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Recomendação I: Os Objetivos da Auditoria

4. ANÁLISE DE DADOS

4.1 O Estudo Desenvolvido em Parceria com a OCDE

4.1.1 Recomendação I: Os Objetivos da Auditoria

A primeira recomendação da OCDE abarca o tema sobre o objetivo da auditoria da prestação de contas do presidente da República (OCDE, 2012: 122). Antes mesmo de ser possível discutir esta recomendação, há no fraseado da OCDE inovação quanto às práticas e ao entendimento do corpo técnico, até então vigentes no TCU. Ela refere-se à alusão da OCDE que o exame do TCU em relação às contas do presidente é trabalho de

auditoria. Este entendimento está presente nas recomendações, na medida em que se baseiam nas normas da Intosai sobre auditoria.

Assim, a primeira questão a ser respondida é quanto à natureza do trabalho dos processos de exame da prestação de contas ordinárias, se se trata de auditoria. Esta a questão no âmago desta pesquisa, em que trata do questionamento com o auxílio da metáfora de que: instruir processo de contas é realizar trabalho de auditoria, na medida em que o instrumento seria bastante adequado para atingir os objetivos propostas de exame dos demonstrativos legais, da legalidade, legitimidade da gestão, bem como do desempenho das organizações públicas.

Retornando à primeira recomendação sobre os objetivos da auditoria da prestação de contas, a OCDE (2012) propõe que:

Objetivo da auditoria

I. O TCU poderia se concentrar no posicionamento das CPR como documento fundamental para a responsabilização e tomada de decisão do governo, e o relatório de auditoria como garantia independente de informações relatadas nas CPR. Ao fazê-lo: 1. Empregar a posição do TCU como órgão auxiliar do Congresso Nacional para

entender o nível de compreensão e uso das CPR pela Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização e outras comissões setoriais, preservando a independência do TCU;

2. Explorar as possibilidades de cooperação e coordenação com a CGU e a STN para entender o uso das CPR pelo público-chave, levando em consideração as normas para resguardar a autonomia do TCU, preservando a independência do TCU; e

3. Recorrer à autoridade do TCU para moldar e aprimorar as características qualitativas das CPR, especificamente a relevância, confiabilidade, inteligibilidade e comparabilidade das informações relatadas.

A recomendação é complexa, ao propor que a atuação do TCU contribua para transformar a prestação de contas do presidente da República em documento chave da accountability governamental e do processo de tomada de decisão por parte do governo, posicionando o relatório de auditoria do TCU como documento independente de asseguração das informações constantes da prestação de contas.

A recomendação da OCDE sugere ainda que o TCU deveria se valer de sua especial posição de auxiliar do Congresso Nacional para melhor compreender de que

forma a Comissão Mista de Planejamento, Orçamento e Fiscalização, e outras comissões parlamentares, enxerga e utiliza a prestação de contas do presidente.

Ademais, sugere que o TCU poderia se articular, em cooperação e coordenação, com a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e a Controladoria-Geral da União (CGU), para melhor entender como a prestação de contas é utilizada por atores-chave. Por fim, o TCU poderia usar sua autoridade legal em relação ao conteúdo das contas, com o intuito de moldar e melhorar a qualidade das informações ali contidas.

Essa recomendação encerra o cerne das propostas da OCDE, na medida em que pressupõe mudança no enfoque do trabalho realizado pelo TCU até então, ao realçar que o principal documento em todo o processo é o produzido pelo Poder Executivo, i.e., a própria prestação de contas, e não o relatório produzido pelo próprio TCU.

A OCDE constatou que o relatório produzido pelo TCU passava a ser considerado como o principal documento a ser lido, sendo a prestação de contas stritu sensu deixada de lado. Em certa medida, virtudes e qualidades do trabalho do TCU, como seleção de temas, profundidade da abordagem, com concisão, clareza e objetividade, estavam prejudicando o processo visto em abordagem mais ampla, a da estrutura de governança do governo federal, em que a obrigação de demonstrar a boa e regular aplicação dos recursos público compete ao gestor e não ao órgão de controle.

O enfoque proposto pela OCDE faz do trabalho produzido pelo TCU, materializado em seu relatório e no Parecer Prévio, como complemento a ser anexado à prestação de contas do presidente, ao apontar suas falhas, erros ou omissões, bem como para embasar medidas de melhoria na qualidade das informações, com vistas a melhorar a transparência e a accountability governamentais e o processo decisório.

Aplicabilidade da Recomendação I ao Cenário de Julgamento das Prestações de Contas Ordinárias

O destinatário final da prestação de contas do presidente da República é o Congresso Nacional, a quem compete seu julgamento. O TCU atua auditando-as, com vistas a emitir parecer sobre a situação das contas prestadas, para em seguida devolvê-las ao Congresso Nacional, para a emissão do juízo final quanto à aprovação.

Estabelece-se, assim, relação triangular entre o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Tribunal de Contas da União, em que o primeiro confere mandato ao segundo, que lhe presta contas; as contas são auditadas pelo terceiro, que informa o

primeiro sobre a adequabilidade das informações. Esse modelo jurídico-político de escrutínio das contas públicas em muito se aproxima do modelo de controle externo adotado pelos países do tipo Westminster.

A relação nas contas ordinárias não segue a mesma lógica, pois o destinatário final da prestação de contas é o próprio TCU. Ele é o julgador, tendo o processo de contas cumprido seu objetivo imediato com o julgamento. A relação que se estabelece, em sentido estrito, é apenas entre o ente público e o TCU.

No que tange ao conteúdo material das prestações de contas ordinárias, o TCU possui total controle, na medida em que o conteúdo é integralmente definido por normativos internos, na regulamentação que faz das informações que devem contar dos relatórios de gestão das unidades obrigadas a prestarem contas (Acórdão 1.842/2008-P).

Assim, quanto ao TCU atuar com vistas a promover o documento de prestação de contas como o principal documento de accountability do órgão público, a recomendação se aplica diretamente, estando inclusive em consonância com as disposições do citado Acórdão 1.842/2008-P, anterior mesmo à propositura das recomendações da OCDE.

O Congresso Nacional e o TCU são os destinatários das prestações de contas do presidente e dos gestores ordinários, respectivamente, do ponto de vista do processo jurídico-legal, como sendo os órgãos a que a Constituição conferiu o poder de julgá-las. Em mirada mais abrangente, a sociedade é também destinatária dessas prestações de contas, o que reabriria a discussão sob a ótica da participação dos cidadãos e do controle social no processo de apreciação das contas públicas.