• Nenhum resultado encontrado

2 O DIREITO DE RECORRER E SUA RELEVÂNCIA

3.1 RECURSO ORDINÁRIO

Em ordenamentos jurídicos estrangeiros, a classificação dos recursos como ordinários ou extraordinários pressupõe uma observação prévia quanto a formação da coisa julgada. Isso ocorre, por exemplo, no Direito Português84 e no Direito Italiano85, já que, para o sistema processual desses países, será ordinário aquele

82

REsp 645.388/MS, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, julgado em 15.03.2007, DJ 02.04.2007.

83

Sem a intenção de polemizar a questão atinente as classificações dos recursos, há aqueles que entendem que, além dessas classificações apresentadas, os recursos podem ser classificados como totais ou parciais, conforme Barbosa Moreira (In: Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V: arts. 476 a 565. 14ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 252). Já Flávio Cheim Jorge defende que há apenas as duas classificações ora dispostas, já que “o fato de o recorrente se insurgir contra toda a decisão desfavorável ou apenas parte dela não permite classificar e identificar recursos com características distinta dos outros. De fato, quaisquer recursos podem ser totais ou parciais, bastando apenas a opção, em concreto, tomada pelo recorrente quanto à sua vontade de se insurgir contra a decisão.” (In: Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 3ª ed. rev. ampl. e atual. com a Reforma Processual - 2006/2007. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 32)

84 De acordo com Fernando Amâncio Ferreira, o critério utilizado para classificar os recursos como

ordinários ou extraordinários “[...] atende ao fenómeno do trânsito em julgado da decisão: os recursos ordinários são interpostos somente de decisões não transitadas em julgado; os recursos extraordinários pressupõem o trânsito em julgado da decisão.” (In: Manual dos Recursos em

Processo Civil. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2006, p. 81)

85

Referindo-se aos mezzi di impugnazione, Giovanni Verde deixa claro que “[...] dall´art. 324 apprendiamo che vi sono impugnazioni la cuí proponibilità esclude il passagio in giudicato delle sentenze (e sono quelle che usiamo definire ordinarie) e altre che possono essere proposte anche

recurso que impede a formação da coisa julgada e extraordinário aquele recurso que ataca a coisa julgada formada.

Neste sentido, voltando suas atenções para o Direito Brasileiro, no qual não se demonstra possível a interposição de um recurso pressupondo-se necessariamente a pretérita formação da coisa julgada, há respeitosos entendimentos doutrinários que defendem a inutilidade da classificação dos recursos como ordinário e extraordinários em nosso sistema86.

No entanto, o Código de Processo Civil, em seu art. 467, fine, deixa clara a impossibilidade de se classificar os recursos como ordinários e extraordinários utilizando-se o critério da (in)existência da coisa julgada, já que esse dispositivo legal impõe que somente haverá coisa julgada se a sentença não estiver mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário87. Assim, para o ordenamento jurídico brasileiro, a formação da coisa julgada não constitui um requisito necessário para a interposição de recursos extraordinários, mas sim um fator que obstaculiza o início do segmento recursal.

Parcela considerável da doutrina, com a qual concordamos, rendendo nossa reverência aos entendimentos contrários, busca classificar os recursos como ordinários ou extraordinários sob outra ótica, não levando em consideração o critério do trânsito em julgado, mas sim o objetivo imediato tutelado pelo recurso88. Será ordinário o recurso que visa proteger de forma imediata o direito subjetivo da parte e extraordinário o recurso que tutela o direito objetivo89.

dopo e a prescindere dal passagio in giudicato delle sentenze (e sono quelle che chiamiamo straordinarie)” (In: Profili del Processo Civile. 2. Processo di cognizione. Napoli: Jovene Editore, 2006, p. 209-210).

86

Por todos, BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol.

V: arts. 476 a 565. 14ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 254-255.

87

Dispõe o art. 467 do Código de Processo Civil: “Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”

88

Por todos, CHEIM JORGE, Flávio. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 3ª ed. rev. ampl. e atual. com a Reforma Processual - 2006/2007. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 33.

89

BERMUDES, Sérgio. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. VII: arts. 496 a 565. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1975, p. 34.

Ao contrário dos extraordinários, os recursos ordinários visam denunciar e atacar a injustiça da decisão, de modo que a observação do direito objetivo se dará de forma mediata90. Os recursos extraordinários, portanto, ligam-se somente a correta aplicação da lei91, excluindo-se qualquer elemento que destoe desse caráter objetivo.

Outro critério diferenciador entre os recursos ordinários e extraordinários diz respeito a (im)possibilidade de análise fática e probatória quando do seu julgamento92. Para os recursos ordinários tamanha é a amplitude cognitiva, que se permite vasta revisão dos fatos e das provas constantes dos autos. Já nos recursos extraordinários, além de se exigir a prévia discussão da matéria impugnada nas instâncias ordinárias, há a impossibilidade de apreciação das questões fáticas e probatórias, o que denota ainda mais o seu caráter de excepcionalidade.

Feitas essas considerações, pode-se concluir que são ordinários os recursos de agravo, apelação, embargos de declaração, embargos infringentes e recurso ordinário; e extraordinários os recursos especial, extraordinário e os embargos de divergência.

Especificamente quanto a apelação, pode ela então ser classificada como um recurso ordinário na medida em que, como dito, visa corrigir a injustiça da sentença93.

Ademais, a profundidade cognitiva que é conferida ao órgão destinatário da apelação, conforme dispõe os parágrafos 1º e 2º do art. 515 do CPC, caracteriza ainda mais essa espécie recursal como sendo um recurso ordinário, já que, além de não prescindir um enfrentamento prévio de questões pelo órgão a quo para que haja o pronunciamento pelo órgão ad quem, ilimitada será a análise do conjunto fático-

90 CHEIM JORGE, Flávio. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 3ª ed. rev. ampl. e atual. com a

Reforma Processual - 2006/2007. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 33

91

CHEIM JORGE, Flávio. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 3ª ed. rev. ampl. e atual. com a Reforma Processual - 2006/2007. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 33.

92

CHEIM JORGE, Flávio. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 3ª ed. rev. ampl. e atual. com a Reforma Processual - 2006/2007. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 33.

93

CHEIM JORGE, Flávio. Apelação cível: Teoria geral e admissibilidade. 2ª ed. rev. e atual. de acordo com a Lei 10.352/2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 55.

probatório dos autos. Não raro se diz, portanto, que a apelação deve ser conhecida e julgada pelo Tribunal como se fosse “uma segunda primeira instância”94.

Outrossim, como se sabe, a atuação do órgão ad quem não se limita apenas ao reexame da própria sentença já que vai mais além e reaprecia o processo. É, conforme ressaltado por Sérgio Bermudes, a “zweite Erstinstanz de que falam os alemães”95.