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Algumas estudiosas são valorizadas nesta Tese por conta de nos situarem excertos sobre o gênero enquanto categoria analítica, isto é, perspectivas teóricas que vislumbram possibilidades de produção do gênero fora das restrições binárias (opostas, fixas e excludentes) entre o masculino e o feminino.

Joan Scott (1995), historiadora norte-americana, reflete a respeito dos limites que a descrição da empiria representava à História. Segundo a autora, na forma como era trabalhada no âmbito daquela disciplina, a descrição da empiria não rompia com o paradigma masculino com o qual a Historiografia Oficial é produzida. Uma maneira de redefinir esses parâmetros científicos seria através da proposição da noção de gênero como categoria de análise histórica.

A autora ressalta que as primeiras feministas passaram a adotar, na década de 1970, o termo gênero para “insistir no caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo” (Scott, 1995, p. 03). Naquela ocasião, o termo sublinhava definições normativas à feminilidade, mas foi defendido por ser uma estratégia através da qual poderiam mudar, incluir ou alargar noções tradicionais daquilo que poderia ser considerado historicamente relevante para ser analisado. Sobretudo, seria capaz de redefinir paradigmas no seio de cada disciplina. Assim, através de pesquisas e estudos sobre as mulheres, aquelas feministas acrescentariam novos temas e reavaliariam premissas no campo da História.

Entretanto, não bastava provar “que as mulheres tiveram uma história ou que as mulheres participaram das mudanças políticas principais da civilização ocidental” (Scott, 1990, p.05). Também não adiantava acrescentar, reconhecer e incluir experiências de mulheres na História Oficial, pois as análises de/as historiadoriadores/as de mulheres possuíam limites. Elas teorizaram sobre gênero usando formulações descritivas (sem explicar ou interpretar fenômenos e realidades)

ou causais (buscando entender como e por quê os fenômenos tem a forma que eles tem).

Até então a maioria das teorizações sobre gênero, que eram realizadas por historiadores/as, usavam o termo, em artigos e livros, como sinônimo de mulheres. O intuito era conquistar legitimidade enquanto campo de pesquisa, mas a categoria “gênero” também conotaria mais erudição e, por conseguinte, implicaria mais neutralidade política do que o termo “mulheres”. Scott ainda apresenta outros aspectos descritivos que estariam imbuídos na substituição entre os termos “mulheres” e “gênero”:

Neste uso, o termo gênero não implica necessariamente na tomada de posição sobre a desigualdade ou o poder, nem mesmo designa a parte lesada (e até agora invisível). Enquanto o termo “história das mulheres” revela a sua posição política ao afirmar (contrariamente às práticas habituais), que as mulheres são sujeitos históricos legítimos, o “gênero” inclui as mulheres sem as nomear, e parece assim não se constituir em uma ameaça crítica. Este uso do “gênero” é um aspecto que a gente poderia chamar de procura de uma legitimidade acadêmica pelos estudos feministas nos anos 1980. (...) “Gênero”, como substituto de “mulheres”, é igualmente utilizado para sugerir que a informação a respeito das mulheres é necessariamente informação sobre os homens, que um implica no estudo do outro. Este uso insiste na ideia de que o mundo das mulheres faz parte do mundo dos homens, que ele é criado dentro e por esse mundo. Esse uso rejeita a validade interpretativa da ideia das esferas separadas e defende que estudar as mulheres de forma separada perpetua o mito de que uma esfera, a experiência de um sexo, tem muito pouco ou nada a ver com o outro sexo. Ademais, o gênero é igualmente utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. O seu uso rejeita explicitamente as justificativas biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum para várias formas de subordinação no fato de que as mulheres têm filhos e que os homens têm uma força muscular superior. O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as “construções sociais” – a criação inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. (SCOTT, 1995, p.06- 07).

A partir da crítica aos usos descritivos da categoria gênero, a autora propõe utilizá-la como instrumento de análise histórica. Isto implica adotar novos paradigmas teóricos que questionem como são construídas, funcionam e se transformam as relações entre homens e mulheres. Assim, a autora define: “gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças que distinguem os sexos; o gênero é uma forma primária de relações significantes de poder” (Scott, 1995, p.20).

Nessa perspectiva, ainda segundo Scott (1995), gênero está em símbolos, representações culturais, normas, instituições e organizações sociais. Tais dimensões não são estanques. Ao contrário, operam juntas nas relações sociais, mas uma não é reflexo das outras.

Assim, gênero é “um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos” (Scott,1995, p.20). É a forma primária de dar significado às relações de poder. Implica símbolos que evocam representações contraditórias e conceitos normativos que tenta conter, limitar, representações.

A categoria “geração” também compõe o arcabouço teórico desta Tese. De acordo com Alda Britto da Motta (2010), a preocupação em defini-la esteve presente desde o início da Sociologia, com August Comte, mas a sua utilização teórica sempre foi marcada pela instabilidade, pois o termo é polissêmico. Seus usos podem se referir, de acordo com a autora, aos efeitos de gerar/criação alguma coisa ou alguém, também podem estar relacionados às fases/etapas do desenvolvimento histórico ou tecnológico ou, ainda, associados às idades ou grupos etários. Assim, independentemente das formas cotidianas utilizadas, são os usos socioantropológicos da categoria que adoto neste estudo.

Segundo Britto da Motta (2010), foi com Karl Mannheim que o termo “geração” adquiriu “estruturação teórica alta” nas Ciências Sociais. Ele revisou os enfoques teóricos (positivista e histórico-romântico) a respeito dos modos de classificar sujeitos em “gerações”, vigentes até o século XVIII, e percebeu que não havia unidade analítica naqueles trabalhos.

De acordo com Wívian Weller (2010), a corrente positivista buscava uma lei geral que explicasse o progresso da humanidade e considerava que o tempo linear e quantitativo (objetivamente mensurável) dos seres humanos seria responsável pela substituição de uma geração por outra, necessariamente, mais nova. A corrente histórico-romântica, por sua vez, considerava que o tempo interior e qualitativo, isto é, apreendido subjetivamente delimitaria o pertencimento a uma geração, na qual as experiências fossem compartilhadas, simultaneamente, entre os indivíduos.

Weller (2010) ainda alerta que nesta última concepção as pessoas compartilhavam experiências no mesmo tempo cronológico, visão da qual Mannheim buscou distanciamento em sua formulação teórica a respeito da problemática das gerações.

Nesse sentido, em “O Problema das Gerações”, artigo publicado originalmente em 1928, Mannheim (1982) buscou compreender as mudanças sociais de uma época a partir da dimensão histórico-social da categoria geração. Ele considerou, de acordo com Weller (2010), que não basta que os sujeitos tenham nascido em uma mesma época para serem considerados de uma mesma geração. É, mais que isso, preciso

que compartilhem da possibilidade ou potencialidade de presenciar os mesmos acontecimentos e vivenciar experiências semelhantes.

Desse modo, por apreciar o fluxo da história, Mannheim (1982) ressalta que as gerações não são fixas, uma vez que sofrem mudanças contínuas e processos interativos dinâmicos. A este respeito, a autora acrescenta:

O sentido mais plenamente sociológico, (...) – geração, propriamente dita – designa um coletivo de indivíduos que vivem em determinada época ou tempo social, têm aproximadamente a mesma idade e compartilham alguma forma de experiência ou vivência, ou têm a potencialidade para tal. (BRITTO DA MOTTA, 2010, p. 229).

Conforme apresentado, a noção conceitual de geração não está dissociada da idade cronológica. Esta é referenciada, mas a autora adverte que não se deve compreender todas as experiências de “velhice” como uma única “geração”, pois as pesquisas demográficas já assinalam a longevidade da população brasileira em diferentes coortes geracionais, isto é, “conjunto de indivíduos nascidos em um mesmo intervalo de tempo” (Britto da Motta, 2010, p. 228). A autora exemplifica:

A “geração” que inquieta, enquanto vai se desdobrando em anos e diversidades, e enseja uma nova e interessante questão teórica, também existencial e política: entre 60 e 110 anos de vida, que percurso geracional pode ser traçado? Quantas “gerações” de velhos estão coexistindo neste novo espaço cronológico e social de 50 anos? Qual a “contemporaneidade” possível entre elas? (BRITTO DA MOTTA, 2010, p. 234).

Assim, sintonizada com esses argumentos, considero que a noção de geração está relacionada mais à potencialidade/possibilidade de os sujeitos partilharem experiências e formas de pensamento de uma época do que à idade cronológica que possuam. Acrescento que já utilizei a concepção mannheimiana de “geração” em experiências de trabalhos anteriores que me demonstraram que uma geração se constitui “em referência mútua, contraposição ou até oposição umas às outras”, tal como ressaltado por Britto da Motta (2010, p.234).

Outra categoria que adoto é “experiência”. O termo é utilizado por Joan Scott (1998) para criticar construções teóricas que viam na realidade evidente o ponto de partida do conhecimento, tal como realizado pela historiografia tradicional.

A autora destaca que a historiografia tradicional buscou explicar os fatos e dados históricos através de “premissas, categorias, ou hipóteses fundamentalistas” (Scott, 1998, p.05) que eram inquestionáveis e, por isso, validavam as análises empiristas. O próprio termo “experiência” é um dos fundamentos que, de acordo com a autora, foi reintroduzido pela História com intuito de tecer críticas ao empirismo dos

escritos históricos. Todavia, por apresentar “conotações variadas e indefiníveis” (Scott, 1998, p.06), permitiu que vários teóricos compreendessem-no a partir de um viés.

Nesse sentido, a própria atividade de historiador não permitiria contestações que a anulasse, pois, ao olhar e registrar um fato ou relato, se acreditava que sua experiência seria fonte confiável do conhecimento, “porque ela se baseia em um contato direto entre a percepção do historiador e a realidade” (Scott, 1998, p.09). Assim, os historiadores legitimavam explicações (consideradas verdades eternas, permanentes e incontestáveis) que atestavam, através da evidência do fato bruto, algo como verdadeiro e autêntico.

Ainda segundo a autora, ao tomar a experiência dos sujeitos como sinônimo de evidência/reflexo da realidade, os historiadores tinham-na como a origem da explicação e, assim, acreditavam que as categorias eram “normalmente tidas como autoevidentes” (Scott, 1998, p.14). Desse modo, acabavam naturalizando categorias, essencializando diferenças e, consequentemente, estabelecendo identidades fixas e sujeitos unificados e determinados. Scott (1998) combate essa visão e, sobretudo, assevera que os conceitos emergem historicamente e precisam ser explicados.

Não são os indivíduos que têm experiência, mas os sujeitos é que são constituídos através da experiência. A experiência, de acordo com essa definição, torna-se, não a origem de nossa explicação, não a evidência autorizada (porque vista ou sentida) que fundamenta o conhecimento, mas sim aquilo que buscamos explicar, aquilo sobre o qual se produz conhecimento. Pensar a experiência dessa forma é historicizá-la, assim como as identidades que ela produz (SCOTT, 1998, p. 05).

Ao destacar que é preciso historicizar a experiência, assim como as identidades, Joan Scott destaca que as categorias não são envoltórios vazios (que sempre existiram ao longo do tempo) e nem características inerentes aos indivíduos. A este respeito, explica:

Significa, isto sim, supor que o surgimento de uma nova identidade não é inevitável ou determinado, não é algo que sempre esteve lá esperando para ser representado, muito menos algo que sempre irá existir na forma que lhe foi dada em um movimento político específico ou em um momento histórico particular. (SCOTT, 1998, p.15).

Historicizar a experiência envolve analisar as condições de emergência dos conceitos, bem como investigar como as identidades são atribuídas, resistidas ou abraçadas. Abrange, também, problematizar generalizações conceituais que consideram os sujeitos “plenamente autônomos e unificados” (Scott, 1998, p.16), uma

vez que o “agenciamento é criado através de posições e situações que lhe são conferidas” (Scott, 1998, p.16), tal como se percebe a seguir:

Ser sujeito significa estar “sujeitado a condições de existência definidas, condições de designação de agentes e condições de exercício”. Essas condições possibilitam escolhas apesar de não serem ilimitadas. Sujeitos são constituídos discursivamente. A experiência é um evento linguístico (não acontece fora de significados estabelecidos), mas não está confinada a uma ordem fixa de significados. (SCOTT, 1998, p.16).

De acordo com a autora, experiência (história do sujeito) é uma interpretação e algo que precisa, ao mesmo tempo, de interpretação. “O que conta como experiência não é autoevidente, nem definido; é sempre contestável, portanto, sempre político” (Scott, 1998, p.20). Analisar os processos discursivos que constituem os sujeitos envolve, desse modo, investigar o local que a história em é encenada, bem como as situações e posições que lhe são conferidas.

Ao trabalhar com experiências (história do sujeito) de mulheres “em processo de envelhecimento”, procuro compreender como processos de subjetivação das mulheres são construídos. Nesse sentido, cabe refletir a respeito da base universal com a qual a categoria das “mulheres” é, muitas vezes, representada.

Judith Butler (2003) destaca que a teoria feminista presumia que existiria uma identidade definida pela categoria das “mulheres”. Essa identidade tanto anunciaria objetivos e interesses, dentro do movimento feminista, como também constituiria o sujeito a quem deveria representar politicamente.

Ao defender essa concepção, de acordo com a autora, a teoria feminista daria visibilidade e legitimidade às mulheres como sujeito político e, por outro lado, “revelaria ou distorceria o que é tido como verdadeiro sobre a categoria das mulheres” (Butler, 2003, p.18). Entretanto, essa concepção dominante entre teoria feminista e política foi questionada pelo próprio discurso feminista que problematizou a noção de sujeito das mulheres em termos estáveis e/ou permanentes.

Os estudos e análises produzidos, a partir de então em contexto feminista, começaram a destacar que a defesa da categoria das “mulheres”, como sinônimo de sujeitos estáveis e/ou permanentes, limitava compreensões e abordagens representacionais de cunho político. Embora o sujeito seja “uma questão crucial para a política e, particularmente, a política feminista” (Butler, 2003, p.19) para efeito de políticas públicas e ações afirmativas a serem elaboradas, por exemplo, os sujeitos

jurídicos são, ao mesmo tempo, produzidos e reprimidos pelas estruturas de poder que buscam emancipar.

A autora destaca que é preciso compreender como a categoria das mulheres (sujeito do feminismo) é produzida e reprimida pelas estruturas de poder, pois estas “engendram, naturalizam e imobilizam” (Butler, 2003, p.22) categorias de identidade (como raça, classe social, geração e sexualidade). Nesse sentido, é errôneo pensar que existe uma concepção singular de identidade para as” mulheres”, pois o termo “mulheres” não denota uma identidade comum, nem é um significante estável e invariável.

Assim, busco problematizar essas compreensões que limitam, engessam, cristalizam e naturalizam o entendimento de que o termo “mulheres” pode significar e abranger, pois o sujeito feminino deve ser compreendido como formação discursiva na qual ser mulher não é tudo que alguém é, uma vez que o gênero não é natural ou dado, “nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente nos diferentes contextos históricos, e porque o gênero estabelece intersecções com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de identidades discursivamente constituídas” (Butler, 2003, p.20).

O gênero é uma identidade tenuamente construída no tempo, constituído no tempo, instituído num espaço externo por meio de uma repetição estilizada de atos. O efeito do gênero se produz pela estilização do corpo e deve ser entendido, consequentemente, como a forma corriqueira pela qual gestos, movimentos e estilos corporais de vários tipos constituem a ilusão de um eu permanente marcado pelo gênero. [...] então a aparência de substância é precisamente isso, uma identidade construída, uma realização performativa em que a plateia social mundana, incluindo os próprios atores, passam a acreditar, exercendo-a sob a forma de uma crença. (BUTLER, 2003, p. 200). Não haveria atos de gênero verdadeiros ou falsos, reais ou distorcidos, e a postulação de uma identidade de gênero verdadeira se revelaria uma ficção reguladora. [...] o caráter performativo do gênero e as possibilidades

performativas de proliferação das configurações de gênero fora das

estruturas restritivas da dominação masculinista e da heterossexualidade compulsória são observados à medida que se entende que as identidades de gênero são criadas mediante performances sociais contínuas. (BUTLER, 2003, p. 200). (Grifos da autora).

Para Judith Butler (2003) existe uma norma regulatória (heterossexualidade compulsória) que institui uma coerência e continuidade entre sexo (características biológicas), gênero, desejo e prática sexual. Essa sequência é construída tendo um polo oposto como contraponto, mas essa lógica não é “dada”, evidente, natural ou inquestionável. Ela é produzida discursivamente por um contínuo e repetitivo trabalho

feito por dispositivos, convenções, normas, tecnologias, permitindo que deslizes, deslocamentos e escapes àquela norma possam existir.

Nesse sentido, as abordagens teóricas devem refletir sobre construções ontológicas de identidade na prática política, como, por exemplo, aquelas que compreendem “mulheres” como categoria una, permanente e que constituem sujeitos estáveis, coerentes e invariáveis do gênero feminino.

Parece necessário repensar radicalmente as construções ontológicas de identidade na prática política feminista, de modo a formular uma política representacional capaz de renovar o feminismo em outros termos. Por outro lado, é tempo de empreender uma crítica radical, que busque libertar a teoria feminista da necessidade de construir uma base única e permanente, invariavelmente contestada pelas posições de identidade ou anti-identidade [sic] que o feminismo invariavelmente exclui (BUTLER, 2003, p.23).

É preciso entender, desse modo, que não se pode assumir como “natural”, “dado” ou “evidente” o compartilhamento de experiências que, muitas vezes, é associado a categoria das “mulheres”, haja vista que o termo não é exaustivo ou explicativo em si mesmo. Fazer uso não problematizado dessa categoria implica entendê-la como unidade, concepção da qual busco distanciamento neste trabalho.

Segundo Avtar Brah (2006, p.341):

O signo “mulheres” tem sua própria especificidade constituída dentro e através de configurações historicamente específicas de relações de gênero. Seu fluxo semiótico assume significados específicos em discursos de diferentes “feminilidades”, onde vem simbolizar trajetórias, circunstâncias materiais e experiências culturais históricas particulares.

Concordo com esta citação, e muitos de seus argumentos, reiterando a posição analítica de que as dimensões de gênero, classe, raça, sexualidade – e acrescento a de geração – “não podem ser tratadas como ‘variáveis independentes’, porque a opressão de cada uma está inscrita dentro da outra – é constituída pela outra e é constitutiva dela” (Brah, 2006, p. 351).

Não é simplesmente adicionar ou juntar aquelas categorias, adverte a autora. É “um movimento transformador de configurações relacionais” (Brah, 2006, p.353) através do qual as dimensões de diferenciação dos sujeitos são entendidas como relações contingentes e específicas a determinado contexto. Assim, convém analisar como tais dimensões se articulam e constituem as experiências dos sujeitos.

O trabalho com mulheres e experiências, portanto, requer a inserção de alguns destes aportes teóricos citados, em análises, nas quais o gênero e a geração se

entrecruzam como principais marcadores destacados, assim como, também, requer o uso de recursos técnicos específicos como é o caso da História Oral39.

No âmbito da Historia Oral, a História de Vida se ressalta enquanto recurso teórico-metodológico que nos oferece a possibilidade de captar o que os sujeitos trazem de suas experiências, como as produzem e como as significam. A rememoração constitui-se, então, como um núcleo substancial no qual podemos perceber a presença das condições sociais, contextos histórico e político da constituição das experiências vividas e projetadas.

As lembranças selecionam “emoções, desafios, sonhos, desejos realizados ou não, vitórias e derrotas” (Faria e Montenegro, 2005, p.21) que propiciam captar diversas visões de mundo através dos acontecimentos que os sujeitos elegem como significativos a respeito das diversas passagens de suas vidas.

Apoiei-me nestes fundamentos para, nesta Tese, atribuir às mulheres que contam suas histórias de vida a denominação de narradoras. Não são meras informantes, entrevistadas ou depoentes, que transmitem informações a um pesquisador ou uma pesquisadora. Nesse sentido, “sentar” e escutar, atenta e pacientemente, cada uma das seis (06) mulheres (com as quais trabalhei) desfiarem lembranças e tecerem narrativas de suas histórias de vida é que me designa as funções de ouvinte e intérprete.

Segundo Verena Alberti (2004), qualquer temática é possível de ser investigada através da História Oral. Seu uso depende da questão a ser analisada, bem como de haver condições de se desenvolver a pesquisa, uma vez que as narrativas acerca do objeto de análise é que ganham relevância. A autora ainda acrescenta que utilizar a técnica da História Oral não significa deixar de consultar outras fontes, já existentes, sobre o tema escolhido.

Maria Isaura Pereira de Queiroz (1998) destaca que a História Oral reúne diferentes recursos importantes para cientistas sociais interessados na coleta de

39 De acordo com Marieta de Moraes Ferreira (1998, p.01), a História Oral começou a ser usada na