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Periódico Redator

Americano Padre José Antônio Marinho

Astro de Minas Padre José Antônio Marinho

Companheiro do Conselho Bernardo Pereira de Vasconcelos (atribuição)

Correio de Minas Manoel Soares do Couto

Despertador Mineiro Dr. Jacintho Rodrigues Pereira Reis

Diamantino João Nepomuceno Aguilar

Echo do Serro João Nepomuceno Aguilar

Echo do Serro Manuel Sabino de Sampaio Lopes

Estafeta Antônio Gomes Batista

Estafeta Padre Marciano Gomes Batista

Guarda Nacional Mineiro Eleitor Fortunato Guarda Nacional Mineiro José Felicissimo

Jornal da Sociedade Promotora da Instrução Pública Padre José Antônio Marinho

Legalista Jacques Augusto Cony

Liberal do Serro Geraldo Pacheco de Melo

Novo Argos Herculano Ferreira Penna

Novo Argos Padre Antônio José Ribeiro Behring

Opinião Campanhense Bernardo Jacinto da Veiga Oposição Constitucional Padre José Antônio Marinho

Parahybuna Justiniano da Cunha Pereira

Pregoeiro Constitucional Padre José Bento Leite Ferreira de Mello Recopilador Mineiro Padre José Bento Leite Ferreira de Mello Sentinela do Serro Teófilo Benedito Otoni

Telegrapho José Gonçalves Cortes

Universal Bernardo Pereira de Vasconcelos (atribuição)

Universal Joaquim Antão Soares Leão

Universal José Pedro Dias de Carvalho

Vigilante Coronel Pedro Gomes Nogueira

Fontes: MATA-MACHADO FILHO, Aires da. Arraial do Tijuco, cidade Diamantina. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EdUSP, 1980; SIVEIRA, Victor. Minas Geraes em 1925. Imprensa Official do Estado de Minas Geraes, 1926; SISSON, S. A. Galeria dos Brasileiros Ilustres (Os Contemporâneos). São Paulo: Martins, 1948. 2 vols.; VASCONCELLOS, Salomão de. Bernardo Pereira de Vasconcellos. Belo Horizonte, s.n., 1953.; VEIGA, José Pedro Xavier da. Efemérides Mineiras. 2. ed. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1998.

Por intermédio do Quadro I, percebe-se que alguns redatores destacaram-se no panorama político imperial, como Bernardo Pereira de Vasconcelos, José Bento Leite Ferreira de Mello, Teófilo Benedito Otoni e José Antônio Marinho, os quais figuram, inclusive, na

Galeria dos Brasileiros Ilustres, de SISSON160. Outros são menos conhecidos atualmente, como Antônio Gomes Batista e Joaquim Antão Soares Leão. Entretanto, todos estes autores mantinham relações com o campo político, inserindo-se nas discussões e/ou procurando sustentar uma preponderância local. Aliás, a própria imprensa, como temos dito, era espaço para a prática política, onde vozes se faziam presentes procurando afirmar determinada visão de mundo. Ademais, tribuna e imprensa não se excluíam, já que, em não raras vezes, uma decorria da outra. Nota-se, outrossim, que a maioria dos autores era composta por membros de uma elite política e intelectual161. Não pretendemos caracterizar essa elite, extensamente analisada por Lúcia Maria Bastos Pereira das NEVES162 e José Murilo de CARVALHO163. Contudo, enfatizaremos a atuação didática dos redatores, isto é, o papel de condutores da sociedade que estes autores tomavam para si, pois, como salienta Isabel LUSTOSA, “manter- se ia para a imprensa o papel educativo”164. Eles se dirigiram para um público igualmente distinto, composto pelos senhores, proprietários e comerciantes que transitavam pela “boa sociedade”. Deste público ideal trataremos adiante. Por agora, interessam-nos os “escritores públicos”, ressaltando que não analisaremos todos os indivíduos identificados, mas alguns elementos representativos da prática da escrita política: Marinho, Behring e Vasconcelos.

160 SISSON, S. A. Galeria dos Brasileiros Ilustres (Os Contemporâneos). São Paulo: Martins, 1948. 2 vols. 161 A professora Lúcia Maria Bastos Pereira das NEVES elaborou um recorte representativo da elite política e

intelectual da época da Independência, destacando dois grupos – coimbrãos e brasilienses – na luta política e, consequentemente, na escrita dos impressos. Como ressalta a autora, esta classificação não é rígida, podendo os elementos de um grupo migrarem para o outro conforme o contexto. (NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. “Os atores: as elites política e intelectual” In: _____. Corcundas e Constitucionais: a cultura política da Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan: Faperj, 2003. p. 55-88).

162 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. op. cit. 163

CARVALHO, José Murilo de. “A construção da ordem: a elite política imperial”. In: ____. A construção da ordem. Teatro de sombras. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 13-246.

Veremos que, com eles, o periodismo era uma espécie de “magistério” e um exercício de poder.

Marinho e Behring: o periódico como meio de instrução

Principiemos por um dos mais atuantes jornalistas das Regências, o cônego José Antônio Marinho, que redigiu os periódicos Jornal da Sociedade Promotora de Instrução

Pública, Astro de Minas, Oposição Constitucional e o Americano. Notadamente, sua trajetória

de vida relaciona-se aos seus intentos ilustrados. Filho de família humilde, Marinho somente conseguiu ingressar no Seminário de Olinda com o auxílio de um patrono. Lá, entrou em contato com as idéias republicana e federalista ao participar ativamente da Confederação do Equador, experiência que o marcaria para o resto da vida. Com o fim deste conflito e as conseqüentes perseguições aos envolvidos, Marinho não pôde retornar ao seminário pernambucano, refugiando-se no sertão. Ao chegar à vila da Barra (atualmente na Bahia), foi convidado por uma senhora para ensinar a seus filhos as primeiras letras: iniciava-se, assim, sua carreira docente. Passados alguns anos, José Antônio Marinho entrou para o Seminário do Caraça, recebendo as ordens, em 1829, na cidade de Mariana. Ao sair do estabelecimento, principiou sua vida pública, distinguindo-se como professor, político e jornalista. Lecionou Filosofia em Congonhas, Ouro Preto e São João del Rei. Como entusiasta do ensino, associou-se às Sociedades Promotora da Instrução Pública de Ouro Preto, na qual era redator do periódico, e Promotora da União e Defensora do Centro, sediada em sua terra natal, o arraial de N. Sra. do Amparo do Brejo do Salgado (atual Januária)165.

165

IGLÉSIAS, Francisco. “O cônego Marinho e 1842”. In: MARINHO, José Antônio. História do Movimento Político de 1842. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. USP, 1977. p. 13-36; SISSON, S. A. op. cit., Vol. 2, p. 247-256.

Homens como José Antônio Marinho, educados nos seminários brasileiros, “tendiam a se preocupar muito menos com a unidade do país e com o fortalecimento do poder central”166. Nesse sentido, o cônego fez parte de um grupo que defendeu a descentralização política e administrativa do Império. Para ele, assim como para os pernambucanos de 1824, a unidade do Império “era desejável desde que presidida por um pacto federativo”167. Em vista disso, “observando, que (...) alguns individuos ainda ignorão, ou ao menos não formão uma idea exacta do Systema Federativo”, Marinho apresentou “aos Leitores [do Jornal da Sociedade

Promotora da Instrução Pública] o seguinte Cathecismo Federal, ou o Conductor do Povo,

que foi publicado em Pernambuco por um Membro da Sociedade Federal, o Sr. João Barboza Carneiro”168. Os escritos de Marinho indicavam a adoção do federalismo, afirmando a verdadeira vocação do Novo Mundo, da qual deveria o Império do Brasil partilhar. No entanto, o Cathecismo Federal reproduzido pelo Jornal não tratava do self-government descrito por Thomas JEFFERSON169 como fator de garantia das liberdades políticas. Pelo contrário, o Catecismo apropriou-se do federalismo de HAMILTON, MADISON e JAY, em sua acepção unitária. Há clara assimilação das proposições do Federalista, sobretudo, a idéia de União como elemento de consolidação do Estado Imperial. Como afirma HAMILTON, “a conservação da União nos promete um futuro tão lisonjeiro” e a desagregação, por outro lado, nos privaria “de todas as vantagens que a natureza [...] pôs à nossa disposição”170.

Após alguns anos, já no periódico O Americano, Marinho defendia a autonomia nacional, evocando os Escritos Políticos de Thomas JEFFERSON171 em epígrafe:

166 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem. Teatro de sombras. op. cit., p. 73.

167 DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do século XIX. São Paulo:

Globo, 2005, p. 56.

168

JORNAL da Sociedade Promotora da Instrução Pública. Ouro Preto. 21 SET. 1832.

169 JEFFERSON, Thomas. Escritos Políticos. In: Federalistas. Trad.: Leônidas Gontijo de Carvalho. Col. Os

pensadores. São Paulo: Abril, 1973.

170

HAMILTON, Alexander, MADISON, James, JAY, John. “O Federalista”. In: Federalistas Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1973. p. 109.

O dia não está longe, em que possamos exigir que hum merediano convencional divida o Oceano, que separa os dous hemisférios; de maneira que nenhum canhão Europeo se faça ouvir a quem, e nenhum canhão Americano além desta linha172. Para promover o sentimento nacionalista, o redator de O Americano pretendia “desviar as vistas de nossos Concidadãos dessa política mesquinha para fita-las no objecto grandioso, de tornarmos o nosso Paiz respeitado no estrangeiro”. Além disso, procurava “esclarecer o Governo, e Assembléa”, censurando-os “quando entender que se desvião do caminho”173. “Desviar as vistas”, esclarecer e censurar eram preocupações de outros redatores das Regências, como o padre Behring.

José Antônio Ribeiro Behring era um dos redatores do Novo Argos. Em 1827, o padre começou seu magistério no mesmo estabelecimento em que se formara: o Seminário de Mariana. Entretanto, nos idos de 1829, começou “a pregar de sua cadeira novidades filosóficas”174, as quais lhe valeram indisposições com o bispo D. Frei José da Santíssima Trindade, que se estenderam por longo tempo. Em carta ao Núncio Apostólico, relatava o bispo:

comunico mais a V. Excia que na reunião do sobredito Concelho da Província, em princípio dêste Dezembro, começaram já a tratar sôbre meu Seminário Episcopal, para chamarem a si a revisão e exame dos Estatutos, que eu lhe dei na restauração, a título de inconstitucionalidade, sendo o autor desta indicação um sacerdote que nêle se criou, aprendeu e por êle foi sustentado, provido de livros pela sua mímia (sic) pobreza, por tempo de seis anos; e ao depois serviu de lente de Filosofia por dois anos, até que angariado pela demagogia para desmoralizar os alunos e os mais, fui constrangido a lançá-lo fora, e então se desmascarou em escritos públicos contra mim, contra seus mestres e contra o mesmo Seminário a quem deveu sua prosperidade, derigindo a incendiária fôlha intitulada, O Argos de Minas, achado-se hoje a par de outros demagogos naquele Concelho, que parece disposto a desacreditar o Seminário e fazê-lo odioso para apressar a sua destruição e abandono. (grifos de TRINDADE)175

Ao que nos parece, Behring tornava suas aulas verdadeiros palanques para a defesa de suas posições políticas, bem como para iniciar seus alunos na vida liberal, o que culminou com sua demissão a 5 de outubro de 1829. Entretanto, o relato do bispo evidencia as

172 AMERICANO (O). São João del Rei, 16 JAN. 1840. 173 Idem.

174 TRINDADE, Cônego Raimundo. Breve notícia dos Seminários de Mariana. Com Aprovação Eclesiástica.

condições de formação de Behring. No Seminário de Mariana “se criou, aprendeu e por êle foi sustentado, provido de livros pela sua mímia (sic) pobreza, por tempo de seis anos”. Posteriormente, “serviu de lente de Filosofia por dois anos” no mesmo estabelecimento. Assim, Behring e Marinho apresentam trajetórias similares: ambos foram pobres, cursaram seminários às expensas de outros e, depois, serviram como professores de Filosofia.

Algumas semanas após sair daquele estabelecimento “Episcopal”, Behring passou a lecionar Filosofia na cidade de Ouro Preto. Em sua aula inaugural na capital mineira, apresentou a importância da razão como “a segura avenida à felicidade suma”. Para o reverendo, a “razão é o Farol da nossa conduta”176. Com efeito, Behring fascinava seus alunos com estas idéias “liberais” e “ilustradas”. Seu influxo por meio da atividade docente pode ser sentido por meio da correspondência de um seu ex-aluno que lamentava a saída do mestre do Seminário marianense, ressaltando “o espírito liberal do muito estimável Sr. Behring”177. Logo após sua demissão, Behring preparou a entrada do Novo Argos, cujo primeiro número data de 10 de novembro daquele ano. Deste modo, podemos perceber a própria ação política do padre mestre, que conjugava a escrita no Novo Argos à educação dos jovens ouropretanos.

Para Behring, o seu Novo Argos destinava-se:

1º A transmittir aquellas doutrinas, que foram mais conducentes à civilização dos povos sem comprometter o decoro a Religião do Império; para o que transcreverei alguns discursos dos Políticos mais celebres da America, e Europa, e mesmo dos Redactores Brasileiros amantes da Constituição. [...]

2º Elle tem por fim censurar com toda a prudencia possível aquellas Authoridades, que pouco affectas à cauza da Nação ousarem tocar com mão sacrilega na Arca Santa da Constituição. [...]

3º Disputar com as armas poderosas da Razão aos escriptores infieis a guarda do Palladio Nacional, pregando a legitimidade dos direitos do Povo Brasileiro contra qualquer temeraria tentativa nas Garantias Constitucionaes178.

Neste sentido, o Novo Argos deveria doutrinar, censurar e disputar.

175 Carta do bispo D. Frei José da Santíssima Trindade ao Núncio Apostólico, Mariana, 29 DEZ. 1830. Apud

TRINDADE, Cônego Raimundo. Breve notícia dos Seminários de Mariana. op. cit., p. 44.

176

UNIVERSAL (O). Ouro Preto, 12 MAR. 1830.

177 UNIVERSAL (O). Ouro Preto, 16 OUT. 1829. 178 NOVO Argos. Ouro Preto, 10 NOV. 1829.

Doutrinava-se por meio de citações de autores estrangeiros e nacionais, sobretudo os “Redactores Brasileiros amantes da Constituição”. Contudo, as doutrinas transcritas deveriam manter o “decoro à Religião do Império”. Neste sentido, lembramos que, para muitos homens daquela época, a tão defendida “razão” remetia ao empirismo ibérico caracterizado pela ligação de “elementos na aparência inconciliáveis: a fé e a ciência, a tradição filosófica e a inovação racional e experimental”179. De fato, fé e constitucionalismo andavam juntos em formulações que se apropriavam da própria Vulgata para corroborar a idéia de que “uma sabia Liberdade apoiada na Lei, e por ela dirigida, em nada são opostos aos dogmas da Religião”180. Censuravam-se os opositores e “Authoridades” contrárias à Constituição do Império, apontando-lhes os “defeitos” e indicando-lhes os caminhos a serem tomados por intermédio da recorrência às qualificações como “bem”, “mal”, “tirania”, entre outras181. Todavia, censurar também significava fazer calar. Na intensa guerra discursiva, os redatores das Regências esforçaram-se para fazer valer seus pontos de vista, calando seus rivais através de uma relação de forças em que interpretações impuseram-se como “corretas” porque “vencedoras”182.

Por fim, havia a disputa, isto é, a “grande luta entre escriptores” em que se aventurara o redator do Novo Argos183. Combatia-se, como Guerra Santa, os “escriptores infieis” denegrindo-os como “hereges” e, como tais, destinando-os ao silêncio, à expulsão e ao extermínio. Simultaneamente, consolidava-se uma posição – uma visão de mundo – “pregando a legitimidade” de suas próprias ações. Assim, o jornal não era apenas instrumento para a “educação” dos povos, mas arma fundamental no prélio político.

179 FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina (política econômica e monarquia ilustrada). São

Paulo: Ática, 1982, pp. 430-431. apud. VILLALTA, Luiz Carlos. Reformismo Ilustrado, Censura e Práticas de Leitura: Usos do Livro na América Portuguesa. São Paulo: USP, 1999 (Tese, Doutorado em História), p. 137.

180 ESTRELLA Mariannense. Ouro Preto, 28 JUN. 1831.

181 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. op. cit., p. 173. 182

FOUCAULT, Michel. “Nietzsche, a genealogia e a história” In: _____. Microfísica do Poder. Trad.: Roberto Machado. 16. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001. p. 15-37.

Doutrina, censura e disputa. Esta tríade orientava as ações dos periodistas daquele tempo, unindo personagens como Marinho e Behring na prática da “escrita pública”. De fato, estes redatores exerceram o papel de guias e de censores dos povos, cuja finalidade era “unir a seus ideais e proposições os demais componentes da ‘boa sociedade’ e muitos homens livres, proprietários unicamente de suas pessoas”184. Para estes autores, o ato da escrita era um exercício de magistério político, arrogando-se um “papel cívico e construtivo” como justificativa para sua ação185. Porém, a relação entre ensino e periodismo não era mera analogia. Ambos, professor e autor, buscaram esclarecer a sociedade, incutindo nos indivíduos o “amor da pátria” e o constitucionalismo. Assim, ao mesmo tempo em que os professores do termo de São João del Rei “se esforção quanto lhes he possivel no ensino de seos discipulos não se esquecendo tãobem de fazer-lhes ler a Constituição do Império como convém a Jovens que pertencem a huã Nação Livre, Independente e Constitucional”186, os “escritores públicos” liberais pretendiam “dirigir nossos Concidadãos para o ponto da Salvação”187, isto é, o caminho de uma liberdade “bem entendida” calcada na Monarquia Constitucional. No entanto, ensino e escrita comportam uma dimensão coercitiva em suas práticas. Enquanto o “mestre-escola” exercia a imposição de um entendimento “correto” e “verdadeiro” por meio de um aparato condicionante “que [permitia] qualificar, classificar e punir”188 os alunos, o autor tencionava sujeitar o leitor “a um sentido único, a uma compreensão correta, a uma leitura autorizada”189 de seus textos. Dessa forma, o esclarecimento marchava de mãos dadas com a sujeição: se, por um lado, intentava-se constituir um público “ilustrado”, capaz de efetivar, “diante do grande público do mundo

184 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. op. cit., p.173.

185 CÂNDIDO, Antônio. “O escritor e o público”. In: COUTINHO, Afrânio (dir.). A literatura no Brasil. vol. 1.

Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana, 1968. p. 105.

186

APM/PP133 Cx. 270, doc. 64. Correspondência da Câmara Municipal de São João del Rei à Presidência da

Província. 05 OUT. 1831.

187 ESTRELLA Mariannense. Mariana, 14 NOV. 1832. 188

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad.: Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 154.

letrado”190, aquele uso da razão de que falava KANT; por outro, coagia-se os leitores a uma leitura “legítima”, sobrepujando as possíveis interpretações num jogo de dominação que calou vozes e se imortalizou no próprio impresso.

Vasconcelos: escrita e poder

Nenhum indivíduo esteve tão imerso no mundo impresso das Regências quanto Bernardo Pereira de Vasconcelos. Não se poderia ficar indiferente perante seu nome, presença constante em insultos e elogios. Sabemos de sua marcante vida política como conselheiro, deputado, ministro e senador. Contudo, apresentaremos um pouco do Vasconcelos escritor, ou seja, aquele homem que dominava a pena e se fazia presente em todos os lugarejos por meio da palavra impressa. Por meio da imagem de Vasconcelos191, abordaremos algumas das funções exercidas pelo primeiro segmento da rede de comunicação, isto é, o autor. Para tanto, valemo-nos dos estudos de Pierre BOURDIEU acerca do poder simbólico das palavras “nos enfrentamentos de visões de mundo e de previsões da luta propriamente política”192.

Tradicionalmente, atribui-se a redação do Companheiro do Conselho e do Universal, em seus primeiros anos, a Bernardo Pereira de Vasconcelos193. As suspeitas estão evidentes em depoimentos da época, exemplificados nas correspondências de Francisco de Assis Azevedo, de Ouro Preto, para Joaquim Pereira de Queiroz, do Serro. Em 1825, Azevedo remetia “9 Nos. do Compro do Conselho”, afirmando a Queiroz que “[continuarias], se assim m’o ordenardes: he o Dor. Bernardo, que está escrevendo, em nome de outro, que publicame

190 KANT, Immanuel. “Resposta à pergunta: Que é ‘Esclarecimento’? (“Aufklärung”)”. In: _____. Textos

seletos. Trad.: Floriano de Sousa Fernandes. Petrópolis, 1974. p. 104.

191 O texto que se segue refere-se à “fase liberal” de Bernardo Pereira de Vasconcelos, ou seja, sua atuação

política antes do Ato Adicional, em 1834. Contudo, consideramos que a imagem do “autor” Vasconcelos tenha se transformado pouco ao longo de sua vida.

192 BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas linguísticas. São Paulo: Ed. Unesp, 1998. p. 82.

193 SOUSA, Octávio Taquínio de. História dos Fundadores do Império do Brasil. Volume V: Bernardo Pereira

aparece como Redactor”194 (grifo nosso). Assim, percebemos a possibilidade de Vasconcelos redigir um periódico “em nome de outro”, mantendo-se num relativo anonimato. De modo geral, os periódicos não apresentavam os nomes dos redatores ou escreviam em lugar de outro como afirma Azevedo. Contudo, os autores poderiam ser reconhecidos implicitamente, tal como se suspeitava de Vasconcelos. O redator poderia ser conhecido pelo público por meio de boatos ou mesmo pelo estilo literário. Por isso, Bernardo Pereira de Vasconcelos foi considerado o autor de uma polêmica envolvendo dois supostos correspondentes sob os pseudônimos de Paraopebano e Itacolomi. Conforme a tradição, Vasconcelos criou as duas personagens para discutir o projeto para exploração do rio Doce. De acordo com Salomão de VASCONCELLOS, “Itacolomi defendia o projeto e Paraopebano o condenava”195. A polêmica foi travada pelo Universal e, com esse artifício, Vasconcelos experimentava e preparava a opinião pública mineira.

Outros autores também esconderam-se nas sombras do anonimato, como possivelmente aconteceu com o padre José Antônio Marinho. Conforme O Correio de Minas, no princípio de 1841, “na Typpografia de Pimentel de S. João Del Rei deu-se à Luz

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