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3.4 EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO NA JURISPRUDÊNCIA

3.4.2 Decisões do STF

3.4.2.2 Recurso Extraordinário nº 571.969/DF

O Recurso Extraordinário nº 571.969/DF (BRASIL, 2014) foi julgado em 12 de Março de 2014 pelo plenário do STF, com relatoria da ministra Cármen Lúcia. Tratam-se de dois recursos interpostos pela União e outro pelo Ministério Público Federal, que foram aglutinados sob o mesmo julgamento. O RE buscava analisar se seria devida indenização à Viação Área Rio-Grandense – Varig S/A – por conta de prejuízos que ela teria suportado supostamente como decorrência da imposição de planos econômicos que, dentre outras medidas, adotaram o congelamento de preços e de tarifas para combater a inflação galopante que assolava o Brasil à época. Na origem, a ação foi proposta pela companhia área em 1993, sendo que, no decurso de tempo entre a proposição e o julgamento do RE 571.969/DF a empresa teve sua falência decretada (em Agosto de 2010, após processo infrutífero de recuperação judicial).

São várias as controvérsias jurídicas trazidas pelo acórdão: necessidade de citação do Ministério Público, responsabilidade da União por prejuízos trazidos por política econômica, dentre outras. Aqui, a análise ficará adstrita aos pontos que suscitam observações acerca do equilíbrio econômico-financeiro das concessões de serviço público. No ponto que nos interessa, portanto, cinge-se a análise jurídica em averiguar se a edição de plano econômico – que é, por excelência, genérico e de abrangência nacional – que influenciasse negativamente a operação empresarial teria o condão de levar ao dever de indenização dos prejuízos pelo Estado. Dito de outras forma, buscou-se analisar se a atuação lícita e de efeitos gerais abstratos do Executivo poderia levar ao reconhecimento de responsabilidade da entidade estatal.

Após analisar a tempestividade dos recursos, a ministra Carmen Lúcia definiu dois pontos fundamentais da argumentação da União: a impossibilidade de se lhe imputar responsabilidade pela desarmonia contratual e que haveria equívoco na fórmula utilizada para fixação do valor indenizatório. Para a recorrente, portanto, seria impossível a análise do rompimento do equilíbrio econômico-financeiro sem que outros elementos fossem analisados em conjunto, como a prudência nos investimentos, a modéstia na margem de lucro e a eficiência do serviço público prestado. Contudo, analisou a relatora que haveria óbice na análise desses

pontos suscitados, porquanto impossível a análise de elementos afetos ao equilíbrio econômico-financeiro em sede de recurso extraordinário4. Por isso, foi examinado apenas a questão da possibilidade de responsabilização da União por danos decorrentes da política econômica governamental.

O princípio constitucional da estabilidade econômico-financeira do contrato administrativo é uma das expressões jurídicas do princípio da segurança jurídica, por ele se buscando conferir estabilidade àquele ajuste, como é a natureza do contrato de concessão, garantindo-se à empresa-contratada, tanto quanto possível, a permanência das circunstâncias e das expectativas que a animaram a assumir a execução, por sua conta e risco [mas no interesse público] [sic], de atribuições que competem a pessoa jurídica de direito público. A preocupação com a qualidade na prestação da atividade concedido (no caso a exploração do serviço de transporte aéreo), impõe, pelo surgimento de fatos e circunstâncias mesmo jurídicas, como se dá na espécie, que possam romper a mantença das condições pactuadas, a adoção de medidas garantidoras do reequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato, o que pode se dar por meio da repactuação, do reajuste, da revisão e da indenização. (BRASIL, 2014, p. 19)

Como já dito aqui, a Varig apontou como evento desequilibrador do contrato a edição do plano econômico que posteriormente ficou conhecido como Plano Cruzado ou Plano Funaro, lançado pelo governo de José Sarney em 1986, com Dilson Funaro no papel de ministro da Fazenda. No Plano, as tarifas aéreas passaram a ser controladas pelo Ministério da Fazenda, e seus preços ficaram congelados, sem alterações. As medidas visavam arrefecer o problema da inflação, que em seu ápice chegou ao índice de 22,84% ao mês, em fevereiro de 1986.

Aduziu então a relatora que os prejuízos havidos pela Varig em decorrência do Plano Cruzado seriam inegáveis, e contra cujos efeitos a empresa não teria como se insurgir nem combater, já que estaria “amarrada às regras de concessão de serviço público”. A ministra utilizou esse argumento para afirmar que disso não pode decorrer que o Estado permaneça indene por suas ações, conquanto lícitas:

Não seriam, portanto, meros atos administrativos, mas medidas legislativas emergenciais do Estado em busca do atendimento ao interesse social maior, editados e adotados de forma geral e abstrata. Esses atos administrativos e legislativos submetem-se, como é óbvio, num Estado de Direito, aos ditames constitucionais, como aos princípios da legalidade, do respeito ao direito adquirido e do ato jurídico perfeito. E aqueles não foram tidos como inconstitucionais. Mas parece-me inconteste que o Estado deve ser responsabilizado também pela prática de atos lícitos quando deles decorrerem prejuízos para os particulares em condições de desigualdade com os demais. No caso, a concessionária de serviço público, como a Recorrida, não teria como não cumprir o que lhe fora determinado, e, ao cumprir, viu os danos se sucederam até o comprometimento não apenas de seus deveres, que não mais puderam

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4 A jurisprudência do STF é farta em decisões nesse sentido. Citamos, exemplificativamente: ARE 1301749 RG, rel. min. Luiz Fuz, julgado em 13/04/2021; ARE 897996 AgR, rel. min. Luiz fux, julgado em 05/10/2018; RE 731227 AgR, rel. min. Luiz Fux, julgado em 25/05/2018; ARE 805797 AgR, rel. min. Luís Roberto Barroso, julgado em 02/02/2016; ARE 713314 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgado em 26/02/2013.

ser cumpridos, como dos seus funcionários, aposentados e pensionistas, cujos direitos não puderam ser honrados. (BRASIL, 2014, p. 29–30)

A ministra citou diversas vezes em seu voto o fato de que, em sendo concessionária de serviços públicos, regidos pelo princípio da continuidade dos serviços, não poderia a concessionária se recusar a prestar suas atividades por desconformidade com as condições que lhe foram impostas. Isso levaria a ser irrelevante, no caso em tela, o fato de que o Plano Cruzado – em sendo planos econômicos por definição abstratos e abrangentes – não teria imposto ônus especial à autora/recorrida: sua situação não seria igual à das empresas que não atuam em regimes de delegação de serviços públicos.

A relatora, assim, encerrou seu voto afirmando que não seria razoável impor a um grupo de pessoas – funcionários, aposentados, pensionistas – ônus maior por conta das políticas econômicas adotadas em relação aos serviços públicos concedidos. Concluiu afirmando que a suposta e eventual necessidade de adoção de medidas políticas não tem o condão de deixar esse grupo de pessoas à mingua e o Estado, impune.

Abrindo divergência, o então ministro Joaquim Barbosa afirmou que no discurso da Varig consubstanciado em sua inicial haveria a adoção de um ecletismo normativo, em que se tentou conciliar referências do direito público (equilíbrio econômico-financeiro) e de direito privado (dever de indenizar). Visava a companhia aérea, assim, adotar um raciocínio no qual o equilíbrio econômico-financeiro garantiria o reajuste tarifário de acordo com as cláusulas contratuais e as fórmulas pleiteadas por ela. Reiterando que planos econômicos são impessoais, gerais e abstratos, aduziu Joaquim Barbosa que na tradição francesa é necessário que o prejuízo causado seja especial para que se caracterize a responsabilidade do Estado por atos legislativos.

Portanto, em sendo genérico o dano, conclui o ministro que não haveria motivo jurídico para indenizar a Varig por ato legislativo.

Tratando mais especificamente do equilíbrio econômico-financeiro retratado no contrato, asseverou o ministro que:

[...] o tratamento do princípio do equilíbrio econômico-financeiro do contrato é o ponto chave para se chegar à conclusão jurídica mais adequada ao caso concreto.

Assim, se o equilíbrio for alçado a uma meta abstrata que deve ser atingida sem o enfoque correto a respeito da realidade empresarial, é muito possível que o judiciário veja-se diante do papel incômodo de servir como agente garantidor das más escolhas dos concessionários de serviços públicos. Isso porque, para além da preservação da margem de lucro, é necessário avaliar se os lucros pleiteados efetivamente decorrem de uma atuação empresarial que é tanto eficiente quanto prudente. Em outras palavras, tratando-se de serviços regulados, o equilíbrio econômico-financeiro depende de uma avaliação da consistência da atuação da empresa. (BRASIL, 2014, p. 24–25)

Fica patente, então, a necessidade de se avaliar se a empresa, em sua gestão, não atuou, por ações ou omissões, de forma a contribuir ou exacerbar os prejuízos que alegadamente sobrevierem do Plano Cruzado. Quanto à possibilidade de enquadrar as pretensões da Varig na Teoria da Imprevisão, considerou o ministro Joaquim Barbosa que a hiperinflação da época não seria evento imprevisível, porquanto público e notório à época da assinatura do contrato de concessão (1988). “Observa-se, portanto, que a hiperinflação e as politicas econômicas do governo se inserem dentro dos limites ordinários da previsibilidade.” (BRASIL, 2014, p. 29).

É de se ressaltar, inclusive, que quando da assinatura do instrumento já vigia o Plano Cruzado.

Continuando em sua explanação sobre a aplicação da Teoria da Imprevisão, atestou que eventual indenização decorrente dela tem caráter extracontratual, uma vez que serve ao fim de permitir a continuação da prestação do serviço público essencial, uma forma de compartilhar os prejuízos entre concedente e concessionário, não sendo uma reparação que vise ao retorno do statuos quo contratual. Se, no caso em tela, a cessação da prestação do serviço pela Varig se deu muito depois da propositura da ação na origem, não pode ela alegar que o rompimento do equilíbrio econômico-financeiro impediria a continuidade de suas atividades. Por isso, votou por dar provimento ao recurso da União. Ele foi seguido pelo ministro Gilmar Mendes, que em seu voto rememorou o caráter abstrato e geral do Plano Cruzado, bem como que a gestão da Varig seria notoriamente falha, não podendo a União ser penalizada por isso. Os demais ministros (Rosa Webber, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso) acompanharam o voto da relatora, pelo que foi julgado improcedente o RE, que ficou assim ementado:

EMENTA: RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO POR DANOS CAUSADOS À CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO DE TRANSPORTE AÉREO (VARIG S/A). RUPTURA DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO DECORRENTE DOS EFEITOS DOS PLANOS “FUNARO” E “CRUZADO”. DEVER DE INDENIZAR.

RESPONSABILIDADE POR ATOS LÍCITOS QUANDO DELES DECORREREM PREJUÍZOS PARA OS PARTICULARES EM CONDIÇÕES DE DESIGUALDADE COM OS DEMAIS. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, DO DIREITO ADQUIRIDO E DO ATO JURÍDICO PERFEITO.

[...] 4. Responsabilidade da União em indenizar prejuízos sofridos pela concessionária de serviço público, decorrentes de política econômica implementada pelo Governo, comprovados nos termos do acórdão recorrido. Precedentes: RE 183.180, Relator o Ministro Octavio Gallotti, Primeira Turma, DJ 1.8.1997. 5. A estabilidade econômico-financeira do contrato administrativo é expressão jurídica do princípio da segurança jurídica, pelo qual se busca conferir estabilidade àquele ajuste, inerente ao contrato de concessão, no qual se garante à concessionária viabilidade para a execução dos serviços, nos moldes licitados. 6. A manutenção da qualidade na prestação dos serviços concedidos (exploração de transporte aéreo) impõe a adoção de medidas garantidoras do reequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato administrativo, seja pela repactuação, reajuste, revisão ou indenização dos prejuízos.

7. Instituição de nova moeda (Cruzado) e implementação, pelo Poder Público, dos planos de combate à inflação denominados ‘Plano Funaro’ ou ‘Plano Cruzado’, que

congelaram os preços e as tarifas aéreas nos valores prevalecentes em 27.2.1986 (art.

5º do Decreto n. 91.149, de 15.3.1985). 8. Comprovação nos autos de que os reajustes efetivados, no período do controle de preços, foram insuficientes para cobrir a variação dos custos suportados pela concessionária. 9. Indenização que se impõe:

teoria da responsabilidade objetiva do Estado com base no risco administrativo. Dano e nexo de causalidade comprovados, nos termos do acórdão recorrido. 10. O Estado responde juridicamente também pela prática de atos lícitos, quando deles decorrerem prejuízos para os particulares em condições de desigualdade com os demais.

Impossibilidade de a concessionária cumprir as exigências contratuais com o público, sem prejuízos extensivos aos seus funcionários, aposentados e pensionistas, cujos direitos não puderam ser honrados. 11. Apesar de toda a sociedade ter sido submetida aos planos econômicos, impuseram-se à concessionária prejuízos especiais, pela sua condição de concessionária de serviço, vinculada às inovações contratuais ditadas pelo poder concedente, sem poder atuar para evitar o colapso econômico-financeiro.

Não é juridicamente aceitável sujeitar-se determinado grupo de pessoas – funcionários, aposentados, pensionistas e a própria concessionária – às específicas condições com ônus insuportáveis e desigualados dos demais, decorrentes das políticas adotadas, sem contrapartida indenizatória objetiva, para minimizar os prejuízos sofridos, segundo determina a Constituição. Precedente: RE 422.941, Relator o Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 24.3.2006 [...] (BRASIL, 2014)

Nota-se que o voto da ministra relatora, que foi seguido pela maioria da corte, adotou uma linha amplamente protetiva do concessionário no que tange ao equilíbrio econômico-financeiro. Segundo seu raciocínio – calcado no inciso XXI do artigo 37 da Constituição –, em havendo concessão de serviço público há, ipso facto, a necessidade de que a Administração mantenha exatamente as mesmas condições da proposta. Podemos dizer, nesse sentido, que a ministra não seguiu a linha de Loureiro e Rodrigues (2020), para quem a inteligência do artigo 37 deve levar somente à constatação de que as obrigações havidas pela Administração devem ser adimplidas. Assentando seu raciocínio na proteção dos pensionistas e credores da Varig, ora falida, a ministra pareceu não levar em conta que também a Administração teve prejuízos na vigência do plano econômico, algo válido para todas entidades e pessoas do país.

Ademais, foi citado reiteradamente aqui, a partir da noção engendrada por Martins (2011), que o equilíbrio econômico-financeiro tem caráter eminentemente bilateral. A todo momento, contudo, foi citado o ajuste econômico tido como correto pela empresa aérea, como se só o que ela pretendia fosse relevante juridicamente. Restou prejudicada, pois, a bilateralidade do instituto.

Parece-nos, portanto, que o voto vencido do ministro Joaquim Barbosa foi mais adequado do ponto de vista das noções conceituais tecidas ali. Como notamos, também com a ajuda de Loureiro (2020), a Teoria da Imprevisão é fulcrada no interesse público subjacente à manutenção da prestação do serviço. Retomando a noção preconizada por Di Pietro (2019) das

“ideias antitéticas” do contrato de concessão – lucro versus interesse público – no caso da imprevisão o interesse público se sobrepõe ao direito ao lucro da concessionária. Assim, não

poderia a concessionária, in casu, ser ressarcida com base na imprevisão, por uma série de motivos. Primeiramente por não ter sido atingida de forma especial pelo Plano Cruzado. Além disso, porque a crise macroeconômica por que passava o país era pública e notória, não sendo um elemento propriamente imprevisível. Ainda, pois à época da assinatura já vigia o Plano Cruzado, não sendo, portanto, evento superveniente. Por fim, já que a Varig seguiu atuando por mais de uma década após o fim do Plano, não poderia ela afirmar que teve de cessar a prestação do serviço por conta da ação econômica, algo que, como vimos, é o fulcro da Imprevisão.

Ou seja, ainda que se admita que o Plano Cruzado prejudicou as contas da empresa, isso não era exclusivo à Varig. Ademais, não pode ter a alusão ao equilíbrio econômico-financeiro o condão de sanar eventuais problemas de gestão da empresa; afinal, como vimos, o nosso sistema legislativo impõe que a concessão ocorre “por conta e risco”5 do concessionário. Como se sabe, a Varig teve vários problemas de gestão e investimentos, tanto que teve sua recuperação judicial e, posteriormente, falência, decretadas. Por tudo isso, parece-nos que o voto vencido era o mais adequado.

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5 Convém ressalvarmos, contudo, que a Lei nº 8.987/1995 não se aplicava ao caso em tela, porquanto posterior à assinatura do contrato.

4 EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DAS CONCESSÕES DE SERVIÇO PÚBLICO EM DECORRÊNCIA DA PANDEMIA DA COVID-19

Para além do caos sanitário e social, a pandemia da COVID-19 (causada pelo vírus SARS-CoV-2) trouxe reflexos que geram desafios para os contratos de concessão de serviços públicos. Afinal, a pandemia trouxe diversos problemas aos Estados e às pessoas, mudando as formas de socialização e impondo novas regras (a partir do uso do poder de polícia do Estado) de circulação de pessoas. Como decorrência desse cenário, presenciamos uma crise econômica de grandes proporções e contra cujos efeitos estamos longe de ter terminado de lidar.

Nesse contexto, já caracterizamos aqui os serviços públicos como atividades que permeiam a vida da maioria dos cidadãos, com as concessões sendo instrumentos que visam, dentre outros aspectos, dar mais eficiência e continuidade à sua prestação. Esses dois fatores combinados – contexto pandêmico e certa ubiquidade de serviços que são de prestação obrigatória e contínua – são suficientes para entendermos como a pandemia é um fator de possível desequilíbrio da equação econômico-financeira desses contratos.

Mais do que definir e estabelecer respostas prontas e completas ao problema do equilíbrio econômico-financeiro das concessões no contexto dos efeitos da COVID-19, estabelecendo a correção desta ou daquela corrente, o objetivo deste capítulo é analisar e problematizar o uso do instituto neste contexto atual. Mesmo porque, nos moldes de tudo o que foi analisado neste trabalho, a tentativa de proferir respostas aptas a solucionar questões eminentemente multifacetadas e complexas, que engendram uma miríade de relações, a um contexto que ainda não terminou seria fadada ao fracasso. É importante frisarmos este último ponto: a pandemia ainda não terminou, muito menos seus efeitos. Nesse sentido, as análises a serem feitas ficam de certa forma constritas pelo fato de seu objeto ainda estar acontecendo, sem que se tenha o privilégio de uma visão retrospectiva. Isso se reflete até mesmo naquilo que a doutrina já escreveu sobre o assunto: como veremos, os autores têm adotado as mais diversas posturas e vieses para estudar o assunto, as quais muitas vezes vão de encontro umas às outras.

Por tudo isso, este capítulo não tem a pretensão de exaurir ou estabelecer parâmetros definitivos para análise da matéria.

São muitos os fatores advindos da pandemia que podem, eventualmente, gerar o desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de serviço público. Dentre esses, podemos citar, exemplificativamente: redução de receitas tarifárias pela diminuição da circulação de pessoas; compra de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), como máscaras,

ou produtos, como álcool gel, não acordados quando da assinatura do contrato; aumento das rotinas laborais pela necessidade de higienização dos locais de trabalho; aumento do preço de insumos necessários à prestação; impossibilidade logística de compra de insumos;

eventualmente até mesmo a impossibilidade de prestação do serviço; dentre outros.

Nesse sentido, Marçal Justen Filho (2020) falando dos contratos administrativos de forma geral, é da opinião que as soluções encontradas pela Administração no enfrentamento da pandemia devem seguir as seguintes diretrizes: previsão de soluções adequadas mediante planejamentos bem executados; alocação adequada de recursos segundo o princípio da proporcionalidade; vedação à omissão da Administração; distinção entre atuação vinculada e não vinculada à pandemia; contratações administrativas relacionadas à pandemia e seu enfrentamento, sem que isso signifique autorização a contratações informais; o cuidado na manutenção de contratos e serviços não atinentes ao combate da pandemia; a persecução da solidariedade e da isonomia, pelo que os institutos tradicionais do direito administrativo se tornam insuficientes; alteração de contratos em curso por caso fortuito e força maior;

averiguação de fato do príncipe que leve à dificuldade ou à impossibilidade da execução contratual; efeitos indiretos da crise sanitária na economia; e o dever de seguir a boa-fé objetiva.

Para esse doutrinador, a excepcionalidade da pandemia causada pelo vírus da SARS-CoV2 é evidente, não só no quis diz respeito a sua existência, mas também a sua gravidade.

Assim, em havendo relação de causalidade entre esse evento extraordinário e a impossibilidade ou maior onerosidade no cumprimento do contrato, poder-se-ia falar em caso fortuito, força maior ou Fato do Príncipe, dependendo do caso. Essa última hipótese ocorreria quando a onerosidade ou impossibilidade decorresse não diretamente da pandemia, mas das medidas adotadas pelo Poder Público para enfrentá-la.

Em toada semelhante, Rolt e Bertoccelli (2020) afirmam que, diferentemente dos contratos privados e dos contratos administrativos comutativos, nos quais é possível a interrupção do contrato, nos contratos de concessão de serviço público isso não é possível, pela

Em toada semelhante, Rolt e Bertoccelli (2020) afirmam que, diferentemente dos contratos privados e dos contratos administrativos comutativos, nos quais é possível a interrupção do contrato, nos contratos de concessão de serviço público isso não é possível, pela