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2. OFERTA AO PÚBLICO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

2.2 Reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor à tutela pelo CDC

Ciente da condição do consumidor nas relações que estabelece com o fornecedor, o movimento consumerista caminhou junto com os movimentos sindicais, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX, em busca de melhores condições de trabalho e de poder aquisitivo. Apesar disso, separaram-se, no contexto da história norteamericana, com a criação da “Consumer League”, em 1891, que evoluiu para a “Consumer Union”, como é conhecida hoje, nos Estados Unidos, que atua na conscientização dos consumidores e no ajuizamento de ações judiciais (FILOMENO, 2012, p. 4-5).

Foi um discurso proferido pelo então presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, em 15 de março de 1962, que ficou conhecido como o dia internacional do consumidor, o marco inicial da discussão sobre direito do consumidor como um desafio importante para o mercado. Destacou-se o papel que cada indivíduo, que deve ser considerado como consumidor, exerce nesse cenário econômico, e quais são os seus direitos legítimos (MARQUES, 2013, p. 32).

Inspirada no discurso proferido pelo presidente norteamericano, a Organização das Nações Unidas, através da Resolução nº 39/348, em 1985, estabeleceu uma política geral de proteção ao consumidor, evidenciando os seus interesses e a necessidade da garantia de seus direitos em todos os Estados filiados (FILOMENO, 2012, p. 6). Dessarte, estabeleceu o direito do consumidor como um direito humano de nova geração à medida em que dispôs sobre diretrizes a esta legislação para que se efetivasse como um direito social e econômico, a fim de assegurar a igualdade material do mais fraco e leigo e dos empresários, fornecedores de produtos e serviços, detentores da informação e da técnica de produção dos bens de consumo (MARQUES, 2013, p. 32).

Em síntese, a resolução de 1985 da ONU reconheceu o desequilíbrio enfrentado pelo consumidor dada a sua capacidade econômica, nível de educação e poder de negociação para com o empresário-fornecedor. Em face disso, promoveu a proteção quanto aos prejuízos à sua saúde e segurança e a seus interesses econômicos, o fornecimento de informações adequadas, a educação entre os consumidores e a garantia da liberdade de formação de instituições de relevância para que interviessem em certos processos de decisão (FILOMENO, 2012, p. 6).

Regionalmente, a ONU estabeleceu as “recomendações e conclusões do seminário regional latino-americano e do Caribe sobre proteção do consumidor”, logo depois, em 1987, a fim de se adequar a Resolução nº 39/348 aos aspectos particulares da América Latina (FILOMENO, 2012, p. 6-7).

É de se ressaltar, neste ínterim, que o surgimento do direito do consumidor ganhou espaço nos Estados Unidos, nos países da Europa e nas demais nações capitalistas facilmente, já que é um direito social típico das sociedades capitalistas industrializadas. No Brasil, no entanto, chegou de maneira mais devagar e incipiente (MARQUES, 2013, p. 32).

Neste sentido, em nosso país, o início da codificação dos direitos dos consumidores ocorreu com a Constituição Federal de 1988. Dispôs, no art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que caberia ao Congresso Nacional, no prazo de cento e vinte dias a contar da promulgação da Constituição, elaborar um código para a tutela do consumidor, que ocorreu em 1990, com a Lei nº 8.078 – conhecida como Código de Defesa do Consumidor (MARQUES, 2013, p. 33).

O direito do consumidor se estabeleceu, dessa forma, como o conjunto de normas e princípios que almejam o cumprimento de três mandamentos dados pela Constituição: promoção da defesa dos consumidores, observância como princípio da atividade econômica a defesa do sujeito de consumo e a sistematização dessa tutela especial através de lei infraconstitucional, a reunir normas de direito público e privado para a tutela do consumidor como sujeito de direitos e garantias (MARQUES, 2013, p. 33).

Há de ser considerado, pois, como um microssistema, em vista de que ser código é ser um sistema lógico e disposto segundo princípios, com seus próprios objetivos a serem perseguidos por lei estabelecidos em seu art. 4º (MARQUES, 2013, p. 57).

A coordenação a que é disposto o código é essencial para que seja concebido como um sistema: em primeiro lugar, dispõe sobre os direitos básicos do consumidor, em seu art. 6º, deveres a que o fornecedor deve observer para garantir a qualidade dos produtos e serviços, prevenção e reparação de danos, nos arts. 8º, 9º e 10, e a responsabilidade civil por fatos e vícios dos produtos e serviços, nos arts. 12 a 28. Além disso, o código ainda atinge outras tutelas para a garantia de sua efetividade, como no que concerne à proteção do consumidor nos contratos que firma com o fornecedor (ALMEIDA, 2009, p. 38).

O Código de Defesa do Consumidor dispõe, em seu art. 1º, que a Lei nº 8.078/1990 é uma norma de ordem pública e interesse social – mesmo que não possua posição hierárquica superior às demais leis ordinárias, ser atribuída como tal revela seu caráter preferencial em relação a elas. Além disso, infere-se que, por tratar de um direito constitucional fundamental, retira a possibilidade das partes afastarem a sua aplicação (MIRAGEM, 2014, p. 68-69).

O caráter de ordem pública e interesse social revela também que o código é norma de função social que possui regras tanto de direito privado de ordem pública quanto de direito

público. Impossível o afastamento de sua aplicação através de contratos, já que visa à proteção dos consumidores (MARQUES, 2013, p. 66).

Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor, apesar de ser formalmente uma lei ordinária porque não aprovado sob a forma de código ou lei complementar, é aplicado de maneira imperativa nas relações jurídicas sob a égide do direito privado, antes baseadas no princípio da autonomia da vontade (MARQUES, 2013, p. 66-67).

Em suma, pode-se concluir que a norma regulamentadora de aplicação às relações consumeristas é lei de função social, que se caracteriza por estabelecer valores orientadores da sociedade de consumo, assegurar direitos a um grupo social específico e impor deveres a pessoas que desempenham determinado papel da sociedade, que são considerados capazes de suportar certos riscos. Ademais, por terem esse viés social, as leis de função social já sobrevêm com a missão de transformar a sociedade e conduzi-la a um novo patamar de harmonia e respeito nas relações sociais, com abordagem interdisciplinar e ampla (MARQUES, 2013, p. 69-70).