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2. METODOLOGIA 15

2.2 Recorte analítico e Ações da pesquisa 22

Nesta pesquisa investigamos o diálogo entre três esferas da Agroecologia, a formulação teórica, a dimensão formativa e a construção produtiva concreta dos agricultores. Esse debate passa pela construção do conhecimento nas experiências tecnológicas como elementos da emancipação popular.

A perspectiva teórica de partida dessa abordagem trata dos assentamentos, da agricultura camponesa e das construções produtivas em diálogo com a Agroecologia como os sujeitos e espaços, que numa dinâmica dialética permanente de dominação-resistência materializam o enfrentamento à agricultura industrial e as experiências de resignificação das relações sociais de produção e da vida social. Num segundo momento, este trabalho buscou dialogar e discutir os dados levantados em campo com arcabouços teóricos e as categorias chave em Agroecologia, Teoria da Alienação, Teoria Crítica da Tecnologia, Educação popular, Estudos da Cultura e Trajetória Camponesa. Elencou-se, assim, categorias emancipatórias na perspectiva de debater as relações de rupturas-permanências nesse universo do campo.

A primeira etapa do percurso analítico foi definir e localizar o entendimento desta pesquisa sobre emancipação e transformação social, conceitos bastante complexos e controversos dentro das teorias sociais. Explicamos o processo de transformação social e emancipação como movimento do real, da totalidade das relações no mundo da vida, como a superação da alienação do ser humano em relação ao seu trabalho, à natureza e ao conjunto da sociedade. Logo, verificamos os possíveis diálogos entre a proposta teórica de intervenção na realidade da Agroecologia e a concepção de transformação social abordada.

O enfoque dos estudos foi identificar e descrever aspectos positivos e emancipadores na Agroecologia, ou seja, suas construções teóricas e práticas, coletivas e individuais, para verificar se realmente as experiências agroecológicas4 desenvolvidas pelos agricultores camponeses se

enquadravam dentro do delineamento conceitual adotado como transformação social. Como a abordagem foi de identificação e verificação da existência de processos emancipadores dentro da

4 Por experiência agroecológica entendemos a vivência social como conjunto de relações coletivas e

individuais, práticas e teóricas, que constroem objetivamente formas de organizar o trabalho na agricultura, maneiras de se relacionar com a natureza, com a comunidade e os outros indivíduos, valores, posturas elementos ideológicos. São entendimentos sobre a vida, o entorno onde o camponês está inserido e sobre a sociedade que ele se faz parte.

Agroecologia, direcionou-se a pesquisa para a escolha de trajetórias individuais exemplares, ou seja, agricultores camponeses com experiência técnica, formativa e organizativa em Agroecologia, aliados à atuação política e comunitária dentro dos assentamentos e trajetória de luta nos movimentos sociais. Procuramos por histórias individuais constituídas de processos coletivos e sociais, como confluências de teoria e prática, estrutura e especificidade, história e intervenção na realidade, que supostamente seriam emancipadores.

Dentro das concepções de Mészáros (2006), as intervenções humanas na realidade e no processo histórico, buscando a autorealização do trabalho como atividade essencial humana e vocação da paixão pela vida, são sempre dialéticas. Neste processo entre teoria e prática, ensaios e execução nas iniciativas de busca por superar a alienação, o ser humano como um ser automediador da natureza com papel ativo, no desenvolver das suas atividades e ações, vai criando novos objetivos e necessidades. Assim, a produção de contradições, e a reprodução de relações de opressão e ideologia dominante são elementos intrínsecos do desenvolvimento humano.

Porém, as perspectivas dessa pesquisa não foram de estudar as complexidades, os contextos e as contradições dos assentamentos e das manifestações da Agroecologia, e sim, de sistematizar, definir e organizar os aspectos positivos e emancipadores dessa experiência nas esferas do trabalho e da cultura. Buscamos, então, circunscrever e caracterizar, especificamente, os aspectos, dentro da experiência agroecológica dos agricultores camponeses, na resignificação da relação com a natureza, com o trabalho, com a formulação de valores e ideologias e representações simbólicas, que eram emancipadores. Privilegiamos as trajetórias camponesas individuais, e as positividades em detrimento das contradições, para a sistematização e organização desses aspectos, de tal forma, que pudessem ser utilizados para fortalecer, disseminar, ampliar e incentivar a perspectiva de enfrentamento e transformação social da Agroecologia nos movimentos sociais, como também, em uma relação dialética, voltar a reafirmar e legitimar a perspectiva de transformação social como ação coletiva, social e política no mundo da vida e das relações de trabalho e da cultura.

Também, dentro da abordagem de superação da alienação pela negação das contradições entre trabalho e capital, e como construção social, de massas como experiência social coletiva, intervenção concreta no mundo da vida, investigamos o papel da trajetória camponesa brasileira e

da crítica à revolução verde como componentes de uma construção agroecológica transformadora e emancipadora.

Em seguida, apresentamos os componentes discretos metodológicos e instrumentais da tese.

Pesquisa bibliográfica

Levantamento e aprofundamento do referencial teórico em Agroecologia, Teoria Crítica da Tecnologia e Revolução Verde numa perspectiva dialética de reflexão teórica e intervenção prática. Destacamos a crítica à neutralidade da ciência, à tecnologia convencional, e as possibilidades de resignificar a construção tecnológica quanto ao trabalho hierarquizado e alienado e a segregação do trabalhador na concepção e no desenho da tecnologia. Essas conceitualizações estabeleceram diálogo com uma ocupação do campo que resignifica a relação homem-trabalho-natureza baseadas na experiência do trabalho e do conhecimento local. A Teoria da Alienação, os estudos sobre Cultura e a Trajetória Camponesa foram utilizados para estabelecer análises acerca do potencial de transformação social da Agroecologia enquanto superação da alienação bem como localizar as experiências agroecológicas como mudanças no campo da cultura.

Seleção dos espaços privilegiados produtivos

Foi realizado um levantamento de assentamentos de reforma agrária no estado de São Paulo com experiências destacadas em Agroecologia. Foram priorizadas as áreas em que haviam agricultores que trabalham com experiências agroecológicas e construção de alternativas tecnológicas, e onde existem participação, em parcerias de movimentos sociais e universidades, na realização de cursos de formação em Agroecologia para agricultores e agricultoras camponesas.

Definimos, então o assentamento Milton Santos, em Americana, e o acampamento Elizabete Teixeira, em Limeira, como áreas de aprofundamento da pesquisa e escolha dos agricultores camponeses interlocutores. Os dois espaços apresentam uma luta recente e intensa pelo estabelecimento na terra, o caráter de luta coletiva e política ainda estão muito vivos e fortes

e seus integrantes apresentam relevante formação política e militante. Paralelamente, apresentam também experiência tanto formativas quanto produtivas em Agroecologia. Por fim, são comunidades com as quais estabelecemos relações de parceria política e projetos de extensão rural há vários anos, fato que facilitou a escolha minuciosa de agricultores camponeses que acumulassem conhecimento e experiências práticas profundas em Agroecologia, formação crítica e atuação militante, como resistência e enfrentamento ao avanço da Revolução Verde e às relações de opressão e dominação construídas no campo.

O acampamento “Elizabeth Teixeira”5 localiza-se em Limeira, estado de São Paulo, que tem uma área de 58 km2, sendo 127,39 km2 de zona urbana e 469,61 km2 de zona rural km2 e 286 mil habitantes. O acampamento, em situação de indefinição jurídica desde 2007, quando sofreu despejo e retornou à terra, está em área periurbana da cidade de Limeira e ocupa cerca de 100 ha, no estado de São Paulo. À margem da rodovia Anhanguera (SP 330), um dos principais eixos de escoamento de mercadorias de São Paulo. Por ainda não ser assentamento as estradas de acesso são precárias, inexistem infraestrutura de saneamento básico, moradia, energia elétrica, telefone, água, saúde e lazer. Cerca de 100 famílias apresentam produção agrícola diversificada com destaque para a mandioca, banana, horticultura e frutíferas. A ausência de maquinário para a produção e a falta de assistência técnica na produção agrícola também compõem o contexto local. A área conhecida como Sítio Boa Vista, ocupa cerca de 104 ha e, havia sido desapropriada pelo Decreto 77.666 de 24 de maio de 1976 e repassada ao INPS, por impostos não pagos. Hoje, nessa área, está o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Comuna da Terra Milton Santos6, que foi criado oficialmente em junho de 2006. Atualmente, residem no assentamento 68 famílias assentadas e 10 famílias de agregados e os principais créditos já foram acessados. Trata-se de um assentamento, em fase de implementação, que possui diversas experiências em construção, como horta coletiva de produção agroecológica, quintais agroflorestais e respeito às questões ambientais. Desde 2008, os assentados estão incluídos no Programa de Aquisição de Alimentos – Doação Simultânea. O PDS Comuna da Terra Milton Santos tem realizado uma série de projetos produtivos e ambientais em parceria com Universidades paulistas.

5 Informações retiradas do artigo “Espaços de organização da produção como práticas de educação popular”.

(Rodrigues; Spinelli; Mazalla Neto, 2013)

6 Informações retiradas do Histórico do assentamento Milton Santo sistematizado e compilado pela própria

Entrevistas com agricultores

Os agricultores camponeses que compuseram essa pesquisa revelam uma confluência muito específica e destacada entre conhecimentos práticos e de vivências em Agroecologia e o conteúdo intelectual, teórico e político sobre as relações de opressão e exploração sofridas, historicamente, pelos setores populares e, vivência significativa na luta pela terra.

Inicialmente realizamos uma pesquisa exploratória com objetivo de validar o roteiro de entrevistas previamente construído para reformulações e inserções. Na segunda fase das entrevistas em profundidade foram levantadas informações relevantes à pesquisa sobre apropriação e aplicação de conhecimentos em Agroecologia pelos agricultores; experiência e trajetória na agricultura, formas de trabalho e arranjos tecnológicos; aspectos de transformação da cultura na relação com a natureza e com a comunidade.

Observação participante em áreas de assentamento rurais

Todo o processo de desenvolvimento da pesquisa foi mediado por vivência nas áreas de agricultura familiar, que permitiu um aprofundamento no conhecimento das relações sociais locais e sua interface com a Agroecologia, bem como maior confiança construída junto aos agricultores que contribuiu no levantamento de dados e numa perspectiva processual na relação da construção do conhecimento e experiência tecnológica. O acompanhamento dessas comunidades em atividades de parceria política variadas e em ações de extensão já atinge cinco anos.

3.

AGROECOLOGIA COMO PERSPECTIVA DE TRANSFORMAÇÃO