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3.1 A aproximação entre os sistemas Civil Law e Common Law e sua influência nas

3.1.1 A reconstrução da teoria da repartição das funções públicas e a explosão dos novos

Parecendo constituir um dogma (AZAMBUJA, 1998) ou mito73 do direito público, a teoria da separação das funções estatais ou “teoria da separação dos poderes” é uma das invocações discursivas mais rotineiras quando se discorre a respeito dos limites da atividade judiciária, frente aos novos direitos individuais e sociais. O esboço da teoria foi elaborado pela primeira vez por Aristóteles, em A Política; depois, Locke, no Segundo tratado

sobre o governo civil também ofereceu sua contribuição, tendo sua consagração, por fim, em O Espírito das Leis, de Montesquieu (MORAES, 2002, p. 13).

Aristóteles (2013), em A Política, pregava que na organização do Estado havia três partes, que deveriam merecer especial cuidado. A primeira, a assembleia dos cidadãos, o corpo deliberante, o verdadeiro soberano; a segunda seria a magistratura, os funcionários designados pela assembleia para certas funções e; a terceira, o corpo judiciário. Todavia, se Aristóteles discriminou os órgãos, confundiu as funções, pois deu à assembleia o conjunto de todas as atribuições, sendo os dois outros órgãos simples delegações suas, sem atribuições bem definidas (AZAMBUJA, 1998).

Em verdade, Locke foi o primeiro escritor que realmente colaborou para a teoria da divisão dos poderes (AZAMBUJA, 1998). Inspirando-se na Constituição inglesa, ele pregava, em seus Ensaios, que era necessário que as funções do Estado fossem exercidas por órgãos diferentes74.

73 “Hoje, tende a considerar-se que a teoria da separação dos poderes engendrou um mito. Consistiria este mito

na atribuição a Montesquieu de um modelo teórico reconduzível à teoria dos três poderes rigorosamente separados: o executivo (o rei os seus ministros), o legislativo (1ª câmara e 2ª câmara, câmara baixa e câmara alta) e o judicial (corpo de magistrados). Cada poder recobriria uma função própria sem qualquer interferência dos outros. Foi demonstrado por Eisenmann que esta teoria nunca existiu em Montesquieu: por um lado, reconhecia- se ao executivo o direito de interferir no legislativo porque o rei gozava do direito de veto; em segundo lugar, porque o legislativo exerce vigilância sobre o executivo na medida em que controla as leis que votou, podendo exigir aos ministros conta da sua administração; finalmente, o legislativo interfere sobre o judicial quando se trata de julgar os nobres pela Câmara dos Pares, na concessão de amnistias (sic) e nos processos políticos que deviam ser apreciados pela Câmara Alta sob acusação da Câmara Baixa. Além disso, mais do que separação, do que verdadeiramente se tratava era de combinação de poderes: os juízes eram apenas ‘a boca que pronuncia as palavras da lei’; o poder executivo e legislativo distribuíam-se por três potências: o rei, a câmara alta e a câmara baixa, ou seja, a realeza, a nobreza e o povo (burguesia). O verdadeiro problema político era o de combinar estas três potências e desta combinação poderíamos deduzir qual a classe social e política favorecida” (CANOTILHO, 1998, p. 110-111).

74 “O poder legislativo é aquele que tem competência para prescrever segundo que procedimentos a força da

comunidade civil deve ser empregada para preservar a comunidade e seus membros. Entretanto, como basta pouco tempo para fazer aquelas leis que serão executadas de maneira contínua e que permanecerão indefinidamente em vigor, não é necessário que o legislativo esteja sempre em funcionamento se não há trabalho a fazer; e como pode ser muito grande para a fragilidade humana a tentação de ascender ao poder, não convém que as mesmas pessoas que detêm o poder de legislar tenham também em suas mãos o poder de executar as leis, pois elas poderiam se isentar da obediência às leis que fizeram, e adequar a lei a sua vontade, tanto no momento

A Montesquieu, em O Espírito das Leis, coube não somente a sistematização de uma teoria completa da divisão dos poderes como também a difusão de tal doutrina pela Europa, fato que veio a se constituir em um dos maiores fatores na organização dos Estados modernos (AZAMBUJA, 1998). Primeiro, ao discorrer sobre a Constituição da Inglaterra, distinguiu os chamados três poderes75, para, então, depois, justificar as razões pelas quais os três ‘poderes’ deveriam estar separados76.

A separação dos poderes, dessa maneira, foi concebida num momento histórico em que se pretendia limitar o poder do Estado e reduzir ao mínimo sua atuação; com a evolução dos diversos povos, novas exigências foram criadas, atingindo profundamente a atuação daquele, que passou a ser cada vez mais solicitado a agir, ampliando sua esfera de ação e intensificando sua participação nas áreas tradicionais, o que impôs, por sua vez, a necessidade de uma legislação mais numerosa e técnica, incompatível com os modelos da separação de poderes; com o Welfare-State, o Legislativo, por sua vez, já não tinha condições de estabelecer regras específicas, enquanto o Executivo não podia ficar à mercê de um lento processo de elaboração legislativa para, só então, responder às exigências sociais, não raras vezes graves e urgentes (DALLARI, 2002).

A separação de poderes foi um dos remédios contra o abuso do poder estatal, inclusive do próprio Legislativo e do Judiciário77, consistindo não apenas em uma separação vertical das principais funções do Estado entre os órgãos situados no vértice da administração de fazê-la quanto no ato de sua execução, e ela teria interesses distintos daqueles do resto da comunidade, contrários à finalidade da sociedade e do governo” (LOCKE, 2001, Capítulo XII, p. 170).

75 “Existem em cada Estado três tipos de poder: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem

do direito das gentes e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil. Com o primeiro, o príncipe ou magistrado cria leis por um tempo ou para sempre e corrige ou anula aquelas que foram feitas. Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, instaura a segurança, previne invasões. Com o terceiro, ele castiga os crimes, ou julga as querelas entre os particulares. Chamaremos a este último poder de julgar e ao outro simplesmente poder executivo do Estado” (MONTESQUIEU, 2000, Livro XI, Capítulo VI, p. 167-168).

76 “A liberdade política, em um cidadão, é esta tranquilidade de espírito que provém da opinião que cada um tem

sobre sua segurança; e para que se tenha esta liberdade é preciso que o governo seja tal que um cidadão não possa temer outro cidadão. Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo de principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares” (MONTESQUIEU, 2000, Livro XI, Capítulo VI, p. 168).

77 Montesquieu (2000, Livro XI, Capítulo VI p. 170), sobre a objetividade dos julgamentos advertia: “[...] os

julgamentos devem sê-lo a tal ponto que nunca sejam mais do que um texto preciso da lei. Se fossem uma opinião particular do juiz, viveríamos em sociedade sem saber precisamente os compromissos que ali assumimos”. A decisão do juiz, segundo Montesquieu, deve ser uma reprodução fiel da lei, não se podendo deixar ao juiz qualquer liberdade de exercer uma fantasia legislativa, porque se o mesmo pudesse modificar as leis com base em critérios equitativos etc., o princípio da separação dos poderes seria negado pela presença de dois legisladores (BOBBIO, 1999, p. 40).

estatal, mas também a separação horizontal entre órgãos centrais e periféricos nas várias formas de autogoverno, que vão da descentralização político-administrativa até o federalismo (BOBBIO, 1992, p. 148), tendo sido concebida para assegurar a liberdade dos indivíduos, e muito embora seja clássica a expressão separação de poderes, é ponto pacífico que o poder do Estado é uno e indivisível, sendo normal e necessário a existência de muitos órgãos exercendo o poder do Estado, porque a unidade do poder não se quebra por tal circunstância (DALLARI, 2002).

Para Dalmo Dallari (2002, p. 215-222),

Na verdade, as próprias exigências de efetiva garantia de liberdade para todos e de atuação democrática do Estado requerem deste maior dinamismo e a presença constante na vida social, o que é incompatível com a tradicional separação de poderes. É necessário que se reconheça que o dogma da rígida separação formal está superado, reorganizando-se completamente o Estado, de modo a conciliar a necessidade de eficiência com os princípios democráticos.

Eros Roberto Grau (1998) adverte que o importante é verificar que na construção de Montesquieu, não se cogita de uma efetiva separação de poderes, mas de uma distinção entre eles, que deveriam atuar em clima de harmonia78, não custando lembrar o que o próprio filósofo político já alertava:

Eis, assim, a constituição fundamental do governo de que falamos. O corpo legislativo sendo composto de duas partes, uma paralisará a outra por sua mútua faculdade de impedir. Todas as duas serão paralisadas pelo Poder Executivo, que o será, por sua vez, pelo Poder Legislativo. Estes três poderes deveriam formar uma pausa ou inação. Mas como, pelo movimento necessário das coisas, eles são obrigados a avançar, serão obrigados a avançar concertadamente (MONTESQUIEU, 2000, p. 176).

Montesquieu, antes de tudo deve ser compreendido e interpretado dentro do quadro da revolução burguesa que se deu em França de 178979 (LEAL, 1997b), e conquanto tenha bem demonstrado a necessidade da separação dos poderes, julgava também necessário que eles fossem harmônicos; que se limitassem reciprocamente, sem que, todavia, fossem absolutamente separados e não paralisassem uns aos outros; entretanto, os revolucionários franceses desvirtuaram-na, proclamando a separação absoluta das funções do Estado, de forma que os três poderes não se limitavam reciprocamente, mas se entravavam, provocando conflitos e determinando a paralisação da atividade pública (AZAMBUJA, 1998).

78 “Montesquieu, como vimos, além de jamais ter cogitado de uma efetiva separação de poderes, na verdade

enuncia a moderação entre eles como divisão dos poderes entre as potências e a limitação ou moderação das pretensões de uma potência pelo poder das outras” (GRAU, 1998, p. 171).

79 “A teoria da divisão dos poderes está, pois, condenada no mundo contemporâneo. Mas ela nasceu para atender

a um reclamo profundo da consciência humana, que é a proteção das liberdades do homem e do cidadão. O problema, pois, que se arma nos dias de hoje é o de descobrir uma nova técnica de proteção das liberdades humanas. Técnica que ainda não se conhece e que, portanto, não está sendo posta em prática nos países onde o poder tem tido necessidade de se afirmar com vigor” (LEAL, 1997b, p. 35).

Nesse contexto, fica compreensível entender que a interferência do Judiciário em assuntos do Legislativo e do Executivo não é uma anomalia, caso seja feita dentro de uma estrutura institucional que permita o diálogo com as outras funções e até com a oitiva dos anseios da sociedade, pois sendo o Judiciário uma função republicana, não podendo se manter imóvel ante as novas demandas e a busca por soluções advindas do vazio legislativo ou da inércia administrativa.

É certo, porém, que essa interferência ainda causa certa perplexidade, diante de um novo contexto constitucional que tem como característica a mutabilidade e o reconhecimento de direitos que são descobertos no próprio texto constitucional, na medida em que surgem novos atores, protagonizando-se novos anseios e potencializando-se velhos conflitos, servindo o Judiciário como um dos espaços democráticos para a discussão desses direitos.

Assim, as Instituições dos Sistemas de Justiça brasileiras passam por um momento de peculiar consolidação, em decorrência do permissivo democrático pós 1988, sendo relevante que o mundo acadêmico avalie comparativamente outros modelos, com as críticas e ponderações necessárias, podendo-se, dessa forma, entender por que razões a definição e a execução das políticas públicas têm migrado da função legislativa e executiva para a judiciária, inclusive as questões patrimoniais, objeto deste estudo.

Ronald Dworkin (2010), ao criticar as teorias da decisão judicial, adverte que essas concepções de Common Law veem as regras do direito costumeiro como vagas, as quais devem ser interpretadas antes de se poder aplicá-las a casos novos, devendo os juízes criar um novo direito, como se fossem delegados do Legislativo, promulgando-se lei que, na concepção dos magistrados, os legisladores promulgariam caso estivesse diante de determinado caso. Assim, “os juízes não deveriam ser e não são legisladores delegados, e é enganoso o conhecido pressuposto de que eles estão legislando quando vão além de decisões políticas já tomadas por outras pessoas” (DWORKIN, 2010). É interessante notar que Max Weber (s/d) já fazia um contraponto a esse pensamento de Ronald Dworkin e a metáfora do juiz Hércules, o qual pode ser assim resumido:

A ideia de ‘uma lei sem lacunas’ é claro, energicamente questionada. A representação do juízo moderno como autômato que recebe os processos e os custos a fim de poder emitir o veredicto, junto com as razoes justificadoras deste, mecanicamente transcritas de parágrafos codificados, é uma representação aereamente resistida, talvez com motivo de que uma sólida burocratização da justiça traz aparelhada certa aproximação a esse modelo. No âmbito do procedimento judicial há setores nos quais o legislador leva diretamente o juiz burocrático a ‘individualizar’ os procedimentos.

Para Bruce Ackerman (2008), a Constituição estadunidense leva as instituições80 normais a agirem com prudência, não defendendo a sua autoridade a qualquer preço; elas são explicitamente convidadas a trabalhar arduamente em uma parceria com as instituições não- convencionais que representam o povo. No entanto, se as instituições usuais podem ceder às reinvindicações populares dos ativistas revolucionários em um momento anômalo, elas continuam a desempenhar um papel estabilizador essencial, sustentando uma continuidade constitucional significativa mesmo em momento de ruptura institucional radical. Não é em vão que os estadunidenses conseguiram transformar momentos de crises intensas em triunfos democráticos de criatividade constitucional.

Nessa perspectiva, parece residir, aqui, um dos grandes ensinamentos do cenário institucional americano, que absorveu o que havia de melhor do espírito prático da Common

Law, o que permitiu, em diversos momentos históricos de tensão, a superação das crises

institucionais. Parece que essa deve ser uma lição a ser assimilada pelas Instituições dos Sistemas de Justiça brasileiras, ao interferirem na execução das políticas públicas, inclusive a patrimonial.

Essa suposta delegação legislativa acabou levando os juízes americanos, em diversos momentos históricos, ora mais ou menos atuantes, ao ativismo, pois ao tempo em que sustentavam que os tribunais deveriam aceitar a orientação das chamadas cláusulas constitucionais vagas, desenvolveram princípios de legalidade e igualdade, os quais poderiam ser renovados continuamente conforme a posição moral da magistratura ao julgar os atos do Legislativo e do Executivo (DWORKIN, 2010).

Ocorre que o papel da magistratura nos países que enfrentaram a modernidade tardia não ocorreu no mesmo momento histórico da magistratura estadunidense. Com certo atraso, o protagonismo judicial brasileiro veio a se afirmar, de forma efetiva, somente após 1988, tendo em vista que o ativismo está intimamente ligado à questão de acesso à justiça. Este último, por sua vez, está diretamente ligado à democracia que só floresceu após o término do regime militar (RIBEIRO, 2008), o que comprometeu sobremaneira a consolidação das instituições brasileiras, dentre elas o Judiciário e as demais Instituições dos Sistemas de Justiça, que passaram a travar verdadeira guerra em busca da efetividade dos velhos e novos direitos individuais, sociais e coletivos.

E nas palavras de Mauro Cappelletti (2010, p. 63),

80 O papel crucial dos mercados não torna as outras instituições insignificantes, mesmo em termos de resultados

que a economia pode produzir; os resultados de mercado são influenciados por políticas públicas em educação, epidemiologia, reforma agrária, proteção legal, havendo muito o que se fazer através da ação pública, o que pode alterar o resultado de relações econômicas locais e globais (SEN; KLIKSBERG, 2010).

A estrutura dos novos direitos sociais é radicalmente diferente daquela das liberdades tradicionais: e a diferença é tal que explica a extrema dificuldade da realização concreta destes direitos, e da realização portanto da nova democracia político-social por estes caracterizada.

Não basta, de fato, diversamente daquilo que acontece para os direitos individuais de liberdade, a afirmação dos direitos sociais em uma norma constitucional para que estes, automaticamente, encontrem o correspondente reflexo na realidade jurídica do Estado: estes não comportam para o Estado, como as liberdades políticas, uma mera obrigação negativa de não fazer, de deixar de fazer, ao contrário, comportam uma obrigação positiva de agir – uma obrigação, mais ainda, que tem o caráter de

permanência, tem a necessidade de ser permanentemente cumprida e com vigilante

assiduidade, porque não é daquelas que se cumpre e se extinguem de uma vez para sempre [...] Enquanto com os direitos tradicionais ‘se aponta para salvaguardar a liberdade do cidadão da opressão política’, com os novos direitos sociais se aponta ao invés, ‘para salvaguardar da opressão econômica. O fim é o mesmo, isto é, a defesa das liberdades individuais, mas os meios são diferentes: porque, enquanto para satisfazer os direitos sociais, o Estado deve empenhar-se ativamente para destruir o privilégio econômico e para auxiliar o necessitado a liberar-se da necessidade, a tarefa do Estado para a defesa da liberdade não se encerra mais na cômoda inércia do laissez faire, mas implica uma tomada de posição no campo econômico e uma série de prestações ativas na luta contra a miséria e contra a ignorância’.

Neste trabalho, as teorias de Mauro Cappelletti servirão de base a respeito da discussão entre judicialização e as Instituições dos Sistemas de Justiça. Justifica-se tal aporte teórico em virtude do jurista italiano ter compreendido os problemas do processo moderno em um contexto social, político e econômico, ou seja, o pensador não se preocupou apenas em verificar as questões internas do processo, como algo a ser resolvido pelos juristas, tendo investigado a questão em uma esfera mais abrangente, indo além da crença infantil de que os problemas de efetividade processual81 atuais são meros problemas de legislação.

Mauro Cappelletti e Bryant Garth, na obra Acesso à Justiça (2002), informam três ondas de acesso à justiça, quais sejam: (i) a expansão da oferta de serviços jurídicos aos setores pobres da população; (ii) a incorporação dos interesses coletivos e difusos; e (iii) a contemplação de mecanismos alternativos de solução de litígios, tais como a justiça informal, a simplificação da lei e o desvio de casos de competência do sistema formal legal (RIBEIRO, 2008).

81 Cappelletti e Garth (2002) recordam que embora o acesso efetivo à justiça venha sendo crescente e aceito

como um direito social básico nas sociedades modernas, o conceito de ‘efetividade’ é, por si só, vago, pois a efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa ‘igualdade de armas’, ou seja, a garantia de que a conclusão final depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos; a igualdade perfeita, contudo, seria utópica, devendo ser ultrapassados os obstáculos ao acesso à justiça, como as custas judiciais, o tempo do processo etc.

Contudo, o acesso à justiça, no Brasil, atualmente, parece que já não se trata de uma questão de acesso82, mas de efetividade83, ou seja, o país, através das Instituições dos Sistemas de Justiça, criou todo um aparato institucional para proporcionar que os cidadãos tivessem acesso às instituições formais. Porém, o acesso fica comprometido quando se analisa a qualidade, a efetividade e a temporalidade, haja vista que as Instituições dos Sistemas de Justiça brasileiras não estão desvinculadas de seu histórico burocrático.

O acesso à justiça não pode ser compreendido, dessa maneira, apenas com a ampliação quantitativa, sem preocupação com a questão qualitativa da distribuição daqueles que dela necessitam (RIBEIRO, 2008). Por exemplo, preocupou-se muito com a questão do aparelhamento institucional das Instituições, com discursos muitas vezes corporativistas em busca de autonomia financeira e administrativa de instituições como o Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia Pública e Polícias, mas, por outro lado, cobrou-se muito pouco, em termos de eficiência de resultados, dessas instituições. E o que é pior: o discurso de acesso à justiça, principalmente aos pobres84 e à proteção dos interesses

coletivos85, não raras vezes, é utilizado apenas para se garantir ou se conquistar novas

benesses86 à “nobreza ou fidalguia burocrática” das Instituições dos Sistemas de Justiça