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Em 2016, com o advento da lei 13.303/16, conhecida como “Lei da Estatal”, a relação entre o regime destas entidades, seus agentes e o serviço público prestado se viu minuciosamente regulado, conforme previsão expressa do artigo 173 da Constituição Federal. A lei da estatal não só regulamentou o estatuto das empresas estatais, como também incidiu sobre a aplicação de toda legislação existente até o momento sobre o tema, como , por exemplo, o decreto nº 2745/98- Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petróleo Brasileiro S.A.- PETROBRÁS. Não houve, no entanto, revogação total dos diplomas anteriores, mas tão somente a substituição pelo que dispõe a lei 13.303/16, nos assuntos que agora passaram a ser regulados por esta.

Ainda há pouco conhecimento sobre o referido diploma legal. O tema, apesar de ter sua recomendação inserida no texto constitucional através da emenda 19/98, ou seja, há mais de 18 anos, trouxe consigo inovações, que serão aqui analisadas, principalmente, no que tange ao tema desta pesquisa: A prestação do serviço público pelas estatais e seus agentes.

O título I, capítulo II, da citada lei traz conceitos do direito econômico- ou do mercado- a serem aplicados na empresa estatal, são eles “regras de governança corporativa, de transparência e de estruturas, práticas de gestão de riscos e de controle interno, composição da administração e, havendo acionistas, mecanismos para sua proteção, todos constantes desta Lei”.

Como já exposto no item 2.1 deste trabalho, de fato as empresas estatais são a forma legal, com previsão constitucional, que o Estado possui para atuar no mercado, quando for o caso, logo, razoável que se aplique às estatais tratamento idôneo ao dispensado a qualquer empresa privada. Porém, o tema carecia de regulamentação, e permanecia vagueando sobre interpretações das respectivas normas constitucionais.

A nova norma traz em seu artigo 1º a ratificação das possíveis finalidades da empresa estatal, qual sejam, a prática de atividade econômica e a prestação de serviço público (apresentado nos termos da lei como “atividade econômica sob regime de monopólio da união”).

Não há separação expressa entre a atividade praticada pela empresa pública e a praticada pela sociedade de economia mista, tampouco com relação a suas subsidiárias. Ainda que uma ou outra pratique com mais frequência determinado tipo de serviço.

Estaríamos aqui diante de afronta ao disposto no artigo 173 da Constituição, uma vez que a lei da estatal vem regulamentar não só a atividade de mercado mas também a prestação de serviço público por parte da empresa estatal? O que se sabe é que, acerca do artigo 173, a doutrina entende majoritariamente que esta se refere apenas a atividade econômica, porém com a disposição do artigo 1º da lei 13.303/16 esse entendimento seria alterado ou seria caso de inconstitucionalidade da respectiva norma?

Vale ressaltar a visão de CARVALHO FILHO (2015) a respeito do tema, ao lecionar que o artigo 173, ao enfatizar a atividade econômica em seu texto, não pretende excluir o serviço público da referida regulação. Frisar a atividade econômica seria justificável à medida em que essa prática demanda maior cuidado e acompanhamento por parte do Estado e maior regulação por parte da legislação.

Outra dúvida pertinente às inovações da lei 13.303/2016 e ao direito administrativo, especificamente sobre as empresas estatais, diz respeito à responsabilização da entidade pública por danos causados por seus agentes. Nesse caso, a responsabilidade seria objetiva ou subjetiva?

Interpretando a disposição da lei, à luz do artigo 37 da Constituição Federal, a resposta depende da atividade exercida pela empresa estatal em questão. Em síntese, à empresa prestadora de serviço público aplica-se o dispositivo constitucional adotando a teoria da responsabilidade objetiva, e à empresa prestadora de atividade econômica, de acordo com

posicionamento majoritário da doutrina, aplicam-se as disposições do direito civíl, adotando- se a teoria subjetiva. Frise-se que em ambos os casos há responsabilidade subsidiária do Estado controlador.

O artigo 91 da lei da estatal, por sua vez, dispõe que “A empresa pública e a sociedade de economia mista constituídas anteriormente à vigência desta Lei deverão, no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, promover as adaptações necessárias à adequação ao disposto nesta Lei.”. Ora, o prazo dado para que as estatais já existentes se adequem ao regime da nova lei é considerável, o que nos faz admitir haver empresas públicas ou sociedades de economia mista operando de forma diversa da expressa na nova lei.

Outra observação trazida pela referida lei consta em seu artigo 94, que invoca a aplicação da lei 12.846/13- Lei Anticorrupção- às empresa públicas e sociedades de economia mistas, com algumas ressalvas. Tal dispositivo vem corroborar a ideia de aproximação entre o tratamento da empresa estatal e da empresa privada, pois prevê a possibilidade de punição às estatais que, na condição de contratadas pelo poder público, pratiquem infração visando obter vantagem ou proveito ilicitamente.

As ressalvas previstas nos incisos II, III e IV do caput do art. 19 da referida lei acabam por beneficiar a empresa estatal, o que aparentemente contradiz o exposto no parágrafo acima, trazendo distanciamento entre empresas estatais e privadas. Contudo, nos parece que tal proteção dada às estatais contra a suspensão ou interdição parcial de suas atividades, a dissolução compulsória da pessoa jurídica a contra a proibição de receber incentivos é sustentada pela parcela de receita pública atrelada a tais empresas, já que não seria razoável o poder público, como forma de penalidade, lesar o patrimônio público que integra as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

Em síntese, a lei 13.303/16, veio estabelecer o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, em cumprimento ao artigo 173, § 1º da Constituição Federal, e portanto trata-se de lei de âmbito nacional,. Além disso, o referido diploma estabelece normas gerais sobre pessoas jurídicas de direito privado e normas sobre licitações e contratos.

A doutrina carece de posicionamento quanto aos dispositivos que trazem regulamentação evolvendo também a empresa pública prestadora de serviço público, inclusive no que diz respeito a dispensa e inexigibilidade de licitação. Ainda envolvendo a questão licitatória, a nova lei aponta uma função regulatória para esse instituto, como por exemplo as que envolvem questões ambientais.

Além das questões assinaladas acima, a Lei 13.303/16 apresenta ainda outros temas importantes, como regras sobre o regime societário das estatais e as formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade. Contudo, não gerou, pelo menos até o momento, o impacto necessário à Administração Pública para o aprimoramento da prestação do serviço público. Resta aguardar que o tempo- lembrando do prazo de 2 anos para que as estatais já existentes se adequem ao disposto na nova lei- aproxime a prática da norma e que o reflexo social seja perceptível.

Diante de tais alegações, ainda não é possível afirmar que a Lei da Estatal trará grandes benefícios às empresas públicas e sociedades de economia mista, especialmente no que diz respeito à comparação entre estas e as empresas privadas. Afinal de contas, ao exercer atividade econômica a empresa estatal se vê privada de alguns privilégios dos quais goza a fazenda pública, portanto nada mais natural que possuir também as vantagens próprias da inciativa privada, a fim de se proceder a justa concorrência.

Quanto à comparação entre as empresas estatais e as privadas, é pertinente relembrar que o direito do serviço público, ao incidir sobre atividades econômicas em sentido amplo, não pode se pautar em estratégias que não tenham a ver com a lógica e o contexto econômicos dos delegatários de serviço público, não se confundindo a lógica econômica com suposto interesse econômico.

Relativamente a esta lógica, ARAGÃO (2013) bem exemplifica o raciocínio acima apresentado quando diz que o pagamento de tributos no prazo, por parte do dirigente de uma empresa, quando os juros por atraso ou inadimplemento são inferiores aos rendimentos de uma possível aplicação do montante junto ao mercado financeiro implicariam em consequências advindas do sistema econômico.

Portanto, mais do que o texto da lei, a aplicação do que dispõe a lei 13.303/16 num contexto de mercado terá por objetivos o eficaz atendimento ao princípio da supremacia do interesse público, sem, contudo, alçar as empresas estatais à condição excessivamente discrepante do que se encontram empresas privadas pertencentes ao mesmo mercado. Aliada a isso, a capacidade de mudança e de renovação das estatais no dinâmico modelo regulador do Estado, é a garantia de sua continuidade e melhoria frente à competitividade do mercado e aos diferentes modelos de gestão existentes.

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