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REDE E TERRITÓRIO: OS MORADORES DA CIDADE E OS SERVIÇOS DE

garantir os direitos preconizados. De fato, são as Conferências Nacionais de Saúde Mental, em especial a III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em 2001, que consolidam a Reforma Psiquiátrica como política oficial do SUS, propondo a conformação de uma rede articulada e comunitária de cuidados para as pessoas com transtornos mentais. Nessa perspectiva, emerge a discussão sobre dois conceitos fundamentais: rede e território.

3.1 REDE E TERRITÓRIO: OS MORADORES DA CIDADE E OS SERVIÇOS DE SAÚDE

A construção de uma rede comunitária de cuidados é fundamental para a consolidação da Reforma Psiquiátrica. A articulação em rede dos variados serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico é crucial para a constituição de um conjunto vivo e concreto de referências capazes de acolher a pessoa em sofrimento mental. Esta rede é maior, no entanto, do que o conjunto dos serviços de Saúde Mental dos municípios. Uma rede se conforma na medida em que são permanentemente articuladas outras instituições, associações, cooperativas e variados espaços das cidades. A rede de atenção à Saúde Mental do SUS define-se, assim, como uma rede de base comunitária. É fundamento para sua construção a presença de um movimento permanente, direcionado para os outros espaços da cidade, em busca da emancipação das pessoas com transtornos mentais.

Segundo Santos (2012), precisamos constantemente não confundir dois conceitos diferentes: espaço e território. Para ele, o espaço é compreendido como totalidade verdadeira

e o território tem, em sua conceituação, uma configuração singular, resultante de trocas relacionais entre a sociedade, o espaço e a natureza. Nessa perspectiva, o território pode adotar configurações próprias, em determinado momento histórico, e segundo os movimentos sociais.

A cidade moderna nos move como se fossemos máquinas, e os nossos menores gestos são comandados por um relógio onipresente. Nossos minutos são os minutos do outro e a articulação dos movimentos e gestos é um dado banal da vida coletiva. Quanto mais artificial é o meio, maior a exigência dessa racionalidade instrumental que, por sua vez, exige mais artificialidade e racionalidade. Mas esses imperativos da vida urbana estão cada vez mais invadindo o campo modernizado, onde as consequências da globalizacão impõem práticas estritamente ritmadas. A racionalidade que estamos testemunhando no mundo atual não é apenas social e econômica, ela reside, também no território (Santos, 2012, p.187).

A ideia fundamental, aqui, é que somente uma organização em rede, e não apenas um serviço ou equipamento, é capaz de fazer frente à complexidade das demandas de inclusão de pessoas secularmente estigmatizadas, em um país de acentuadas desigualdades sociais. Nesse sentido, a comunicação entre os serviços de saúde, a construção de um fluxo interligado garantem que os usuários do serviço de saúde sejam atendidos na totalidade de suas demandas. Em relação a este aspecto, cabe também a articulação com a rede de assistência social e, muitas vezes, a Defensoria e a Promotoria Pública. A articulação de diversos equipamentos da cidade, e não apenas de equipamentos de saúde, pode garantir resolutividade, promoção da autonomia e da cidadania das pessoas com transtornos mentais. Para esta organização, a noção de território é especialmente orientadora.

A substituição da ideia de comunidade pela de território não visa apenas estabelecer uma distinção com a comunidade da psiquiatria comunitária. O território é uma força viva de relações concretas e imaginárias que as pessoas estabelecem entre si, com os objetos, com a cultura, com as relações que se dinamizam e se transformam (Amarante, 1994, p. 145).

O território é a designação não apenas de uma área geográfica, mas das pessoas, das instituições, das redes e dos cenários nos quais se dão a vida comunitária. Assim, trabalhar no território não equivale a trabalhar na comunidade, mas a trabalhar com os componentes, saberes e forças concretas da comunidade que propõem soluções, apresentam demandas e que podem construir objetivos comuns. “O trabalho no território não é um trabalho de construção

ou promoção de ‘saúde mental’, mas de reprodução de vida, de subjetividades” (Amarante, 1994, p. 145). Trabalhar no território significa, assim, resgatar todos os saberes e potencialidades dos recursos da comunidade, construindo coletivamente as soluções, respeitando a multiplicidade de trocas entre as pessoas, para os cuidados em Saúde Mental.

Para tanto, é preciso compreender a utilização do território, no que concerne aos usuários de saúde mental em seu retorno à cidade. De acordo com Santos (2000), a análise social se dá a partir desse uso. Essa compreensão é fundamental para afastar o risco de isolamento social, que acarretaria uma perda na experiência individual e coletiva. A noção de território contempla tanto características geográficas quanto os instrumentos construídos e as relações interpessoais que convivem dialeticamente com o espaço, e que fundamentarão a intencionalidade humana para a construção das relações.

Destarte, o território existe repleto das relações de poder nele incorporadas através de seus múltiplos sujeitos, hegemonizados e hegemônicos, que seguem através da cultura, das relações econômicas e políticas, organizando e construindo um espaço cheio de significados nele enraizados, e que garanta a sobrevivência cotidiana.

No que concerne à saúde mental, precisamos entender que a retomada da cidade e, consequentemente, do território, transcende o acesso aos atendimentos clínicos e/ou terapêuticos, dizendo respeito a todas as relações estabelecidas pelos sujeitos. O território deve ser apropriado e produzido pelo sujeito, não sendo entendido, portanto, como elemento puramente físico e espacial. Segundo Santos (2012), o território pode ser concebido como o lugar onde os sujeitos sociais constroem suas histórias de vida.

O território, por sua vez, também funciona como organizador da rede de atenção à Saúde Mental; ele deve orientar as ações de todos os seus equipamentos. Nesse sentido, os serviços territoriais têm como preocupação máxima atender as necessidades das pessoas que os procuram, as demandas que lhe são endereçadas. De acordo com essa concepção, foram criados serviços territoriais com funcionamento 24h, por se compreender que algumas demandas não têm hora para acontecer, oferecendo tanto o cuidado específico, com o retorno do usuário do serviço de saúde mental para sua casa, quanto à possibilidade de hospitalidade noturna, de acordo com a necessidade, sem qualquer aproximação com a internação de outrora.

3.2 AS RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS: UMA CASA DIFERENTE EM UMA NOVA