condenado ou executado duas vezes pelo mesmo fato.

Art. 42. Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior. (grifos nossos).

Pela leitura desse dispositivo, percebe-se que o legislador, ciente da inevitável demora de um pronunciamento definitivo por parte do Estado-juiz, trouxe para o ordenamento jurídico pátrio o instituto denominado de “detração penal”, consistente no desconto, na pena privativa de liberdade ou na medida de segurança, do tempo em que o agente esteve: a) submetido à prisão provisória, aqui entendida em seu sentido amplo como toda e qualquer prisão processual; ou b) internado em hospital de custódia e tratamento ou outro local de finalidades semelhantes.

Assim, transpondo o instituto retro analisado para a realidade carcerária nacional já estudada, percebe-se nitidamente que o período em que o sentenciado permanece na fila de espera, aguardando remoção para estabelecimento adequado ao cumprimento da medida de internação, deve ser descontado do prazo mínimo da medida imposto na sentença absolutória imprópria, no caso de inimputáveis, ou condenatória, em se tratando de indivíduos semi-imputáveis.

Nesse sentido, leciona com maestria o ilustre doutrinador Mirabete (2006, p. 270):

“Também consagra a lei a detração, quanto ao prazo da prisão provisória e de internação, quando o sentenciado for submetido a medida de segurança, para a contagem do lapso de um a três anos, fixados em lei para a duração mínima desta (art. 97, § 1º). Nesse caso, a contagem do prazo de prisão provisória é computada não para o fim de cessar a medida de segurança, mas no prazo mínimo necessário à realização obrigatória do exame de verificação de cessação de periculosidade”. (grifos nossos).

Assim, discorrida sobre a aplicação da detração penal às medidas de segurança, a partir de agora, analisar-se-á a possibilidade de remoção imediata para estabelecimento penal adequado, independentemente da posição do agente na fila de espera.

4.1.2 Remoção imediata

Já foi dito que, no entender da jurisprudência dominante, o recolhimento em penitenciária de indivíduos submetidos à medida de internação configura constrangimento ilegal.

E não é só, entendem os Tribunais Superiores que não pode o sentenciado ser responsabilizado pela falta de estrutura e recursos do Estado.

Assim, deve haver a imediata remoção do agente para estabelecimento adequado ou, na impossibilidade disso, deve-se corrigir essa patente ilegalidade através da substituição da medida de internação por tratamento ambulatorial, com fundamento no disposto no artigo 96, I, do Código Penal, até que surja vaga em local adequado ao tratamento psiquiátrico ou, ainda, determinar a sua liberação condicional, conforme assevera o artigo 97, § 3º do mesmo diploma legal.

Nesse mesmo sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, confira-se:

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. PACIENTE SUBMETIDO A MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO. PERMANÊNCIA EM PRESÍDIO COMUM. ALEGADA FALTA DE VAGAS EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. 2.

ORDEM CONCEDIDA, EM PARTE.

1. É ilegal a prisão de inimputável sujeito a medidas de segurança de internação, mesmo quando a razão da manutenção da custódia seja a ausência de vagas em estabelecimentos hospitalares adequados à realização do tratamento.

2. Ordem concedida, em parte, para determinar a imediata transferência do paciente para hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado, sendo que, na falta de vagas, deve ser o mesmo submetido a regime de tratamento ambulatorial até que surja referida vaga. (HC 81.959/MG, 6ª Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Maria Thereza de Assis Moura, J. em 07.02.2008, P. em 25.02.2008). (grifo nosso).

MEDIDA DE SEGURANÇA (APLICAÇÃO). VAGA EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO (INEXISTÊNCIA). TRATAMENTO AMBULATORIAL (POSSIBILIDADE).

1. Aplicada medida de segurança consistente em internação em hospital psiquiátrico, configura constrangimento ilegal a manutenção do paciente em centro de detenção provisória.

2. Quando não há vaga em estabelecimento adequado – hospital psiquiátrico –, deve-se submeter o paciente a tratamento ambulatorial.

3. Habeas corpus deferido a fim de que seja submetido o paciente a tratamento ambulatorial até que surja vaga em estabelecimento adequado (HC 67.869/SP, 6ª Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Nilson Naves, J. em 12.06.2007, P. em 22.10.2007). (grifo no original).

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO. FALTA DE VAGA EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO.

I - Sendo aplicada ao paciente a medida de segurança de internação, constitui constrangimento ilegal sua manutenção em prisão comum, ainda que o motivo seja a alegada inexistência de vaga para o cumprimento da medida aplicada.

II – A manutenção de estabelecimentos adequados ao cumprimento da medida de segurança de internação é de responsabilidade do Estado, não podendo o paciente ser penalizado pela insuficiência de vagas. Habeas corpus concedido. (HC 31.902/SP, 5ª Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Felix Fischer, J. em 11.05.2004, P. em 01.07.2004). (grifo nosso).

Outro não é o entender do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

HABEAS CORPUS - MEDIDA DE SEGURANÇA - AGUARDANDO VAGA EM PRISÃO POR MAIS TEMPO DO QUE O DEVIDO, PARA INTERNAÇÃO NO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO - PACIENTE TIDO COMO INIMPUTÁVEL POR DECORRÊNCIA DE DEPENDÊNCIA DE ÁLCOOL - ORDEM CONCEDIDA PARA IMEDIATA REMOÇÃO PARA O HCTP OU ESTABELECIMENTO ADEQUADO SIMILAR – EM CASO DE NÃO POSITIVAÇÃO, PERMITIDO AGUARDAR VAGA EM LIBERDADE CONDICIONAL. (HC 990.10.353883-8, 6ª Câmara de Direito Criminal, Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator:

Pedro Menin, J. em 23.11.2010, P. em 09.12.2010).

HABEAS CORPUS - MEDIDA DE SEGURANÇA - PACIENTE PRESO - INEXISTÊNCIA DE VAGA EM HOSPITAL ADEQUADO - FIXAÇÃO DE PRAZO PARA EXAME DE CESSÃO DE PERICULOSIDADE, COM TRANSFERÊNCIA, SE FOR O CASO, PARA TRATAMENTO AMBULATORIAL – ORDEM CONCEDIDA PARA ESSE FIM. (HC 990.09.157599-2, 13ª Câmara de Direito Criminal, Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator: Lopes da Silva, J. em 28.01.2010, P. em 02.02.2010).

Assim, em hipótese alguma, deve o indivíduo sob o qual recai medida de internação aguardar em presídios comuns mais do que o necessário para a sua transferência7, já que de outra forma não estaria recebendo a assistência devida por parte do Estado.

Feitas essas considerações sobre a realidade nacional carcerária, mister analisar-se também a realidade dos hospitais de custódia e tratamento, o que será feito no tópico que segue.

7 Segundo a jurisprudência, como já visto, o prazo razoável é de até 30 (trinta) dias.

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