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78 Figura 16 – Temperatura e salinidade da água superficial do mar e índice

3. Recrutamento de Esponjas e Ascídias Coloniais.

Recrutas de Eudistoma sp1 (E) e de Tedania ignis (T) sobre rocha raspada do mesolitoral inferior.

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Sendo o recrutamento dos espécimes o resultado final de uma série de eventos biológicos precedentes (período e padrão reprodutivo, dispersão e assentamento das larvas), considerar apenas esta etapa da vida das espécies, constitui uma abordagem que mascara as etapas anteriores, conduzindo a falsas interpretações. Desse modo, a análise que se segue abordará, alguns dos aspectos considerados relevantes, pela literatura existente, sobre a biologia e a ecologia de cada taxa.

Tem sido determinado, que diferentes fatores abióticos (temperatura, período de exposição à irradiação solar, hidrodinamismo, pluviosidade) e bióticos (padrões e períodos reprodutivos, ausência de co-específicos, fototaxia da larva, presença de biofilme, predação, etc.), podem interferir de modo particular ou conjunto, em cada fase do ciclo de vida de esponjas e de ascídias (Millar, 1952; Millar, 1958; Reiswig, 1973; Bergquist & Sinclair, 1973; Rocha, 1991; Maldonado & Young, 1996; Rocha et al., 1999; Forward Jr. et al., 2000; Hadfield & Paul, 2001).

Embora estudos laboratoriais realizados por Maldonado & Young (1996) tenham revelado que velocidades de fluxo de até 3 cm/s não interferem no assentamento de larvas de esponjas, a influência da velocidade da água em condições naturais, pode representar uma situação muito distinta, causando uma resposta diferente da prevista sob condições experimentais controladas. Podendo ser considerado como um aspecto dos mais relevantes sobre os índices de recrutamento de ascídias e esponjas, destaca-se para a região, a forte dinâmica da água durante a subida da maré alta. Na ausência dos parentais sobre as rochas raspadas, as larvas recrutadas foram, provavelmente, procedentes de espécimes reprodutores localizados em rochas próximas ou no sublitoral. Levando-se em conta a distância percorrida pela larva até a área de recrutamento e a probabilidade de encontrar o substrato, a velocidade da água de até 5 m/seg, durante maré alta, pode ser considerada como o fator abiótico mais relevante, tendo inevitavelmente interferido na dispersão, no assentamento e na fixação permanente dos recrutas de várias espécies de esponjas e de ascídias, ocasionado um baixo número de indivíduos recrutados.

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Considerando o intervalo de tempo existente entre a raspagem das rochas e o surgimento dos primeiros recrutas de esponjas e ascídias, constata-se que, após raspagem do substrato, houve um período mínimo de 28 dias para o recrutamento de T. ignis, D. psammathodes, Eudistoma sp1 e P. amethysteum, enquanto que para Cliona sp, Haliclona sp e D. duplicatum, esse intervalo foi de 60 dias. Admitindo que as larvas estivessem no plancton, pode-se considerar que o recrutamento inicial das espécies, a partir de rochas raspadas, pode ter sido dependente do tempo de formação e/ou da maturidade do biofilme ou ainda da ausência/presença de co-específicos já recrutados. Segundo Hadfield & Paul (2001), sabemos que o assentamento e/ou o recrutamento de larvas de ascídias e esponjas, requer a presença de um biofilme acumulado sobre o substrato; para a ascídia Ciona intestinalis, a idade e a densidade do biofilme afetam o assentamento, sugerindo que o recrutamento da larva é dependente de seu aprisionamento por exopolissacarídeos produzidos por microorganismos. Ainda para ascídias, substâncias como a urocordamina, isolada da túnica de Ciona

savignyi, atuam como indutoras ativas do assentamento e da metamorfose em

ensaios laboratoriais (Hadfield & Paul, op. cit.). Apesar dessas considerações, o recrutamento de ascídias em placas limpas de cerâmica, indica que o mesmo ocorreu no espaço de uma semana, não exigindo a presença de outras espécies sobre o substrato; em relação às espécies (Bottryllus niger, Symplegma

brakenhielmi e Clavelina oblonga), os dideminídeos Didemnum speciosum e Diplosoma listerianum exibiram maior habilidade dos recrutas em ocupar o

substrato (Rocha, 1991). Tendo em mente tais constatações e, considerando que o recrutamento inicial de T.ignis, Cliona sp, D.psammathodes e D. duplicatum envolveu um número de recrutas variando entre 7 a 16 espécimes, a hipótese da presença de co-específicos não parece válida para essas espécies, mas pode ter sido necessária para Eudistoma sp1 e P. amethysteum, que recrutaram entre 3 e 4 espécimes, respectivamente.

Analisando a influência da presença de adultos no recrutamento de larvas de ascídias, Osman & Whitlatch (1995) consideram que a principal interferência da presença de parentais no recrutamento, é referente à quantidade de espaço

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disponível. Na ausência da presença de colônias adultas e da baixa permanência de recrutas sobre as rochas analisadas, durante todo o período de estudo, deve- se considerar que o espaço disponível para a colonização não teria interferido no assentamento e recrutamento sucessivo das larvas, uma vez que a oferta de espaço permaneceu elevada ao longo do tempo.

Considerando o total de recrutas, vivos e mortos, constata-se que ao longo do ano, ocorreu 36,5% e 40,2% de espécimes sobreviventes de esponjas e ascídias, respectivamente. Tal resultado indica que, há uma perda muito grande de recrutas, sendo as esponjas mais suscetíveis que as ascídias às condições de entre-marés. Desse modo, supondo que todos os recrutas tenham se desenvolvido até a fase adulta, é razoável esperar que ocorra uma certa superioridade populacional das ascídias em relação às esponjas.

A existência de três períodos distintos de recrutamento foi constatada para as esponjas do C. Branco, incluindo: (1) espécies com presença de recrutas ao longo do ano; (2) espécies com recrutas presentes apenas na estação chuvosa; e (3) espécies que apresentaram recrutas entre o final da estação seca e o início da estação chuvosa. Resultados de assentamento de Demospongiae da Nova Zelândia obtidos por Bergquist & Sinclair (1973), apontam resultados semelhantes, revelando que, dependendo do tipo de habitat, podem ocorrer padrões reprodutivos estacionais diferentes: espécies de águas profundas apresentam assentamento somente no inverno, enquanto que espécies de entre-marés e de águas sublitorâneas rasas, se reproduzem o ano todo ou apenas no verão. Considerando que a temperatura elevada pode ser um fator decisivo na reprodução de algumas esponjas (Bergquist & Sinclair, op.cit.), as altas e constantes temperaturas da água no C. Branco podem ter sido o fator chave na reprodução de T. ignis, Cliona sp e Haliclona sp, refletindo-se no recrutamento anual dessas espécies. Para as espécies Ircinia sp e Halichondria sp, o período de recrutamento foi coincidente com o aumento da pluviosidade. Os resultados levam a supor que os ritmos endógenos dessas espécies obedecem a um ciclo estacional, provavelmente relacionado com a diminuição da salinidade e/ou da temperatura, não observadas no corrente ano.

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Os intervalos determinados entre os vários períodos de recrutamento podem ser associados aos períodos do ciclo reprodutivo e ao tipo de eliminação/produção de larvas de cada espécie. Entre as espécies estudadas por Bergquist & Sinclair (op. cit.), Haliclona tenacior, presente em águas rasas e no

entre-marés, apresentou período anual de assentamento com produção contínua de larvas, entremeado por dois períodos maciços de assentamento no verão e no inverno. Segundo Maldonado & Young (1996), ao se reproduzirem, as esponjas

Tedania ignis, Halichondria magniconulosa e Haliclona tubifera guardam os

embriões e eliminam a larva parenquimula; a liberação das larvas ocorre durante período de aumento da temperatura da água. Baixas temperaturas afetam a duração do período livre-natante da larva, diminuindo para menos de 24 horas o período de assentamento de H. tubifera e H. magniconulosa. O número de ovos/embriões diminui gradualmente ao longo do tempo, sugerindo que a liberação das larvas, nessas três espécies, constitui um processo relativamente longo e assincrônico ao nível populacional. As espécies H. magniconulosa e H.

tubifera, necessitam realizar três períodos de liberação maciça, geralmente em

dias sucessivos, até expelirem todas as larvas. Liberações maciças em dias consecutivos não foram observadas em T. ignis, mas um pequeno número de larvas (15 a 50), foram eliminadas pelos adultos durante vários dias, antes e após uma produção maciça. Então, segundo aqueles autores, para esta espécie, os indivíduos maduros necessitam de pelo menos uma liberação maciça de larvas, juntamente a múltiplas eliminações menores, até ocorrer liberação total da prole. Os resultados de recrutamento aqui obtidos para T.ignis e Cliona sp, evidenciam que em alguns meses ocorreram recrutamentos sucessivos, sugerindo o mesmo tipo de evento reprodutivo descrito por Maldonado & Young (1996) para T. ignis.

Fatores diversos podem afetar a sobrevivência de jovens recrutados. Em revisão da literatura sobre as causas da mortalidade de esponjas, nos meses iniciais de colonização, Reiswig (1973) lista os seguintes fatores: competição contínua com a epifauna e a flora, pelo domínio do substrato; predação;

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temperatura/salinidade; danos causados pela insolação e exposição ao ar, entre outros.

Ao analisarem os efeitos de alguns fatores físicos em esponjas tropicais, Maldonado & Young (1996) admitem que a fototaxia negativa das larvas interfere na escolha do substrato, durante seu assentamento; neste caso, a resposta da larva à luz, predomina em relação à velocidade de fluxo da água. Por outro lado, a resposta dos recrutas aos fatores ambientais, pode ser modificada com a idade do indivíduo. Assim, segundo esses autores, enquanto que recrutas de T.ignis com 35 dias ocorreram significativamente em áreas sombreadas, independentemente da velocidade do fluxo de água após 96 dias e alta mortalidade, os recrutas sobreviventes foram mais numerosos nos ambientes com grande movimento de água e alta irradiação.

Entre as espécies de ocorrência anual no C. Branco, T. ignis exibiu maior recrutamento e menor mortalidade ao longo do ano, principalmente na face voltada para o Continente, onde ocorre sombreamento e o fluxo de água é maior. Considerando que sob as condições naturais da praia do C. Branco as larvas de

T. ignis teriam que vencer correntes com velocidades superiores a cem vezes à

determinada por Maldonado & Young (1996), em condições laboratoriais, e sabendo que a Face Continente está submetida a um fluxo mais intenso que a Face Mar (Gama et al., 2001), pode-se admitir, neste caso, que a velocidade da água foi o fator preponderante no direcionamento da larva, em detrimento da escolha da face por fototaxia. Ao que parece, a combinação de outros fatores acabou definindo, para essa espécie, melhores condições de sobrevivência na face Continente. Desse modo, como nesta face ocorre maior desenvolvimento da biomassa de adultos, Gama et al. (2001) consideram que o maior fluxo de água propicia, além de maior aporte de alimento, maior retirada de sedimento depositada sobre o corpo. Em decorrência de todos os aspectos abordados para

T. ignis, verifica-se que condições biológicas e ambientais favoráveis ao seu

recrutamento e desenvolvimento, representam algumas das razões da maior freqüência de ocorrência desta espécie.

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Entre as espécies de esponjas analisadas, Cliona sp foi a que apresentou o maior número de recrutas. Seria então esperado que esta espécie predominasse sobre as demais, o que não é observado pela freqüência de ocorrência. A explicação para este fato pode ser encontrada, quando se analisa, comparativamente, os aspectos referentes à escolha do substrato e os índices de mortalidade de recrutas. Assim, apesar dos recrutamentos de Cliona sp e de

Haliclona sp terem ocorrido de modo similar nas duas faces da rocha, constata-se

que os recrutas de Cliona sp, na face Mar, sofreram mortalidade quase total, enquanto que, para Haliclona sp os índices de mortalidade foram semelhantes nas duas faces. Dados obtidos por Maldonado & Young (1996), evidenciam que a mortalidade após assentamento, pode ser decorrente não apenas da presença de alta intensidade de luz, mas ainda pela atuação de fatores associados (presença de sedimento e crescimento de algas sobre os recrutas). Os resultados aqui obtidos indicam que as larvas dessas duas espécies podem ter sido recrutadas aleatoriamente nas duas faces, por ação da água ou ainda apresentarem requisitos de escolha do substrato, diferentes daqueles de T.ignis. Ainda, as condições diferenciais presentes em cada face (temperatura, sombreamento, retirada de sedimento pelo fluxo de água, etc), podem ter atuado de forma diferente sobre as duas espécies.

Tendo sido recrutadas em período coincidente ao de maior pluviosidade, quando ocorre maior carreamento de sedimento na área, Halichondria sp e Ircinia sp podem ter sido afetadas por esses fatores, o que se reflete nos índices de mortalidade observados. Assim, para essas espécies, o recrutamento estacional, o baixo número de indivíduos recrutados e a mortalidade dos recrutas são fatores que se refletem em sua menor freqüência de ocorrência, comparativamente às outras espécies.

Admitindo que os períodos de recrutamento podem refletir os períodos reprodutivos, os resultados obtidos para as ascídias coloniais do C. Branco, evidenciam que as mesmas se reproduzem continuamente, com intervalos de 1 a 2 meses, dependendo da espécie. Ao que tudo indica, a temperatura bastante

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estável e elevada da água pode ser considerada como um dos fatores preponderantes desse comportamento.

Fatores ambientais e biológicos diversos, tais como a temperatura da água, a intensidade de luz, a velocidade das correntes, o período de maturidade sexual e ainda o tamanho do corpo, podem influir desde a liberação da larva pelo adulto até o assentamento e o recrutamento de ascídias (Millar,1952; Millar, 1958; Rocha et al.,1999; Forward Jr. et al., 2000). Para espécies do hemisfério Norte e do sudeste do Brasil, tem sido evidenciado que a temperatura representa um fator preponderante sobre a atividade reprodutiva. Assim, espécies como a ascídia solitária Phallusia nigra (Rocha et al., 1999) e a ascídia colonial Botryllus

schlosseri (Millar, 1952), apresentam depressão da atividade das gônadas durante

o inverno. Por outro lado, analisando ascídias tropicais solitárias e coloniais, Goodbody (1961) demonstra que, mesmo pequenas variações de temperatura podem afetar o período reprodutivo. Para as ascídias do C. Branco, poderíamos então considerar que, embora a estabilidade e a alta temperatura da água favoreçam uma contínua produção anual de recrutas, existem períodos de repouso entre uma fase de recrutamento e outra, sendo as mesmas peculiares a cada uma das espécies. Tais resultados assemelham-se aos obtidos por Goodbody (1961) para ascídias coloniais e solitárias da Jamaica, onde foi observado um período reprodutivo contínuo, com picos de assentamento associados: ao aumento da atividade reprodutiva, em parte dos adultos; ao aumento da sobrevivência dos ovos e larvas ou a uma combinação desses dois eventos. Entre as espécies aqui analisadas, recrutamentos sucessivos foram observados em todas as espécies, notadamente no período entre julho e outubro/2001, coincidindo com o final do período de chuvas e início da estação seca. É provável que tal coincidência seja decorrente de condições abióticas favoráveis ao desenvolvimento.

Comparativamente aos resultados obtidos por Goodbody (1961), os resultados referentes ao número de recrutas aqui obtidos foram muito inferiores, indicando uma baixa produtividade de larvas ou uma forte interferência de fatores abióticos. Assinalada em março de 2002, a mortalidade dos recrutas de todas as

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espécies é coincidente com o aumento do índice de pluviosidade e, provavelmente, com a maior quantidade de sedimento na água. Sendo as ascídias sensíveis à baixas salinidades e à quantidade de partículas suspensas na água (Rodrigues et al.,1999), a mortalidade em massa de recrutas associada a chuvas intensas ou a períodos de tempestade, é mencionada na literatura (Goodbody,1961; Yund & Stires,2002). Embora as medidas de salinidade da água do C. Branco tenham sido muito constantes, deve-se ressalvar que as mesmas não foram tomadas em dias de chuva; então, os resultados de salinidade obtidos não devem ser considerados como um ponto de referência absoluta nesta análise, podendo ter ocorrido diminuição temporária de seus valores nos dias de maior pluviosidade. A maior mortalidade de recrutas associada aos índices de pluviosidade, pode então ter sido decorrente tanto da ação direta da chuva (durante maré baixa) ou de eventual diminuição da salinidade (durante maré alta). A ausência de co-específicos sobre a rocha raspada, pode ter sido um dos fatores responsáveis pelo baixo número de recrutas anuais obtidos para

Eudistoma sp1 e P.amethysteum, confirmando a hipótese do baixo recrutamento

inicial observado para essas espécies. De acordo com Hadfield & Paul (2001), muitas ascídias vivem agregadamente e, para várias espécies, substâncias químicas co-específicas podem desempenhar importante função na agregação das larvas. Para a ascídia colonial Botryllus schlosseri, Yund & Stires (2002) consideram que muitas larvas se assentam a poucos centímetros da colônia mãe, mas que várias podem se dispersar a longas distâncias, a centenas de metros, embora poucas consigam sobreviver e colonizar outras áreas. Sabendo que o assentamento e a metamorfose da larva de ascídias ocorre horas após a liberação da larva, Forward Jr. et al. (2000) consideram que, em áreas de entre-marés, as correntes podem manter a larva afastada da colônia adulta, senão ocorrer o seu assentamento logo após a sua liberação. Desse modo, embora colônias adultas estivessem presentes em rochas próximas às voltadas ao estudo de recrutamento, a velocidade da água de até 5 m/s na praia do Cabo Branco, pode ser considerada como um fator de interferência em todas as etapas envolvidas desde

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a liberação e fixação imediata da larva junto ao parental, até sua dispersão, fixação e metamorfose, nas rochas experimentais.

Considerando o número de indivíduos recrutados nas duas faces das rochas, constata-se que apenas os recrutas de D. psammathodes e P.

amethysteum foram um pouco superiores na face Continente, enquanto que para

as demais espécies não se observou nenhuma preferência. Assim como observado para esponjas, a tendência de fixação dos recrutas nesta face parece ter sido influenciada pelo fluxo da água, em detrimento de outros fatores.

Estudos sobre os períodos de recrutamento da maioria das espécies de esponjas e de todas as ascídias do C. Branco, ainda são escassos na literatura. Trabalhos sobre o ciclo reprodutivo e a ecologia dessas espécies são ainda necessários, podendo elucidar muitos dos aspectos aqui discutidos e trazer uma nova dimensão para a questão do recrutamento.

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4. Crescimento de colônias de Didemnum

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