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3. THE OFFICE E A CONSTRUÇÃO DO RISO

3.1. Recursos Narrativos

Dentre os recursos narrativos utilizados na série é importante destacar aqueles que se fazem mais presentes para a construção do humor. Uma vez que o estilo de The Office é mesclar elementos ficcionais e reais, uma das estratégias mais fortes para passar essa impressão de realidade é a fotografia. A maneira como ela é trabalhada serve de suporte ao aspecto de reality-show da sitcom.

Dentro do escritório a iluminação é feita através de refletores de luz fria, que são posicionados na parte superior do cenário. A ideia é passar a impressao de que as lâmpadas do escritório iluminam as cenas. Existe um tratamento na luz para evitar que os rostos dos atores fiquem escurecidos, pois uma fonte superior de iluminação causaria sombras abaixo dos olhos e nariz, mas é suave e não esconde suas imperfeições físicas. Nas tomadas externas a iluminação é natural, luz do sol. A fotografia estoura em diversos momentos e os personagens demonstram estar incomodados pela claridade, fechando os olhos e franzindo os rostos. A paleta de cores utilizada nos cenários é formada por tons de bege, marrom, branco e cinza, que são tonalidades pouco chamativas.

A montagem também é outra particularidade que auxilia o estilo da série. A câmera se movimenta livremente pelo cenário, poupando apenas o banheiro feminino. A depender da necessidade ela corre atrás dos personagens, acompanha-os em seus carros, casas, ou ainda se posiciona de forma a espiar os funcionários. Muito além de um recurso que dá a sensação de telerealidade às cenas, a montagem é também responsável pela construção do humor, geralmente em associação com os diálogos e as atuações. Neles, as estratégias de comicidade mais recorrentes são o paradoxo e a ironia.

Os paradoxos aparecem como forma de contradizer os personagens, quando estão sozinhos dando depoimentos, tentando passar uma visão parcial da sua realidade. Ao sobrepor os diálogos com imagens que os contrariam, há o riso por desnudar um fato, similar ao que ocorre ao se descobrir uma mentira. No paradoxo ocorre um choque de ideias; são apresentados conceitos que antagônicos, mas que estão reunidos apesar de sua incompatibilidade. No episódio piloto, Pam Beesly confidencia em depoimento individual que não quer ser uma recepcionista a vida toda, que gosta de fazer ilustrações e pinturas em aquarela; enquanto fala, a imagem é transposta para uma dela passando cuidadosamente um corretivo num formulário da empresa. Existe aqui um paradoxo entre sua vontade e sua rotina, ela gosta de arte, mas desenvolve tarefas que não requerem criatividade.

A ironia é outra estratégia que apoia-se na montagem e também na atuação. Os funcionários não podem exprimir suas verdadeiras opiniões sobre Michael, não só por estarem abaixo dele na hierarquia da empresa, portanto passíveis de serem demitdos, como também para não serem mal vistos pelos outros colegas se partirem pra um ataque explícito. O que ocorre na ironia é a expressão de uma ideia com um conceito subentendido. Também no piloto já é possível demarcar esse tipo de humor. Michael sai de sua sala e aborda Jim, gritando "Qual é?"; ele por sua vez, se assusta, responde "Qual é?" e acrescenta em tom de deboche "Sete anos e eu ainda não cansei disso".

O fato dos personagens saberem da presença das câmeras contribui para conformação do riso. Eles interagem com elas em maior ou menor grau a depender de quem seja: Jan e Angela não gostam de ter suas privacidades invadidas. Roy e Ryan parecem ficar desconcertados e sem saber como agir. Stanley, Phyllis, Toby, Oscar, Creed e Meredith demonstram certa indiferença, numa relação de pouca proximidade. Já Michael, Jim,

Kevin, Darryl, Dwight, Pam e Kelly mantém certa afinidade com a equipe de filmagem. Kelly, por exemplo, chega a fazer brincadeiras constrangedoras; numa reunião com Jan no episódio Boys and Girls da segunda temporada, ela pergunta "Quando Michael disse que chegou à segunda base com você, o que ele quis dizer com isso?", depois se vira para a câmera, esboçando um sorriso sarcástico. Ela sabe do relacionamento dos dois e faz a insinuação propositalmente para constranger Jan.

No caso dos quatro protagonistas, a relação se dá de maneiras diferentes. Michael e Dwight gostam de se exibir, contando vantagens, fazendo piadas, mostrando suas habilidades. Seus momentos de fraqueza e excentricidade são geralmente documentados contra a vontade deles, que tentam fugir das lentes nessas horas. Durante o episódio Performance Review na segunda temporada, acontece um momento em que Dwight procura privacidade. Michael está procedendo as avaliações sobre a performance de seus funcionários. Como forma de liberar o estresse e ganhar confiança para pedir um aumento, Dwight vai sozinho para as escadas e começa a ouvir música alta, dançando, dando chutes no ar, enquanto repete para si "Você vai me dar esse aumento! Eu mereço esse aumento!". Vemos a cena através de uma câmera posicionada no topo das escadas, ele continua com seu ritual e parece não perceber que estava sendo filmado. Já Jim e Pam utilizam a presença da equipe de filmagens a seu favor, para extravasar suas ironias. Em variados momentos eles evidenciam seus sentimentos pelas suas expressões faciais e olhares para câmera. No episódio Conflict Resolution, novos crachás estão sendo confeccionados. Jim ajuda na confecção do de Dwight e faz um trocadilho com seu nome do meio; ao invés de Kurt, digita Fart (pum em inglês). Dwight se irrita e Jim mostra-se desentendido, tentando compreender o que está escrito. Assim que Dwight sai da sala, ele olha para a câmera, sorrindo, confirmando sua intenção de se divertir às custas do colega.

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