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Reconstrução do materialismo Histórico

Capítulo 02 – Implicações ontofilogenéticas na evolução social

1- Reconstrução do materialismo Histórico

Nos argumentos empregados em Para a Reconstrução do Materialismo Histórico (Zur

Rekonstruktion des Historischen Materialismus) Habermas não poupa esforços para assegurar a

leitura do materialismo histórico em uma plataforma que lhe permita reivindicar créditos para a sua teoria de evolução social. 267 A partir dessa obra será possível encontrar os elementos que servirão de base para a estruturação da evolução social e, ainda, alocar o problema da homologia entre sociedade e indivíduo e os caminhos que objetivam a sua resolução. A homologia, como veremos, constituir-se-á o problema de maior relevância para sustentar a teoria da evolução social e assegurar a vinculação desta à teoria social crítica. Apresentar as três homologias sugeridas por Habermas, no texto de 1976, especificando suas deficiências e contribuições para a consolidação da teoria da evolução social, é o objetivo deste capítulo.

Habermas considera que a teoria da comunicação, embora esteja voltada à solução de problemas filosóficos – naquilo que se refere ao fundamento das ciências sociais – também se mantém vinculada a questões relativas à teoria da evolução social. “Ao examinarem as hipóteses singulares sobre a teoria da evolução, deparamo-nos com problemas que, ao contrário, tornam necessárias considerações da teoria da comunicação Komunikationstheoretischer”. 268 A teoria da

267

Habermas considera a análise do capitalismo como chave de acesso privilegiado à teoria da evolução social, pois é das sociedades capitalistas que se pode extrair o conceito geral de ‘princípio de organização’ (Einleitung, p. 38; RMH, p. 38) Porém, muita atenção cabe aqui. Uma coisa é a configuração do sistema econômico, visto como princípio de organização social específico do capitalismo servir de ponto balizador para avaliar as formações sociais pertencentes a estágios anteriores, outra, muito diferente por sinal, é valer-se “da lógica do capital como chave para a lógica da evolução social”. (Einleitung, p. 39; RMH, p. 38) Para Habermas “[...] Marx entendeu o materialismo histórico como uma teoria global da evolução social, considerando a teoria do capitalismo como um dos seus segmentos parciais”. (Einleitung, p. 41; RMH, p. 40) No entanto, a forma com que Marx fez da sua teoria um indicativo de desenvolvimento, visava antes de tudo, “identificar e explicar os desenvolvimentos críticos com base nos quais era possível observar a limitação estrutural da capacidade de direção e de controle, e em fundar a necessidade prática de uma mudança do princípio de organizaçãosocial”. (Einleitung, p. 41; RMH, p. 40) O materialismo apenas indica, a partir de problemas sistêmicos resolvidos ou não, o fracasso e a inovação das sociedades ao responderem aos desafios sistêmicos. As referências acima especificadas estão contidas em: “Einleitung: Historischer Materialismus und die Entwicklung normativer Strukturen”. In: HABERMAS, Jürgen. Zur Rekonstruktion des Historischen Materialismus. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1976. Tradução portuguesa: “Introdução: Materialismo histórico e o desenvolvimento de estruturas normativas”. In: HABERMAS, Jürgen. Para a Reconstrução do Materialismo Histórico. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 2ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1990. Para as demais referências faremos menção ao termo:

Einleitung, seguida da paginação da edição portuguesa, representada pela sigla: RMH.

268

comunicação visa a um materialismo histórico renovado. 269 Em Para a Reconstrução do

Materialismo Histórico, o principal argumento de Habermas está em dizer que:

[...] há boas razões para justificar a hipótese de que, também na dimensão da convicção moral, do saber prático, do agir comunicativo e da regulação consensual dos conflitos de ação, têm lugar processos de aprendizagem que se traduzem em formas cada vez mais maduras de integração social, em novas relações de produção, que são as únicas a tornar possível, por sua vez, o emprego de novas forças produtivas.270

No esforço de salvaguardar os pressupostos do materialismo histórico, porém, com a inversão entre forças produtivas e relações de produção, Habermas deposita valor altamente considerável nas estruturas de racionalidade – expressa, como vimos, em (i) imagens de mundo, (ii) idéias morais e (iii) formação da identidade – as quais são materializadas em sistemas de instituições. É no destaque da reconstrução destas estruturas de racionalidade – as quais contemplam as estruturas normativas – que Habermas irá distinguir entre lógica do desenvolvimento e dinâmica

do desenvolvimento.

A pretensão teórica do materialismo histórico é levada em consideração pelo fato de a evolução social estar intrinsecamente ligada à história do gênero humano e, nesse ínterim, assumir a tarefa, a exemplo do materialismo histórico, de explicar a transição das civilizações antigas para as sociedades de classes e destas para as modernas sociedades. Em O papel da Filosofia no Marxismo

(Die Rolle der Philosophie im Marxismus), publicado pela primeira vez em 1974 na revista Práxis,

colhe-se a seguinte afirmação de Habermas: “Neste sentido, tenho o materialismo por um programa pleno de sentido de uma teoria futura da evolução social, ainda obviamente em sua forma não acabada”.271

As reflexões de Habermas mais bem amadurecidas, no decurso de uma série de textos produzidos na década de 1970, tendem a elaborar como objetivo principal o desenvolvimento de um programa teórico que encampa a reconstrução do materialismo histórico272 e, ao mesmo tempo, explicita a sua teoria da evolução social. A leitura desses textos deixa ver que a teoria da ação comunicativa e a ética do discurso fazem parte do contexto de uma ambiciosa teoria da evolução

269 Einleitung,p. 12; RMH, p. 14. 270 Einleitung,p. 11-12; RMH, p. 13-14. 271

HABERMAS, Jürgen. “Die Rolle der Philosophie im Marxismus” (O papel da filosofia no marxismo). In: Zur

Rekonstruktion des Historischen Materialismus. Frankfurt am Main: Suhrkamp. 1976. p. 57. Para as demais referências

a esse texto, mencionaremos o título conforme segue: Die Rolle der Philosophie im Marxismus.

272

Ver: HABERMAS, Jürgen. Historical Materialism and the Development of Normative Structures. In: The Habermas

social.273 As evidências dessa afirmação começam a se tornar claras, de modo especial, em Para a

Reconstrução do Materialismo Histórico, quando Habermas apresenta as razões para estender o

modelo da psicologia do desenvolvimento – presente no seu modelo de moral pós-convencional – do indivíduo para o nível social.274

A teoria da evolução social no molde habermasiano pode assim ser considerada, além de outros qualificativos, como uma teoria reconstrutiva das capacidades humanas em níveis de aprendizado cada vez mais elevados, tendo em vista alicerçar as bases para uma teoria social. Em seu escopo, leva em consideração, sobretudo, que o desenvolvimento das competências do indivíduo pressupõe o desenvolvimento dos contextos sociais ou formas de vida.

O programa de Habermas objetiva integrar a teoria da ação – envolvendo significado e intencionalidade, papéis e normas, valores e crenças – e a teoria funcionalista de sistemas – contemplando estrutura e função, sistema e processo, diferenciação e adaptação – tendo como marco referencial a consecução desse propósito na forma de uma teoria da evolução social, que se inspira em grande parte no materialismo histórico de Marx.

A teoria da ação, na visão de Habermas, somente adquirirá maior clareza se alcançar o padrão de uma pragmática universal, capaz de “reconstruir os pressupostos gerais e necessários da comunicação”, isto é, reconstruir “as estruturas gerais da ação orientada à compreensão e à capacidade de ação universal dos sujeitos socializados”. 275 Habermas vale-se da teoria da ação para introduzir os elementos constitutivos da sociedade, entendida por ele da seguinte maneira: “Considero ‘sociedade’ todos os sistemas que, por meio de ações lingüísticas coordenadas (instrumentais e sociais), se apropriam da natureza exterior (por meio de processos de produção) e da natureza interior (por meio de processos de socialização)”. 276 A compreensão da sociedade, nos moldes da teoria da ação, retira a possibilidade de as ciências sociais construírem teorias sociológicas imediatamente vinculadas ao darwinismo biológico, ou de a teoria da evolução social descrever as mudanças sociais pelos parâmetros da evolução natural. Tanto as ciências sociais quanto a teoria da evolução social devem considerar a sociedade por aquilo que ela possui de essencial em primeiro lugar, isto é, as condições dadas para a comunicação falada. Daí a afirmação de Habermas: “[...] temos que exigir uma teoria que ilustre as propriedades formais gerais da

273

OUTHWAITE,Willian. The Habermas reader. Introdução Part VI: Evolution and Legitimation, p 223.

274

OUTHWAITE, Willian. Habermas. A Critical introduction. p. 58

275

Zum Theorienvergleich in der Soziologie: am Beispiel der Theorie der sozialen Evolutionstheorie. In: HABERMAS, Jürgen. Zur Rekonstruktion des Historischen Materialismus. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1976. p. 130.

276

atuação comunicativa”.277 O que isto quer dizer? Quer dizer que não se compreende a teoria da evolução social desprendida da sociedade e esta não é compreendida senão por meio da teoria da ação, por aquilo que há de mais significativo na formação social: a ação comunicativa. Logo, explicitar a teoria da evolução social e o solo no qual ela se move (sociedade) não é outra coisa senão explicitar as condições de possibilidade da própria ação comunicativa, o que se faz mediante a pragmática universal. Esta, por sua vez, refere-se a uma “[...] teoria que procede de modo reconstrutivo e que, como a lógica e a lingüística, contém recomendações para a reconstrução de competências gerais, dominadas intuitivamente, entre elas, as competências de participação na interação e no discurso em geral”. 278

Naquilo que se refere à teoria funcionalista de sistemas, Habermas, apesar de enxergar uma determinada dimensão do desenvolvimento possível – no sentido de adaptação e aumento de complexidade – não deixa de criticá-la em razão de a mesma não contemplar uma teoria de aprendizagem específica. “Se não existe clareza sobre a importância de uma construção conceitual e teórica específica para a esfera do objeto, a teoria de sistemas pode degenerar até converter-se em um jogo lingüístico sem força explicativa”. 279

Para teorias funcionalistas, a evolução social está submetida ao aumento da complexidade, sendo este o critério que mede e avalia a evolução. Para Habermas, o problema da limitação do funcionalismo reside no fato de que este “explica as conquistas evolutivas coordenando problemas sistêmicos com soluções funcionalmente equivalentes” e, de resto, ao assumir esse procedimento, afasta-se de explicações que deveriam ser dadas sobre os processos evolutivos de aprendizagem.280

Desse modo, Luhmann teria reduzido as pretensões da teoria da evolução social, quando buscou inseri-la no quadro definido pela teoria sistêmica, substituindo a cooperação pela

necessidade funcionalista e, ao mesmo tempo, quando apelou para a história como guia das

arbitrariedades do método funcionalista.

[...] Luhmann deve, com efeito, afastar as pretensões da teoria da evolução no sentido de fornecer explicações reduzindo-as ao papel de iluminações próprias de uma disciplina que estuda as possibilidades; isso pelo simples fato de que a radicalização da teoria sistêmica empreendida por ele tem como conseqüência que, nesse quadro, não são mais abordáveis questões genéticas. 281

277

Zum Theorienvergleich in der Soziologie: am Beispiel der Theorie der sozialen Evolutionstheorie, p. 131-132.

278

Zum Theorienvergleich in der Soziologie: am Beispiel der Theorie der sozialen Evolutionstheorie, p. 132.

279

Zum Theorienvergleich in der Soziologie: am Beispiel der Theorie der sozialen Evolutionstheorie, p. 131.

280

Einleitung, p. 40; RMH, p. 41.

281

Geschichte und Evolution. In: HABERMAS, Jürgen. Zur Rekonstruktion des Historischen Materialismus. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1976. p. 228. Tradução portuguesa: “História e Evolução”. In: HABERMAS, Jürgen. Para

Habermas, seguindo Döbert, indica qual é o mais alto quesito a ser preenchido por uma teoria da evolução social: “ela deve compensar e não repetir os pontos débeis da teoria sistêmica”.282 Essa afirmação deixa bem definido o posicionamento de Habermas em relação a Luhmann: a teoria sistêmica não é suficiente para permitir captar o mecanismo sociocultural da aprendizagem. Para captar esse mecanismo, na visão de Habermas: “[...] é preciso ter uma teoria genética da cognição mediatizada lingüisticamente (nas esferas tanto do pensamento objetivante como das convicções prático-morais), uma teoria que explique a aprendizagem evolutiva como um processo, no sentido de Piaget, de construção e reconstrução, em vez de nela injetar, a priori, o funcionalismo”.283

Não é pouca a dívida que Habermas tem com o estruturalismo genético de Piaget, o qual contribui, de maneira significativa, para o preenchimento e combinação dos três pontos acima considerados: a perspectiva estruturalista, a perspectiva da teoria da ação e a perspectiva evolutiva.284 É importante notar que a teoria da evolução social, como Habermas está pensando, não está circunscrita ao modelo das ciências naturais, tendo antes significativo aporte nas teorias reconstrutivas, as quais já alcançaram salutar desenvolvimento nos campos da lingüística e da psicologia evolutiva cognitiva.285 Fundamentalmente, no que se refere ao materialismo histórico, cabe notar que:

[...] O trabalho de Habermas da década de 1970 está também substancialmente interessado com a reconceitualização marxista e outras explicações de crises. Outra vez, ele expande o foco de Marx. Considerando que Marx concentra-se nas tendências de crises econômicas a qual conduz a outras transformações sociais, Habermas concentra-se no desdobramento dessas tendências dentro de outras esferas sociais, notavelmente o domínio político de legitimação.286

O pressuposto básico contido em Para a Reconstrução do Materialismo Histórico, sem desfocar a atenção da teoria da ação comunicativa, visa a explicitar a teoria da evolução social habermasiana. É nesse aspecto, portanto, que Marx adquire importância para os objetivos a que

1990. p.188. Faremos referência a esse texto da seguinte forma: Geschichte und Evolution, acrescida da paginação da tradução portuguesa, identificada pela sigla RMH.

282

Geschichte und Evolution, p. 229; RMH, p. 190.

283

Geschichte und Evolution, p. 231; RMH, p. 191.

284

MC CARTHY (1992), p. 273.

285

MC CARTHY (1992), p. 277.

286

OUTHWAITE, Willian. The Habermas reader. Introdução Part VI: Evolution and Legitimation. p. 224. [...] Habermas’s work of the 1970s is also substantially concerned with reconceptualizing Marxist and other accounts of crisis. Once again, he expands Marx’s focus. Whereas Marx concentrates on the economic crisis tendencies which lead to other social transformations, Habermas concentrates on the displacement of these tendencies into other social spheres – notably the political domain of legitimation.

Habermas se propõe: “[...] Minha opinião [de Habermas], porém, é que Marx entendeu o materialismo histórico como uma teoria global da evolução social, considerando a teoria do capitalismo como um dos seus segmentos parciais”.287 A preferência pelo modelo teórico de Marx é explicável: “[...] Marx julgou o desenvolvimento social não pelo aumento da complexidade, mas pelo estágio de desenvolvimento das forças produtivas e pela maturidade das formas de relação social.”288

O fato de Habermas pautar-se em Marx não significa que a sua teoria evolucionária mantenha laços estreitos com o materialismo histórico em seu modelo original. O materialismo histórico, conforme se deixa expressar pelo seu procedimento de reconstrução, passa necessariamente pelas considerações da teoria do agir comunicativo. Com a delimitação do pensamento de Marx, a tese levantada e sustentada por Habermas é a de que o desenvolvimento das estruturas normativas funciona – como já indicado anteriormente – enquanto abridor de caminhos para a evolução social; pois tão somente a estruturação de novos organismos sociais – quer-se dizer, novas formas de integração social, – permitirão a consecução de novas forças produtivas que, por conseqüência, tornarão exeqüível o aumento da complexidade social. A leitura de Habermas tende, nesse sentido, a manter de Marx, porém em uma outra perspectiva, a dimensão tanto histórica quanto material.

[...] a teoria de Habermas conserva as dimensões histórica e materialista: materialista no foco das crises de produção e reprodução, e historicamente orientada em atenção às circunstâncias contingentes na qual surgem as mudanças evolucionárias.289

Enquanto Marx situa o progresso histórico nas dimensões do desenvolvimento das forças produtivas e da maturidade das formas de integração social, Habermas busca revisar esta posição, desdobrando-as em duas dimensões de racionalização: a cognitiva-técnica e a prático-moral.

A estratégia de Habermas é formular os princípios da evolução social e da ordenação da lógica evolutiva em termos universais e abstratos, de modo que seja possível evitar cair nas especificidades histórico-sociais, isto é, nos condicionamentos empíricos particulares. Para tanto e a fim de satisfazer a tais objetivos, é possível afirmar que o intuito premente consiste na combinação

287

Einleitung, p. 41, RMH, p. 40.

288

OUTHWAITE, Willian. Habermas: A Critical Introduction. Cambridge: Polity Press, 1996, p. 60. “[…] Marx judged social development not by increases in complexity but by the stage of development of productive forces and by maturity of the forms of social intercourse”.

289

OUTHWAITE (1992), p. 61. “[...]Habermas’s theory remains, he claims, historical and materialist: materialist in its focus on crises of production and reproduction, and historically oriented in its attention to the ‘contingent circumstances’ which give rise to evolutionary changes”.

“[...] do plano de analisis genético-estructural com um plano de analisis histórico-empírico, com la finalidad de satisfacer condiciones de adecuación tanto lógico-evolutivas como empíricas”.290 A hipótese que norteia tais propósitos é a idéia – já vista – de que a formação de uma sociedade em um dado momento está determinada por um princípio fundamental de organização. Segundo Thomas Mc Carthy, em Problemas de Legitimação do Capitalismo Tardio, Habermas teria iniciado, ainda que de maneira indutiva, a descrição dos princípios de organização social. Seu objetivo aí era determinar a forma de integração social dominante em um dado momento do estágio de evolução, tendo como foco de atenção o núcleo institucional. Na obra de 1976, o propósito passa a ser outro, ou seja, classificar as formas de integração social alcançada anteriormente nos termos devidos de uma lógica evolutiva. Porém, essa classificação não basta por si, requer-se comprovação da homologia que frisamos insistentemente.

Habermas deixa manifesto que a sua intenção é analisar o materialismo histórico como teoria da evolução social. 291 Na leitura marxista, a evolução se dá “mediante a atividade produtiva dos próprios indivíduos socializados”, deixando entender que a reconstrução da história do gênero passa, antes, pela organização do trabalho e sua configuração no modo de produção, ponto basilar que permite ao homem manter a conservação de sua vida e igualmente a possibilidade de organizar “relações materiais de vida” na configuração da sociedade. A visão de Habermas é a de que “Marx concebe a história como uma sucessão discreta de modos de produção que – em sua ordenação segundo uma lógica de desenvolvimento – torna reconhecível a direção da evolução social”.292

No prisma de Marx, a caracterização de um modo de produção vem atrelada ao desenvolvimento das forças produtivas conectadas com determinadas formas de relações sociais – entendidas como relações de produção. As forças produtivas englobam, entre outras coisas, a força do trabalho, o saber tecnicamente manuseado no aumento da produtividade, o aparato organizativo para a melhor aplicabilidade desse saber disponível, enfim, todos os elementos que contribuem eficazmente para a melhor disposição de domínio sobre os processos naturais. Em contrapartida, as

290

MC CARTHY (1992), p. 283.

291

Zur Rekonstruktion des Historischen Materialismus,. In:HABERMAS, Jürgen. Zur Rekonstruktion des Historischen

Materialismus. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1976. p. 144. Tradução portuguesa: “Para a Reconstrução do

Materialismo Histórico”. In: HABERMAS, Jürgen. Para a Reconstrução do Materialismo Histórico. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 2ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 111. Faremos referência a esse texto da seguinte forma: Zur Rekonstruktion des Historischen Materialismus acrescida da paginação da tradução portuguesa, identificada pela sigla RMH.

292

relações de produção referem-se ‘às instituições e aos mecanismos sociais’ que se estruturam sob determinado estágio do desenvolvimento das forças produtivas.

Aspecto salutar a considerar nesse ponto é a dependência, assinalada por Marx, entre as forças produtivas e as relações de produção, o que inevitavelmente impede qualquer leitura que pretenda ver entre as duas dimensões uma variação de independência. Nesse sentido, reforça Habermas o diagnóstico das conseqüências que derivam do posicionamento do materialismo histórico nos moldes circunscritos por Marx:

[...] as forças produtivas e as relações de produção não variam independentemente umas das outras, mas formam estruturas que: a) se correspondem reciprocamente; b) produzem somente um número finito de graus de desenvolvimento estruturalmente análogos; de modo que: c) o resultado é uma série de modos de produção que devem ser ordenados segundo uma lógica de desenvolvimento.293

Dentro da versão ortodoxa do marxismo – destaca Habermas – é defendido o posicionamento de seis modos de produção distribuídos ao longo da história do gênero, os quais entendem-se como “graus universais de evolução social”. Desse ponto de vista evolutivo, destacam-se os seguintes modos de produção: a comunidade primitiva, o modo de produção antigo, o feudal, o capitalista e o socialista. Ao desenvolvimento histórico do Oriente antigo e da América a ele é acrescido o modo de produção asiático.

Habermas constata que a interpretação da história do gênero nos moldes do materialismo

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