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REDE FAMILIAR, REDE PATRIMONIAL, REDE ADMINISTRATIVA: REDE DE CO-PROPRIETARIOS FUNDIARIOS DE TACARATU E DE FLORESTA

Em busca do que ligava os proprietários entre eles e do que possibilitava manter a propriedade fundiária no seio do grupo, após passado um século de colonização da região, vivenciada num sistema de partilhas igualitárias dos bens patrimoniais, cuja tendência parecia ser o desaparecimento dos latifúndios, tentamos traçar um perfil do grupo. Os dados das pesquisas apontaram que seus membros estavam ligados em redes.

Analisar os tipos de ligações que existiram entre os proprietários apenas pelo ângulo dos vários cargos públicos que eles ocuparam, como se somente dessa forma se articulassem entre si, ou, por outro lado, pelo ângulo de suas práticas de sociabilidade, são duas das quatro possibilidades de abordagem que buscamos para identificar e analisar o papel que esses proprietários desempenharam na estrutura das redes que formaram e como a elas se conectavam. Os dados indicaram que práticas de sociabilidade foram muito importante para se reproduzirem como uma categoria social e para que mantivessem a propriedade privada da terra. Esses indivíduos formaram um corpo de homens políticos, de co-proprietários de terras e de co-senhores de escravos. Durante gerações, eles ocuparam vários cargos públicos e tiveram posses de terras.

Analisar as diversas relações sociais entre os proprietários de fazendas, como sendo elas características de um grupo profissional e os elos da conexão, foi a terceira possibilidade de abordar do problema. Segundo Maria Yeda Linhares, no tempo da Corte instalada no Rio de Janeiro, fazendeiros pertenciam à categoria socio-profissional dos patrões, tal qual

negociantes, comerciantes e capitalistas, todos ligados ao setor financeiro240. No cotidiano das vilas de Floresta e Tacaratú, os dados de nossas pesquisas indicam que a maioria dos proprietários de terras e de gados podem constar nessa classificação, utilizada para a Corte, pois eles não executavam a atividade pecuarista nem a atividade agrícola. Eles as delegavam aos vaqueiros, aos escravos e aos agregados. Os vaqueiros exerciam, também, a função de administrador das fazendas. Segundo o recenseamento nominal, realizado pela Polícia Civil241, em 1859, os escravos representavam 19,9% da freguesia de Fazenda Grande e a maioria deles pertencia aos plantéis das fazendas. Dos 195 criadores mencionados, 59% possuia escravos.

Considerar as ligações como características dos cargos que exerceram na administração pública e da categoria socio-profissional de patrão, abrigadas pelos laços de família, uma quarta possibilidade de abordar o problema, poderia induzir à omissão de uma realidade mais complexa, pois, na estrutura das redes, essas ligações se entrelaçaram umas nas outras, para definir as relações de poder entre eles, em todos espaços: político, familiar e profissional. Entendemos, então, que, analisar as relações que existiam entre as formas de sociabilidade, como o condomínio e o co-senhorio, seria a forma mais coerente de tentar responder a questão.

Estamos tratando de uma análise micro-histórica, com base em práticas de sociabilidade. No entanto, os problemas e contradições que ocorreram em Tacaratú e Floresta também ocorreram em outras partes, à mesma época, como, também, em vilas de outras províncias ou podiam ocorrer em qualquer outro lugar. No contexto das vilas de Floresta e de

240 COELHO, Edmundo Campos. As profissões Imperiais. Medicina, engenharia e advocacia no Rio de Janeiro,

1822-1930. Editora Record. Rio de Janeiro: São Paulo, 1999, p. 78.

241 Estatística da População de Fazenda Grande. Arquivo Estadual de Pernambuco, Recife, Coleção Polícia Civil,

Tacaratú, filhos da elite se conectaram continuamente e de modo semelhante ao poder político local, seja conservador ou liberal, nas diversas instâncias administrativas, judicial, policial e militar.

Uma leitura « construtivista » do termo sociabilidade permite dizer que ele exprime, em primeiro lugar, a riqueza da vida social cotidiana. Neste sentido, trabalhamos as realações de sociabilidade desenvolvidas entre os co-proprietários. As relações que os conectavam não eram unicamente políticas: elas eram indissociavelmente políticas, familiares, profissionais, econômicas, amigáveis, conflituosas. Nesta perspectiva, também caracterizamos as práticas sociais e o papel que elas exprimiram na rede de sociabilidade.

Ter propriedade de terras, de escravos e de gados, muitas vezes, autorizou o papel que certos indivíduos vieram a ocupar nesta sociedade. Num espaço onde as relações podiam dar sustentação à condição social, colonizadores recém chegados, que se instalaram na condição de fazendeiros, donos de escravos e criadores de gado vacum, logo, passaram à condição de altos funcionários da administração da Coroa no Brasil, como oficiais das Ordenanças e, depois, no exercício de cargos públicos eletivos. Eles foram investidos de autoridade e de autonomia. As suas práticas exprimiam estratégias que reforçavam essa autonomia social, política e econômicamente indissociável. A releitura da vida política desses proprietários pelo ângulo das práticas de sociabilidade apontou que a politização desse grupo foi inseparável das condições de vida e trabalho que constituíram e, por conseguinte, do espaço onde habitavam. A sociabilidade como uma categoria de análise de grupos sociais é um convite para percorrer as relações que tecem a organização social e as suas práticas.

A análise dos dados apontam que o modo como os proprietários se firmaram e se apropriaram de bens patrimoniais com o passar das gerações, tenha-se devido ao aumento

desigual da riqueza de cada um. Algumas famílias ou ramos delas prosperaram, o que não aconteceu com outras. No entanto, fossem mais ricas ou menos ricas, elas exibiam características de pertencimento a um grupo social que transitava nos lugares de poder.

As relações sociais reuniam, em posições diferentes, os cento e cinquenta e quatro indivíduos inventariados mais os seus inventariantes e herdeiros, todos membros da elite. Essas ligações admitiam uma solidariedade análoga as de uma família. O conjunto das relações permitiu ter resultados interessantes, senão direta e simultaneamente para a totalidade do grupo, ao menos, para uma parte dele. As relações, geralmente, organizaram-se de elementos dinâmicos e centrais da rede, como o matrimônio, o patrimônio, a política, que impulsionaram as conexões. Ao mesmo tempo, a intensidade ou a estreiteza das relações podiam variar de acordo com a intensidade das ligações mantidas entre os membros da rede de sociabilidade.

A sociabilidade, em Floresta e em Tacaratú, baseou-se em relações sociais que se complementavam. As primeiras foram constituídas dentro das famílias, pelos nomes, pelo lugar de origem comum, mesmo que distante, como os casos de terras adquiridas por parentesco distante no século XVIII. As segundas, em torno de bens patrimoniais. As terceiras, em torno da política. No seio das famílias, as relações se desenvolveram lateralmente, pelo recurso das alianças matrimoniais, não exclusivamente endogâmicas e colateralmente, por relações de co-propriedades. Essas relações, complementares e coerentes, movimentaram várias ligações.

Outro tipo, diferentemente das relações familiares, patrimoniais e políticas, conectavam indivíduos, porém, pelo viés de relações de dependências, no entanto, não eram menos importantes para o funcionamento do sistema. Eram elas as relações de autoridade e de

subordinação entre os co-senhores e os seus escravos, entre proprietários e agregados, que, muitas vezes, foram recrutados por eles para compor a sua guarda pessoal.

As redes de alianças e os conectores

Uma vez constituídas as alianças, apareceram, entre 1840 e 1880, três redes maiores de alianças ligando entre eles a maior parte dos proprietários de Floresta e Tacaratú. Cada uma dessas redes tinha suas características particulares, e o lugar que nelas ocupavam os proprietários, não era o mesmo, mas, às vezes, se confundiam. Então, é interessante analisar o sistema que elas revelam. Todas as genealogias que mencionamos aqui repousam sobre a possibilidade de ligar, entre eles, proprietários, por intermédio de alianças matrimoniais, patrimoniais e políticas.

Rede A - Matrimônios: conectores da rede família

Na rede de poder que se estabeleceu em Floresta e Tacaratú existem dois personagens que, se eles desaparecessem, poderiam ter modificado completamente as relações entre a maioria dos membros das famílias aqui mencionadas. Tratam-se dos portugueses Manuel Lopes Diniz e Manoel Alves de Carvalho. Segundo Leonardo Gominho,242 os Carvalho, de Floresta, vindos da Bahia, eram filhos nascidos de casamentos entre filhos e netos de Manuel Lopes Diniz. O mesmo genealogista243 afirma que foram estas duas famílias o tronco de outras famílias de destaque da região, como Alves de Barros, Torres Barbosa, Nogueira de Barros, Valgueiro Barros, Torres Carvalho, Carvalho Barros, Lopes Barros, Diniz Carvalho e outras. Os Lopes Diniz também eram conectados com membros da família Souza Ferraz, por

242 GOMINHO, Leonardo Ferraz. Floresta, uma terra, um povo. Coleção Tempo Municipal, vol. 14. FIAM,

Centro de Estudos de História Municipal, Prefeitura Municipal de Floresta, 1996, p. 56.

laços de famíla, de amizade e de compadrio. Manuel Lopes Diniz foi compadre do capitão Dâmaso de Souza Ferraz, por batizar uma de suas filhas. A mulher de Manuel Lopes Diniz era tia do capitão Dâmaso. A quinta filha de Manoel Lopes Diniz, Rosa Maria do Nascimento, casou-se com Francisco Gomes de Sá, um dos proprietários da fazenda Mandantes e um dos juízes ordinários de Fazenda Grande. Manoel Lopes Diniz e José Lopes Diniz foram grandes financistas, emprestando dinheiro a juros aos fazendeiros da vilas de Tacaratú e Floresta, como de outras mais próximas da região : Cabrobó, Itabaiana, Penedo, Serra Talhada.

Membros da família Carvalho chegaram ao Sertão de Pernambuco na segunda metade do século XVIII e se instalaram, primeiramente, na fazenda Campo Grande e, depois, na Panela D’Água, dos Lopes Diniz, e em mais quatorze outras, como a Mãe D’Água, Jardim, Tabuleiro Comprido, Curralinho, Cachoeira, Misericórdia, Paus Pretos, Serra do Arapuá, Silêncio, São João, Melancia, Pedra Branca, Belo Horizonte e Malhada Branca, dentre as quais, encontramos referências a sete delas, como propriedades de inventariados e inventariantes estudados.

Inácia Maria da Conceição foi uma das mulheres da famíla Lopes Diniz a conectá-la definitivamente à família Carvalho. Os casamentos foram um importante fio conector das redes de relações dessa elite. Filha de Manuel Lopes Diniz, Maria da Conceição foi a segunda mulher do português Manoel de Carvalho Alves, que já havia desposado uma prima, também, da prole Diniz. Deste casal, nasceram treze filhos, entre eles, Francisco Alves de Carvalho, pessoa que viria a ocupar um importante papel de mando na política e na rede de funcionários da administração judicial de Fazenda Grande. Igualmente ao pai, ele também desposou duas primas da família Diniz e, na trajetória política, foi conector de parentes na estrutura da administração judicial.

Os ancestrais dos proprietários que estamos estudando entre as décadas de 1840 e 1880, eram, na maioria, descendentes de portugueses. Há indícios de que grande parte já havia nascido no Brasil e habitava em outras freguesias, antes de virem colonizar as terras do Sertão de Pernambuco, em meados do século XVIII. Entre os que teriam vindo direto de Portugal para essas paragens, estão os Lopes Diniz, os Gomes de Sá, os Novaes. No entanto, há divergências entre os genealogistas quanto à informação244. Quanto à nacionalidade estrangeira, o censo de 1872 menciona apenas dois indivíduos em Fazenda Grande, sendo eles do sexo masculino, um de origem italiana e outro de origem portuguesa. Em Tacaratú, quatro franceses, dois espanhóis, oito portugueses, sendo todos do sexo masculino, dois eram solteiros e doze eram casados.

Quanto à nacionalidade brasileira, de uma população total de cinco mil quatro centos e quarenta e oito pessoas em Tacaratú, cinco mil duzentos e dezesseis eram pernambucanas, sete piauienses, trinta e quatro cearenses, dezoito norte-rio-grandenses, dois paraibanos, cento e dez alagoanas, três sergipanos, cinquenta e oito baianas. Em Floresta, de uma população total de quinze mil cento e trinta e oito pessoas pessoas, quinze mil e quarenta e dois eram pernambucanas, onze cearenses, oito norte-rio-grandenses, cinco paraibanos, trinta e nove alagoanos, um sergipano, trinta e sete baianos. A concentração de estrangeiros, principalmente portugueses, era nas Parochias do Santíssimo Sacramento de Santo Antonio, da Boa Vista e de São José do Recife, pólos urbanos da Província de Pernambuco.

Os proprietários de Floresta e Tacaratú, das décadas de 1840 a 1880, compõem-se, predominantemente, de membros da geração de bisnetos dos colonizadores do século XVIII.

244. GOMINHO, Leonardo Ferraz. Floresta, uma terra, um povo. Volume I. Coleção Tempo Municipal – 14.

Na família Ferraz245, são bisnetos de Jerônimo de Souza Ferraz, o primeiro a chegar. As notícias indicam que Jerônimo era originário de Sergipe e teria chegado ao Sertão de Pernambuco em meados do século XVIII, onde fixou residência na fazenda conhecida por Riacho do Navio. Manuel Lopes Diniz, outro grande fazendeiro da região, arrendou terras de sesmarias à Casa da Torre246, na Bahia. Logo depois, em meados do século XVIII, ele arrendou a fazenda Panela d’Água, localizada na altura do afluente do riacho do Capim Grosso, afluente do rio Pajeú, local onde fixou residência definitiva e onde se constituiu o povoado Fazenda Grande, atual de Floresta.

Quanto aos Gomes de Sá, de Floresta, provavelmente,247 eles eram descendentes dos irmãos pernambucanos Francisco Gomes de Sá, José Gomes de Sá, Anacleto Gomes de Sá, Cypriano Gomes de Sá e Alexandre Gomes de Sá, que teriam dado origem a uma das maiores famílias do Sertão pernambucano, particularmente em Floresta, onde, também, influenciaram na política local.248 Os Novaes descendiam de Antônio Francisco de Novaes, já residente no Sertão pernambucano. A estrutura do grupo, como foi visualizada nos documentos, mais de cem anos depois, resultou, essencialmente, do encontro desses grupos e da mescla de interações e antagonismos resultantes dele.

Seria impossível explicar a configuração social que os proprietários criaram em Floresta e Tacaratú sem fazer referências à genealogia, à geografia, sem dizer de onde vieram ou sem tentar expor o modo como eles foram ali se inserindo e formaram as redes, desde os primeiros proprietários, que, afinal, nem eram tão estrangeiros assim, nem estranhos entre si. Existiam relações criadas anteriormente em outras vizinhanças, como na Bahia, com os

245.Idem.

246 Idem, p. 57. 247 Idem, p. 85. 248 Idem, p. 86 .

proprietários da Casa da Torre, entre os quais há possibilidades de relações de parentescos249. Outro fato é que, à época, os arrendamentos de terras eram comuns entre eles.

De trinta e dois nomes de famílias mencionados no conjunto das fontes pesquisadas250, dezenove são reconhecidos como desmembramentos dos primeiros grupos de colonizadores da região251 do Sub-Médio São Francisco, à partir do século XVIII. Na tabela abaixo, ilustramos que, juntamente com os descendentes dos Lopes Diniz e Carvalho, aparecem outros entrelaçamentos familiares:

TABELA 14

NOMES DE FAMÍLIAS QUE COMPUSERAM A ELITE DE