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2. ENQUADRAMENTO DO ESTÁGIO

2.4. M ONITORIZAÇÃO E C ONTROLO DO T REINO EM F UTEBOL

2.4.3. Recuperação e Adaptação

A recuperação pode ser definida como um processo individualizado e multidisciplinar (vertentes fisiológicas, psicológicas, neurais, etc.) que visa restabelecer os níveis prévios de performance (Halson, 2014; Kellmann et al., 2018; van Winckel, Helsen, et al., 2014) e até, possivelmente, resultar em aumentos na performance. A fadiga e a recuperação estão diretamente ligadas e podem ser relacionadas num continuum (por exemplo: de fadiga extrema até recuperação total). Quanto maior for a magnitude da fadiga, maior será a necessidade de recuperação; por outro lado, se a recuperação for insuficiente (tempo dedicado e métodos usados), a fadiga poderá não desaparecer por completo.

A recuperação completa após um jogo de futebol poderá demorar mais de 72 horas (Carling et al., 2018), apesar de grande parte dos marcadores de fadiga se encontrarem totalmente recuperados ao fim de 72 horas. Para além das situações agudas de fadiga, a recuperação de situações crónicas implica períodos de recuperação mais prolongados e uma gestão cuidadosa do treino.

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A recuperação deve ser planeada de acordo com as diferentes estruturas da periodização do treino: ao nível da sessão de treino, a recuperação entre esforços de alta intensidade e/ou entre exercícios de treino; ao nível do microciclo, relacionada com a recuperação entre sessões de treino e/ou entre jogos; ao nível do mesociclo, a recuperação entre períodos relativamente alargados (3-5 semanas) que estão orientados para determinado objetivo; ao nível do macrociclo, com a gestão da recuperação de acordo com os períodos ou fases de uma época competitivo, de forma a evitar a acumulação de fadiga e permitir a evolução do estado de forma a longo prazo (Bompa & Haff, 2009; Matveyev, 1981).

Existem meios auxiliares de recuperação que foram alvo de investigação e que poderão otimizar o processo de recuperação. A crioterapia, as estratégias nutricionais, o sono, a recuperação ativa, os alongamentos, as roupas de compressão, a massagem e a electroestimulação foram alguns dos meios investigados para recuperação (Nédélec et al., 2013; Tavares et al., 2017). No quadro 4 apresentam-se os prováveis tempos de recuperação de substratos energéticos, eletrólitos hormonas e estruturas contráteis após um jogo de futebol.

Quadro 4 – Recuperação de sistemas energéticos, estruturas biológicas e bioquímicas (adaptado de van Winckel, Helsen, McMilllan, Tenney, et al., 2014)

Processo Duração

Fosfocreatina 3-5 minutos

Remoção do lactato (para níveis de repouso)

1-3 horas

Normalização das concentrações de eletrólitos

6 horas

Reposição das reservas de glicogénio 24-36h

Enzimas musculares 48-60h

Reparação de estruturas proteicas musculares

48-72h

Reposição e re-síntese das catecolaminas

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Existem vários conceitos e teorias que ajudam a perceber os processos de recuperação e por conseguinte, de adaptação ao treino. “O princípio da Supercompensação indica que as melhorias apenas se tornam evidentes após um período em que a fadiga acumulada do treino possa ser reduzida. Um período de descanso relativo permite que os resultados do treino se reflitam melhor.” (Helsen, McMilllan, Tenney, Meert, Bradley, & van Winckel, 2014). A teoria da supercompensação apresenta quatro etapas. A primeira é a carga de treino ou o stress imposto, que resultam em fadiga e perdas na performance; após a primeira fase, na segunda, a recuperação permite que se volte aos níveis anteriores de homeostasia, de substratos energéticos e de performance; no terceiro passo, acontece a elevação dos níveis de rendimento para patamares superiores aos anteriores da carga de treino aplicada (supercompensação); a última etapa, corresponde ao destreino, que acontece devido à ausência de um novo estímulo de treino (figura 9).

Figura 9 – Supercompensação: Etapa I – Estímulo de treino; Etapa II – recuperação; Etapa III - supercompensação; Etapa IV – destreino (adaptado de van Winckel, Mcmillan, et al, 2014)

A janela temporal para estas adaptações, dependerá da qualidade física em questão (Gambetta, 2007). Com a recuperação necessária e um constante estímulo de treino é possível ir aumentando progressivamente os níveis de performance para valores superiores (figura 10).

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Figura 10 - Efeito acumulado da supercompensação (adaptado de van Winckel, Mcmillan, et. al, 2014)

A síndrome geral de adaptação foi desenvolvida por Hans Selye (1950) e é definida como a soma de todas as reações não-específicas e sistemáticas do corpo quando exposto continuamente a fontes de stress. Também dividido em várias fases, a primeira corresponde à fase de alarme imediata ao fator de stress, envolvendo uma resposta de luta e/ou de fuga (traduzido de fight e flight, respetivamente). A primeira fase está subdividida em duas: a fase de “choque” em que a resistência ao elemento causador de stress é diminuída e a fase de “antichoque” em que o corpo identifica e começa a responder ao elemento

stressante. A segunda fase, de resistência, surge cerca de 48 horas após o

estímulo inicial, em que o corpo se adapta a esse mesmo estímulo. Na terceira fase, após o sistema superar os efeitos do stress acontece a recuperação, ou então a exaustão, caso não haja uma adaptação ao stress ou este seja demasiado intenso e/ou prolongado (figura11) (Helsen, McMilllan, Tenney, Meert, Bradley, & van Winckel, 2014).

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Figura 11 - Síndrome geral de adaptação (adaptado de van Winckel, Mcmillan, et al., 2014)

O modelo “fitness-fatigue”, concetualizado por Banister et al. (1975), refere que o treino leva a dois efeitos internos: um negativo, a fadiga; e um positivo, o

fitness. O efeito do treino no fitness é relativamente pequeno e desaparece

devagar, enquanto que o efeito negativo (fadiga), é maior em magnitude, mas desaparece relativamente mais rápido. O estado de preparação (de

preparedness) do atleta resulta da combinação do fitness e da fadiga. De acordo

com este modelo, apesar de haver incrementos no fitness após uma determinada carga de treino, este só tem consequências positivas no estado de preparação do atleta após a recuperação dos níveis de fadiga (Bourdon et al., 2017; van Winckel, McMilllan, Tenney, et al., 2014). De acordo com Kellmann et al. (2018) o rendimento pode ser estimado a partir da diferença entre as reações de fitness e de fadiga ao treino. Os mesmos autores afirmam que o fitness é operacionalizado pelas influências positivas de longo termo do treino, enquanto que a resposta negativa é explicada pela fadiga aguda resultante de cargas de treino recentes (figura 12).

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Figura 12 - Modelo "fitness-fatigue" (adaptado de van Winckel, McMillan, et. al, 2014)

Um outro modelo que surgiu mais recentemente, criado por Perl (2001) considera que a performance (output) é influenciada pela carga de treino (input). A carga de treino é controlada por dois potenciais: o potencial de tensão (de

strain) e o potencial de resposta. Ambos os potenciais são influenciados

igualmente pelo treino e afetam a performance de forma antagónica. O potencial de resposta aumenta o potencial de performance, enquanto que o potencial de tensão diminui o potencial de performance. O modelo contempla também um aumento exponencial dos efeitos negativos da manutenção de cargas de treino exageradas por períodos relativamente prolongados (van Winckel, McMilllan, Tenney, et al., 2014), a figura 13 ilustra o Modelo Potencial de Performance.

Figura 13 - Modelo potencial de performance (adaptado de van Winckel, Mcmillan, et al., 2014)

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As teorias e modelos concetuais de adaptação ao treino servem para perceber de que forma a relação do binómio carga-recuperação influência a performance. Apesar das diferenças existentes entre os modelos, todos eles fazem referência ao equilíbrio que tem de haver entre a dose de treino e a recuperação, para que a resposta seja positiva (entenda-se, aumentos de rendimento).

O processo de adaptação ao exercício envolve mecanismos de sinalização específicos que iniciam a replicação das sequências genéticas de ADN que, consequentemente criam uma série de aminoácidos para formar proteínas (Coffey & Hawley, 2007). A resposta ao treino é influenciada pelo volume, intensidade, frequência e tipo de exercício. O músculo esquelético é capaz de alterar o tipo e quantidade de proteína em resposta à disrupção da homeostasia celular, com o objetivo de se adaptar ao estímulo. A adaptação ao exercício está também relacionada com o tempo de semi-vida das proteínas, quer isto dizer que a longo termo, a adaptação resulta do efeito cumulativo das cargas de treino (Coffey & Hawley, 2007). Caso os estímulos sejam demasiado espaçados no tempo, o efeito da carga anterior ter-se-á já dissipado.

A adaptação ao exercício prolongado está associada ao aumento das reservas de glicogénio e resulta numa maior poupança deste substrato em consequência da maior oxidação dos ácidos gordos; pode também resultar no aumento da proporção de fibras tipo I e numa maior capilarização muscular e conteúdo mitocondrial. Por oposição, o treino de força tem como efeitos o aumento da secção de área transversal muscular e alterações do padrão de recrutamento neuronal (Coffey & Hawley, 2007).

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