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Os procedimentos tutelares cíveis são processos de jurisdição voluntária (artigo 12.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível) o que significa que lhes são aplicáveis as regras previstas nos artigos 292.º a 295.º e 986.º a 988.º, todos do Código de Processo Civil.

Estabelece o artigo 989.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que das resoluções proferidas segundos critérios de conveniência ou de oportunidade, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

O Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista62 e o fundamento

específico do recurso de revista é a violação de lei substantiva ou processual (artigo 674.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil) pelo que, não estando em causa qualquer violação de lei substantiva ou adjectiva, nos casos em que as resoluções tenham sido proferidas segundo critérios de conveniência ou de oportunidade, não será admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça63.

61 Neste sentido, RAMIÃO, Tomé d’Almeida, Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado, 3.ª

edição, Lisboa: Quid Juris, 2017, p. 216.

62 Artigo 46.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário.

63 Esta disposição normativa deve ser interpretada à luz do entendimento que tinha sido adoptado

no Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 1965, processo n.º 60184 (ALBERTO TOSCANO), Diário do Governo, 1.ª série, n.º 93, 28 de Abril de 1965, pp. 605-606, segundo o qual “nos processos de jurisdição voluntária em que se faça a interpretação dos preceitos legais em relação a determinadas questões de direito, as respectivas decisões são recorríveis para o Tribunal Pleno”.

Assim, “a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nos processos de jurisdição voluntária cinge-se à apreciação dos critérios normativos de estrita legalidade subjacentes à decisão, de modo a verificar se se encontram preenchidos os pressupostos ou requisitos legalmente exigidos para o decretamento de certa medida ou providência, em aspectos que se não esgotem na formulação de um juízo prudencial ou casuístico, iluminado por considerações de conveniência ou oportunidade a propósito do caso concreto.

Enquanto tribunal especialmente encarregado de controlar a aplicação da lei substantiva ou adjectiva, o Supremo Tribunal de Justiça não pode apreciar medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade.

Com efeito, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram. Não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação, a lei restringiu a admissibilidade de recurso até à Relação.

A verdade, todavia, é que esta limitação não implica a total exclusão da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nestes recursos; apenas a confina à apreciação das decisões recorridas enquanto aplicam a lei estrita. É, nomeadamente, o que se verifica, quer quanto à verificação dos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida a adoptar, quer quanto ao respeito do fim com que esse poder foi atribuído”64.

Tratando-se dos pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, a apreciação da respectiva verificação cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça.

Deste modo, a recorribilidade, em sede de revista nos processos de jurisdição voluntária, limita-se à aplicação de critérios de legalidade estrita. Em

Uma análise histórica muito completa desta interpretação pode ser consultada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de maio de 2008, processo n.º 08B1203, MARIA DOS PRAZERES BELEZA.

64 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2010, processo n.º 327/08, ÁLVARO

relação às outras, regidos segundo critérios de conveniência ou de outros com ampla margem de discricionariedade, não existe a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça65.

Isto significa que os processos de regresso da criança admitem recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça quando não esteja em causa a aplicação de critérios de conveniência e de oportunidade o que pode subordinar o objectivo de regresso imediato da criança à condição de esgotamento dos meios processuais admitidos pela legislação nacional do Estado-membro em que a criança esteja ilicitamente retida ou tenha sido deslocada66, circunstância que não é

inteiramente garantida pela atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso (artigo 32.º, n.º 4 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).

A proposta de alteração do Regulamento Bruxelas II bis define a existência de um único recurso, unificando esta questão em todos os Estados-Membros, independentemente da lei nacional, limitando assim as possibilidades de utilização do recurso como uma medida dilatória67 e, deste modo, tornando

igualmente necessária a definição de um regime de recursos destas acções de regresso no modelo processual interno.

De igual modo, a urgência do procedimento pode justificar a atribuição de efeito devolutivo ao recurso das decisões proferidas68.

65 Sobre os critérios distintivos entre a jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária nesta

questão, FIALHO, António José, Conteúdo e Limites do Princípio Inquisitório na Jurisdição Voluntária, Lisboa: Petrony, 2016, pp. 38-40.

66 Acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 2008 (3.ª secção), proc. n.º C-195/08 PPU, Inga

Rinau.

67 GONÇALVES, Anabela Susana de Sousa, “A retenção ou deslocação ilícita de crianças na proposta

de alteração do Regulamento Bruxelas II bis”, Revista Julgar, n.º 37, Janeiro-Abril 2019, pp. 56-57.

68 Assim, caso seja interposto recurso da decisão de regresso pela pessoa que retirou ou reteve

ilicitamente a criança, deve ser-lhe fixado efeito devolutivo (artigos 14.º da Convenção da Haia de 1980, 21.º do Regulamento Bruxelas II bis, artigo 23.º da Convenção da Haia de 1996 e 32.º, n.º 4 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível) (neste sentido, BORGES, Beatriz Marques, “Rapto parental internacional: prática judiciária no tribunal de família e menores”, Revista Lex Familiae, Ano 8, n.º 16, 2011, pp. 82-83; BELEZA, Maria dos Prazeres, “Jurisprudência sobre rapto internacional de crianças”, Revista Julgar, n.º 24, Setembro-Dezembro 2014, p. 81).

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